Alejandro Nadal: o mastro vazio do México
O México atravessa tempos nefastos. Seu governo se empenha em entregar o último que resta do patrimônio do povo mexicano a interesses privados, estrangeiros e nacionais. Frente à crise econômica, seus governantes reagem torpemente, com lentidão e com medidas marcadas por contradições. Finalmente, as autoridades se mostram incapazes de enfrentar as sequelas de destruição e morte provocadas pelos desastres naturais.
Por Alejandro Nadal*, na Carta Maior
Publicado 03/10/2013 16:05
As calamidades naturais não podem ser evitadas, mas seus efeitos podem ser mitigados de muitas maneiras: alertas antecipados, preparação e mobilização da população, infraestrutura robusta, manutenção preventiva e esquemas de resposta rápida. Mas o que estou dizendo? Mobilização da população? Mas aqui o que o governo quer é uma população desmobilizada, para não dizer passiva. O que menos quer o poder é uma população alerta e mobilizada: e se não, aí estão os mestres da CNTE para confirmá-lo.
Infraestrutura robusta? Impossível consegui-la com um orçamento federal com previsões raquíticas para investimento físico. Por isso temos décadas de restos acumulados em tudo o que tem a ver com desenvolvimento: saúde, educação, moradia, estradas, obras de irrigação. No neoliberalismo o estado abdicou de suas responsabilidades frente ao desenvolvimento do país e a rede de estradas teve que crescer com investimentos privados que foram mal planejados e chegaram à falência. O governo entrou ao resgate e hoje tudo isso pesa nas finanças públicas. A estrada mais emblemática é a Autopista do Sol, construída para os negócios, mas não para durar.
Esquemas de resposta rápida? A quatro dias dos meteoros no Golfo e no Pacífico, o governo mal pode articular uma reação atropelada pelo caos e pela improvisação. Esta é a hora em que o Centro de Prevenção de Desastres continua com sua página na rede anunciando que tudo está bem… no Popocatépetl. O serviço de proteção civil da Secretaria de Governo mantém sua página com mensagens anódinas, de um regime em decadência: aproxima-te do Sinaproc, conheça-nos, informa-te sobre a convocatória ao prêmio de proteção civil 2013. Pois certamente não vão dar a Peña Nieto. Isso sim, até embaixo: anúncios do relatório presidencial, das reformas fazendária e energética.
O governo anunciou há uma semana seu pacote econômico para 2014. Sua previsão de crescimento do PIB é de 3.4%, mas por enquanto, este ano a economia nacional crescerá muito menos de 1.8% prognosticado pelo governo e a duras penas se cumprirá a meta de 2014. Ainda que o secretário de Fazenda não se canse de repetir que ‘tecnicamente’ o México não está em recessão, os desastres naturais deixarão uma marca profunda e o crescimento será muito menor que o prognosticado.
O orçamento de egressos, diz o governo, é contra cíclico. Com isso quer dizer que ajuda a reduzir a perda de dinamismo da economia ao injetar mais dinheiro e incrementar a demanda agregada. Para demostrá-lo, o governo afirma que seu orçamento manterá um déficit de 3.5% do PIB. Mas que curioso pacote de estímulo fiscal. Tem déficit, é verdade, mas também contém um incremento nos impostos por todos os lados: sobre o IVA na fronteira e as colegiaturas, sobre o ISR com uma espécie de arremedo de progressividade e, claro, mantendo os incrementos na gasolina. É um orçamento contraditório: por um lado se anuncia o déficit como amostra de que o governo freará a queda da economia, mas pelo outro, se introduzem incrementos nos impostos que refletem no poder de compra da população.
O Banco do México anunciou há alguns dias que baixaria a taxa de juros de referência de 4 para 3.75%. Essa é a taxa interbancária de um dia e não servirá para reativar o crédito e a economia, apesar dos pronunciamentos do BdeM e do secretário de Fazenda. Os bancos não estão sujeitos a nenhuma regulação e o impacto nas taxas ativas (as que o banco cobra) será nulo: o custo do crédito continuará sendo exorbitante. Em síntese, o espaço econômico continua estando ocupado pela rapina e pela miopia.
Para piorar, a reforma energética continua como espada de Damocles, suspensa sobre a nação mexicana. Com este robô se fecharão as portas de um processo de industrialização gerador de empregos estáveis e melhores oportunidades para todos. É outra calamidade, como a da entrega do espaço de milharais mexicanos aos cultivos transgênicos produzidos e comercializados pela empresa Monsanto. Como a praga de milhos transgênicos, a entrega do setor energético às empresas transnacionais é um retrocesso do qual não poderemos escapar facilmente.
Dizem que quando vem o furacão e despoja as árvores de suas folhas, os troncos ficam como um mastro vazio. Talvez seja uma boa metáfora para a República Mexicana nestes momentos. As árvores permanecerão nuas, sem insígnia, como testemunho mudo das façanhas do mau governo.
(*) Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial da SinPermiso.
Tradução: Liborio Júnior, na Carta Maior