Votação dos embargos infringentes; o dia da virada do STF

Ao que tudo indica, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vai acolher os embargos infringentes dos réus da Ação Penal 470, abrindo novas discussões sobre as condenações mais polêmicas do julgamento, obtidas por maioria apertada, com pelo menos quatro votos contrários.

Entre elas, a que condenou oito réus – como o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoino (PT-SP) – ao cumprimento de penas superestimadas pelo crime de formação de quadrilha, conforme já denunciou o ministro revisor da ação, Ricardo Lewandowski. 

A sessão desta quarta (11), destinada a discutir a admissibilidade ou não deste tipo de recurso, fechou com placar de 4 votos a 2, favorável aos réus. Votaram pelos infringentes os novatos Luiz Roberto Barroso e Teori Zavasck, além de Rosa Weber e Dias Toffoli. Já o ministro Luiz Fux, como é seu costume, acompanhou o presidente do STF e relator da ação, Joaquim Barbosa, que negou provimento aos recursos em voto proferido na semana passada.

Pelas posições expressas durante os debates, ficou claro que os ministros Celso de Melo e Ricardo Lewandowski formarão a maioria de 6 votos necessárias para acolhimento dos infringentes, os recursos previstos no Regimento interno do STF, editado com força de lei, mas sobre os quais a Lei 8.008, posterior, não faz alusão.

Já os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio se declararam contrários ao recurso. A única incógnita é o voto da ministra Carmem Lúcia que, qualquer que seja ele, não terá força suficiente para mudar o resultado.

Cenários

Nada impede, é fato, que todo este cenário possa mudar de hoje para amanhã. É regra na corte que qualquer ministro possa virar posição enquanto dure o julgamento. Mas os advogados estão confiantes. “Há uma tendência muito nítida ao acolhimento dos embargos infringentes porque, dos ministros que ainda não votaram, pelo menos dois se manifestaram favoráveis ao recurso durante os debates”, observou o advogado Marcelo Leonardo, responsável pela defesa do publicitário Marcos Valério.

O advogado José Luís de Oliveira Lima, que representa o ex-ministro José Dirceu, chegou ao STF bastante pessimista, mas antes do final da sessão já havia até definido o foco do embargo do seu cliente: a condenação por quadrilha, que se deu por 9 X 4, e a dura pena imposta pelo crime, majorada em 73% para garantir que o ex-ministro cumpra pena em regime fechado.

Marcelo Leonardo vai atacar os mesmos pontos nos embargos do cliente, mas admite que o resultado não mudará a situação prática de Marcos Valério. “Na melhor das hipóteses, o tempo de prisão caíra de 40 para 37 anos”, esclareceu. O criminalista sustenta que os infringentes beneficiarão, também, condenados por lavagem de dinheiro, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP).

Fim da “calourada”

Primeiro a votar na sessão desta quarta (11), o mais novo ministro da corte, Luiz Roberto Barroso, quase levou Joaquim Barbosa ao destempero ao refutar, ponto a ponto, o voto que o relator da ação havia apresentado na semana passada. Após apresentar votos e acordos proferidos sobre o tema por quatro ex-ministros da corte (Moreira Alves, Cezar Peluso, Sepúlveda Pertence e Carlos Mário Velloso), ressaltou que todo o posicionamento anterior do STF é pela admissibilidade do recurso.

Barbosa refutou. Outros ministros intervieram. Barroso seguiu firme. Afirmou que, embora seja favorável aos infringentes, admite que há um silêncio da Lei 8.008 que valida a discussão. Mas frisou que não é razoável que isso seja feito em julgamento já em curso. “Seria imprópria uma mudança da regra do jogo quando ele se encontra quase no final. (…) Não há porque sujeitar um processo tão dramático a uma decisão casuísta de última hora”.

Barroso não deixou de responder àqueles que, a exemplo de Barbosa e Gilmar Mendes, defendem que aceitar os embargos é “eternizar o julgamento”. “Temos que virar essa página. À exceção dos onze acusados que ainda podem interpor embargos infringentes, mais ninguém deseja a prorrogação dessa ação. Também estou exausto deste processo, mas penso que eles têm direito. E é para isso que existe uma constituição: para que o desejo de onze não seja atropelado pelo desejo de milhões”.

Teori Zavascki lembrou que a Lei 8.008 também não faz referência aos embargos declaratórios, não só admitidos como já julgados na ação pelo mesmo STF. “Ou vale para tudo ou não vale para nada”, argumentou. O ministro também citou, em favor da admissibilidade, as convenções internacionais, ratificadas pelo Brasil, que preveem o duplo grau de jurisdição como condição indispensável em um estado democrático de direito.

Rosa Weber seguiu o raciocínio dos colegas e apontou que a Lei 8.008 não revogou expressamente os embargos infringentes que, portanto, continuam valendo até que se edite dispositivo legal em contrário.

Luiz Fux repetiu a argumentação de Barbosa. Para ele, não é razoável que o STF admita recursos infringentes, já que os tribunais inferiores não possam fazê-lo. “Ressoa absolutamente ilógico sob qualquer ângulo, que não caibam embargos infringentes nas demais instâncias e caiba no STF”, justificou. “Talvez porque sejamos ministros menos experientes”, ironizou Marco Aurélio. “Ou talvez porque o Supremo de 2014 seja melhor que o Supremo de hoje”, provocou Barbosa.

A votação será retomada na sessão desta quinta (12), a partir das 14 horas. O decano da corte, ministro Celso de Mello, entende que, se o tribunal acatar a admissibilidade dos infringentes, terá que deliberar também se eles serão aceitos apenas quando houver quatro votos divergentes ou mesmo quando for somente um, possibilidade levantada por outros ministros em ações anteriores. A discussão, portanto, pode se prolongar por mais algumas sessões.

Por Najla Passos,
na revista Carta Maior