Comissão da Verdade: ato das centrais conecta passado e presente

Durante o Ato Sindical Unitário "O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o enfrentamento ao golpe de 64”, que homenageou dirigentes sindicais que lutaram contra a ditadura militar, a advogada Rosa Cardoso, da Comissão Nacional da Verdade (CNV), destacou o papel da Comissão em conectar as lutas do passado com as do presente: “Os jovens de hoje podem olhar para essas lutas que foram realizadas e se identificar com elas porque eles também sabem o que é lutar por uma vida melhor”.


Público de cerca de 300 pessoas presenciou o ato / fotos: Deborah Moreira

O público lotou o auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP), na manhã de terça-feira (1º), no centro da capital paulista, onde ocorreu o ato promovido pelas centrais sindicais e entidades do meio sindical que integram o coletivo de apoio ao grupo de trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical, da CNV.

“Nós precisamos descobrir tudo o que aconteceu. Os aparatos de repressão criados dentro de empresas, que ainda não se desfizeram, principalmente em empresas estatais, que continuam pressionando a classe trabalhadora. Pressionando e aterrorizando a classe trabalhadora. E é preciso desfazer isso”, afirmou Rosa Cardoso durante a abertura do evento, onde fez questão de esclarecer qual o papel do GT na Comissão da Verdade. “Esse grupo de trabalho quer conhecer bem esse passado que tem tudo a ver com o presente. Quando a gente revê as lutas desse passado estamos também refletindo sobre as lutas que estão hoje na rua. Dizem que os jovens são alienados, mas eles estão nas ruas hoje. Sabemos que há entre eles muitos que querem, infelizmente, liquidar o direito de manifestação da sociedade, com práticas criminosas”, completou a professora acadêmica, que durante o período do regime militar defendeu muitos presos políticos.

“Nós entendemos muito claramente que não se trata somente de reconstituir o passado, que uma Comissão da Verdade, um grupo de trabalho como esse pretende não somente revisar o passado mas fazer recomendações para o presente e para o futuro”, destacou ela, referindo-se ao fato de que ao final do trabalho da comissão, todos os GTs divulgarão relatórios com recomendações políticas conectadas com o presente.

Rosa Cardoso fez questão de mandar um recado para quem julga que a Comissão da Verdade é meramente uma investigação que fará apontamentos dos fatos históricos, sendo um grupo “de velhinhos” descolados com o presente, com os movimentos sociais contemporâneos.

“No final do trabalho, vamos fazer uma grande discussão com questões muito atuais para a classe trabalhadora. Então, não somos um grupo de velhinhos saudosistas ou revanchistas, que querem visitar o passado. Essa comissão tem que ter o sentido de lutar por mais democracia, com uma visão do século 21”, concluiu a coordenadora do GT dos trabalhadores na Comissão da Verdade.

Para compor a mesa, foram chamados alguns dos homenageados que integraram o Comando Geral dos Trabalhadores, como Rapahel Martinelli, liderança nacional dos ferroviários e Clodsmidt Riani, hoje com 92 anos. Também fizeram parte da mesa representantes das centrais sindicais como Rogério Nunes, secretário de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); Adi dos Santos Lima, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT); João Carlos Gonçalves Juruna, secretário-geral da Força Sindical; Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT); José Calixto Ramos, presidente da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST); Álvaro Egea, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB); Oswaldo Lourenço, secretário dos Aposentados da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB); e Luis Carlos Prates Mancha, da CSP-Conlutas. Adilson Araújo, recentemente eleito presidente da CTB, fez questão de acompanhar atentamente o ato da plateia.

Durante a atividade, foi distribuído um questionário formulado pelo Coletivo Sindical de Apoio ao Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e às Trabalhadoras e ao Movimento Sindical. “ A ideia é massificar a coleta de testemunhos e fatos com sindicalistas nos sindicatos e entidades do meio. Esse é um instrumento que temos para ampliar a investigação”, explicou Sebastião Lopes Neto, da organização Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas, que atua com memória sindical e integra o grupo de apoio ao GT.

Depoimentos históricos

Clodsmith Riani foi um dos responsáveis por fundar o CGT no estado de Minas Gerais, além de ter sido deputado estadual pelo PTB, entre 1954 e 1964, quando foi cassado, preso e torturado. Após a Anistia voltou à política e se elegeu deputado estadual de novo, pelo PMDB, em 1982. Com certa dificuldade para falar, Riani fez um relato sobre momentos de tensão, antes do golpe, que viveu juntamente com o então presidente João Goulart, com quem tinha uma relação muito próxima. Ele acabou preso durante o golpe, mas logo depois conseguiu ser inocentado após comparecer ao batalhão de Juiz de Fora, cidade onde vive até hoje: "Você vai colaborar conosco? Basta assinar um documento simples, dizendo que Brizola e Jango são comunistas", lembrou Riani, referindo-se às ordens de um militar. "Não assinei, pois eles não eram. Saí da sala e passei por um corredor polonês de militares chutando meus tornozelos", contou Riani aos presentes.

Martinelli e Riani, respectivamente, durante o ato

 
Já Rapahel Martinelli, que contou a história do CGT em um vídeo, exibido durante o ato, fez um discurso logo em seguida ressaltando a importância das comissões da verdade: “Todos os sindicatos deveriam fazer a comissão da verdade. Isso é importante. Esse conjunto nacional é que vai fazer a Justiça acontecer. Quantos companheiros nossos morreram na tortura. É por eles que estamos aqui exercendo nosso papel de patriotas", afirmou Martinelli, que também integra o Fórum dos Presos Políticos de São Paulo. "Se nós pegarmos o programa do CGT, o programa continua o de 64: reforma agrária, reforma do sistema educacional", completou o sindicalista, que fez questão de lembrar que a violência que existe hoje, praticada pela polícia militar, é resquício do período ditatorial do país. "É o único país do mundo que tem polícia militar criada pela ditadura. É a reserva da ditadura", exclamou.

Entre os homenageados está a comunista Ana Martins.

Assista ao depoimento de Martinelli:

Deborah Moreira,
Da Redação do Vermelho