Umberto Martins: Capital estrangeiro e desenvolvimento nacional
Penso que as Teses carecem de uma análise crítica sobre o papel do capital estrangeiro no desenvolvimento nacional e as consequências do processo de desnacionalização da economia brasileira. O pensamento hoje dominante, inclusive em Brasília, considera que se trata de um desdobramento inevitável da globalização e que já não faz mais sentido prático diferenciar capital de propriedade brasileira e capital estrangeiro instalado no país.
Por Umberto Martins*
Publicado 30/09/2013 11:08 | Editado 13/12/2019 03:30
Mas creio que nós, comunistas, não devemos compartilhar este raciocínio falso, olvidando o pensamento crítico que sempre cultivamos sobre o caráter dependente do processo de reprodução do capitalismo brasileiro. A desnacionalização é um fenômeno pouco comentado, investigado e compreendido. Por isto, escapa ao senso comum a sua relação com a baixa taxa de investimentos internos, o aumento do déficit em conta corrente e a desindustrialização.
A expansão do capital estrangeiro se verifica hoje em dia principalmente por meio das operações de fusões e aquisições de empresas. O fenômeno consiste na formação de grandes empresas através da compra de firmas concorrentes. Ganha força nas crises e foi analisado por Karl Marx quando teve início, na segunda metade do século 19. Atualmente se verifica em escala planetária, tendo resultado a partir do século 20 nos monopólios multinacionais e no imperialismo moderno.
As relações íntimas das grandes empresas com os governos imperialistas vieram à tona recentemente no relacionamento promíscuo das gigantes da internet com a Casa Branca na armação da rede internacional de espionagem, que de outra forma não seria possível. O entrelaçamento dos interesses e da expansão dessas multinacionais nas diversas regiões do mundo com a política das potências capitalistas é notória.
As nacionalizações promovidas na Argentina, Bolívia, Venezuela e Equador, assim como algumas renegociações das dívidas externas, ilustram as contradições que marcam o relacionamento dessas corporações com os países da América Latina, que também tem a ver com as intermitentes iniciativas golpistas observadas na região.
A desnacionalização da economia brasileira, que deu um salto no período das privatizações tucanas, avança a passos largos ao longo dos últimos anos. O número de empresas brasileiras adquiridas pelas multinacionais estrangeiras tem crescido ano a ano. De acordo com a empresa de consultoria KPMG foram 1296 entre 2004 e 2008.
Mais da metade do dinheiro que ingressa no Brasil a título de Investimento Direto Externo (IDE) se destina a aquisições e pouco ou nada contribui para o aumento da taxa de investimentos ou a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Parte relevante da indústria de transformação no Brasil pertence a capitalistas estrangeiros e isto pode estar contribuindo para a desindustrialização no Brasil. Mas os impactos negativos da desnacionalização são mais amplos, cabendo aqui destacar seus efeitos sobre o déficit nas transações correntes.
A tese se refere, no parágrafo 145 (1º tema), ao problema do “crescente déficit em transações correntes”, que nos 12 meses encerrados em agosto (quando o balanço de pagamentos como um todo fechou no vermelho) subiu a US$ 80,6 bilhões ou 3,6% do PIB. É certo que as reservas afastam a possibilidade de crise cambial em curto prazo, mas o problema não se resume nisto.
É preciso compreender a natureza do rombo. Ao contrário do que sucede nos EUA, o saldo negativo em conta corrente no Brasil não tem origem no comércio de mercadorias. Decorre basicamente das receitas aqui obtidas pelo capital estrangeiro e remetidas ao exterior, o lucro ou a mais-valia capitalista em suas diferentes modalidades, o que inclui juros. Por isto, sua repercussão sobre a taxa de investimento interno é negativa.
Nota-se um círculo vicioso de causa e efeito no entrelaçamento da desnacionalização, remessas de lucros e déficit em conta corrente. A desnacionalização provoca o crescimento das receitas do capital estrangeiro remetidas ao exterior, especialmente na forma de lucros e dividendos, que é, hoje, a principal causa do déficit em conta corrente. Este, por seu turno, é financiado ampliando o coeficiente de desnacionalização.
Estima-se que as remessas brutas de lucros e dividendos ao exterior entre 2004 e 2011 somaram US$ 404,878 bilhões. O crescimento extraordinário dessas remessas é a contrapartida necessária da desnacionalização e tem a ver também com a crise, que exacerbou as dificuldades das matrizes e as pressões pelo aumento das remessas.
O lucro, conforme notou Marx, é o principal combustível dos investimentos capitalistas, o motor da reprodução ampliada do capital, ou seja, do crescimento da economia sob o capitalismo. Isto é mais notório no Brasil, onde o recurso ao financiamento de longo prazo é restrito, a maioria das empresas depende de recursos próprios para investir e três quartos da poupança privada são constituídos pelos lucros capitalistas, segundo o economista Carlos A. Rocca, do Ibmec.
Disto se deduz que o que o capital-dinheiro que flui ao exterior na forma de lucros e dividendos é poupança nacional líquida. Esta sangria, que é a forma atual da perda internacional denunciada por Leonel Brizola, é uma causa adicional da baixa taxa de investimentos e crescimento. O grave é que tal processo é estimulado pelo governo.
O Brasil, conforme admite Mantega, é um dos raros países do mundo que não tributam as remessas de lucros ao exterior. Isto acontece desde 1995, quando o FHC concedeu o privilégio da isenção às multinacionais. Note-se que nem o regime militar chegou a tanto, embora uma das razões do golpe tenha sido a lei das remessas de lucros assinada por Goulart.
A situação parece outra hoje, mas é sempre bom lembrar que a aparência nem sempre corresponde à essência. As relações entre o capital estrangeiro e o desenvolvimento nacional são contraditórias e a melhor forma de tratá-las não é a das concessões crescentes ditadas pela necessidade de financiamento externo. Este filme, que já vimo antes, não tem final feliz.
É preciso defender uma forte taxação das remessas de lucros para deter a marcha preocupante do déficit em conta corrente e, ao mesmo tempo, elevar o potencial de investimento e crescimento da economia nacional, da mesma forma que é necessário lutar pela aprovação do projeto do nosso bravo camarada Assis de Mello que restabelece o conceito de empresa brasileira de capital nacional, já aprovado na CCJ da Câmara Federal.
*Umberto Martins é membro da Comissão Nacional Sindical do PCdoB.