Domenico Losurdo: o pecado imperialista
Colonialismo e anti-colonialismo. Essa é a essência da ideia de pecado original do século XX, explicou o professor Domênico Losurdo, em visita à sede nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na cidade de São Paulo, na manhã desta terça-feira (1º).
Por José Carlos Ruy e Osvaldo Bertolino
Publicado 02/10/2013 00:33
Losurdo, professor da Universidade de Urbino, Itália, e também de entidades como o Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialekttisches Denken e Associazione Marx-XXIesimo Secolo, é uma rara exceção entre os acadêmicos e faz de seu pensamento um instrumento da luta teórica, claro, e também política para transformar o mundo. Neste particular, é frequente, em seu pensamento, a denúncia do imperialismo e da ação estadunidense no mundo. Opção de pensamento revolucionário que ele reafirmou na conversa com os jornalistas do Portal Vermelho e do Portal Grabois.
Nesse sentido, foi enfático. O “pecado original” do século XX é o imperialismo que levou à resistência anti-colonial dos povos, luta que marca toda a história política e social do século e se mantém no século XXI. Aliás, há uma linha vermelha destas lutas que vem desde o século XIX. Losurdo não mantém ilusões quanto ao papel dos Estados Unidos e denuncia, com todas as letras: a guerra de Independência dos Estados Unidos não foi — ao contrário do que muitos, mesmo na esquerda, acreditam — uma guerra anti-colonial, mas uma guerra para afirmar os valores de uma potência em expansão capitalista que, nas décadas seguintes, iria impor ao mundo, pela força das armas, seus interesses.
Há uma continuidade, pensa ele, entre as agressões imperialistas do século XIX (por exemplo, quando os Estados Unidos agrediram o México e roubaram grande parte de seu território). Eram agressões que tinham entre seus objetivos a manutenção da escravidão negra (os liberais George Washington, Thomas Jefferson e James Madison, por exemplo, foram presidentes dos Estados Unidos e grandes proprietários de escravos).
Agressão colonialista
No século XX, além da partilha da África e do Oriente Médio entre as potências imperialistas, as grandes guerras foram episódios centrais da luta de classes; o programa de Adolf Hitler, na Alemanha, era incorporar territórios dos povos eslavos do Leste para formar uma Grande Alemanha onde aqueles povos teriam a mesma situação a que os africanos foram submetidos ao longo dos séculos da colonização na América: seriam escravos dos novos senhores, os alemães. Os povos eslavos do Leste da Europa seriam assassinados em massa (como ocorreu com a população indígena do oeste dos Estados Unidos) para abrir um vazio populacional a ser ocupado por colonizadores alemães.
A mesma imposição colonial, lembra ele, se mantém no século XXI e a agressão israelense contra os palestinos não passa de uma agressão colonialista clássica, inclusive com a ocupação e o roubo de seus territórios. Este é apenas um exemplo dos temas deste marxista que não foge dos problemas contemporâneos, mas os enfrenta de peito aberto, dentro do esforço de esclarecer as condições da luta contemporânea pelo socialismo.
Para o professor Losurdo, a tentativa de Adolf Hitler de radicalizar a tradição colonialista que seria a escravização do Leste Europeu é um fenômeno importante a se considerar nessa análise. Ao projeto de “germanização” daquele espaço geopolítico, disse ele, se soma à tentativa de colonização da China pelo Japão. A Segunda Guerra Mundial, consequência da evolução dos elementos que compuseram o cenário da primeira metade do século XX, pode ser considerada, em sua avaliação, como um ponto de inflexão da luta de classes na história do capitalismo.
Declínio político-militar
Losurdo analisou também o pós-Segunda Guerra Mundial, com Harry Truman assumindo o papel de liderança de uma nova ofensiva colonialista. Segundo ele, ao ocupar o lugar do presidente Franklin Delano Roosevelt — falecido em abril de 1945 —, Truman iniciou, com a chamada Guerra Fria, mais um período em que a resistência e a luta anti-imperialista assumiu importância de destaque. O professor citou o exemplo da China, alvo do imperialismo norte-americano desde que tornara-se República Popular, só admitida na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1971, em sua opinião uma vitória do chamado Terceiro Mundo no jogo político internacional — um trinfo do anti-colonialismo.
A situação na Síria também foi rapidamente analisada pelo professor italiano. Para ele, há uma gigantesca campanha de desinformação para justificar os reais interesses do imperialismo no Oriente Médio. Losurdo considerou que não é de agora que esse método vem sendo empregado, mas com as novas tecnologias de comunicação ele ficou mais sofisticado. Ele comentou as ações violentas no país, mostradas de forma obscura com a clara intenção de deturpar a natureza do conflito naquele país, que envolve inclusive os meandros do comércio internacional de armas — entre elas os arsenais químicos.
Segundo Losurdo, é preciso considerar que o declínio político-militar dos Estados Unidos não ocorre com a mesma proporção da perda da sua influência econômica, resultado da crise do capitalismo. Há um descompasso, explicou. Enquanto a economia mundial se modifica rapidamente, como mostra a ascensão da China que brevemente será uma das principais potências econômicas, a hegemonia militar norte-americana não dá sinais de arrefecimento. É uma situação que comporta grande perigo, disse o professor italiano.
Situação na Europa
Para ele, essa é uma tendência que vem de algum tempo e confirma a análise econômica de Karl Marx. Losurdo disse que é preciso separar, em certa medida, os aspectos econômicos dos político-militares, citando como exemplo a abolição unilateral em 1971, pelo então presidente norte-americano Richard Nixon, do acordo que previa a conversibilidade do dólar em ouro, conforme estabelecera o Tratado de Bretton Woods após ao término da Segunda Guerra Mundial. Por trás do maior golpe econômico da história, segundo Losurdo, estava a guerra colonialista no Vietnã. Livre das obrigações de Bretton Woods, disse ele, o governo dos Estados Unidos pôde emitir moeda e inundar o mundo com dólar para controlar sua crítica situação econômica.
Losurdo comentou também a situação na Europa. Segundo ele, é um erro estratégico desligar os problemas daquela região da crise geral do capitalismo. Não se pode perder de vista, afirmou, que o responsável principal pela crise são os Estados Unidos, o epicentro do sistema capitalista mundial. Há quem diga, afirmou, que a Alemanha, por exercer um papel dominante na economia europeia, seria o inimigo principal na luta contra os efeitos da crise do capitalismo, o que constitui um grave erro estratégico, avaliou.
Para o professor italiano, apesar do evidente declínio norte-americano — agravado com a crise atual —, não se deve subestimar a força daquela superpotência mundial, com presença militar em todos os lugares graças à enorme vantagem militar que ela acumulou ao longo da sua história. Segundo Losurdo, outro aspecto que não pode ser subestimado é o seu poderio ideológico, apoiado em um gigantesco sistema de mídia que dissemina pelo mundo seus pontos de vista. Ele comentou o caso das mudanças na América Latina, bombardeadas diuturnamente pelo sistema midiático norte-americano. Para Losurdo, ainda não estão amadurecidas as contradições para se saber qual o real poder dessas mudanças como alternativa às imposições do regime norte-americano.
Dirigentes do PCdoB
Após a entrevista, Losurdo foi recebido por uma comitiva de dirigentes do PCdoB — integrada pelo presidente, Renato Rabelo; por Adalberto Monteiro, secretário de Formação e presidente da Fundação Maurício Grabois; José Reinaldo Carvalho, secretário de Comunicação; Nivaldo Santana, secretário sindical; Ricardo Alemão Abreu, secretário de Relações Internacionais; Ronald Freitas, secretário de Relações Institucionais e Políticas Publicas; Vital Nolasco, secretário de Finanças; e Walter Sorrentino, secretário de Organização — e fez um resumo da sua visão sobre a conjuntura internacional, com destaque para a Europa. Na ocasião, ele atografou um exemplar do seu livro O Pecado Original do Século XX, publicado no Brasil pela Editora Anita/Fundação Maurício Grabois.
Losurdo entrega livro autografado a Renato Rabelo
Renato Rabelo deu as boas-vindas ao professor e apresentou a ele a sede própria do PCdoB — adquirida após a sua última visita ao Partido. Segundo ele, os comunistas brasileiros valorizam a produção teórica de Losurdo, uma contribuição significativa para o desenvolvimento do marxismo-leninismo. Nas condições atuais, afirmou Renato Rabelo, a obra do professor inspira e estimula a compreensão dos fenômenos da atualidade. Por isso, ele é admirado por dirigentes e militantes do PCdoB. A elaboração do professor, destacou o presidente do PCdoB, é um grande aporte para o desenvolvimento do marxismo, condição que faz da sua presença no Brasil um acontecimento de grande importância.
Ricardo Alemão Abreu, tradutor, José Reinaldo Carvalho, Vital Nolasco,
Ronald Freitas, Renato Rabelo, Domênico Losurdo, Walter Sorrentino,
Nivaldo Santana, Adalberto Monterio e Fábio Palácio
Losurdo está no Brasil desde o dia 23 de setembro, para uma longa jornada de atividades que, iniciadas em Santa Catarina e no Paraná, continuam em São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro e na Bahia. Em São Paulo ele pronunciará a conferência Dimensões e Perspectivas da Luta de Classes, nesta quinta–feira e 3 de outubro, às 19 horas, na Câmara Municipal, ocasião em que ocorrerá o lançamento do livro O Pecado Original do Século XX, publicado pela Editora Anita/Fundação Maurício Grabois. Ficará em São Paulo até o dia 3 e pronunciará conferências Na PUC/SP e na Unicamp. Na Bahia, a participará do XVII Congresso da Sociedade Interamericana de Filosofia que ocorrerá a partir de 7 de outubro.
Colaborou Fábio Palácio