Brasil, Estados Unidos e o crescimento econômico
A aposta num crescimento no PIB de 4% em 2014 pode se beneficiar de uma aparente retomada da economia mundial, ancorada na expectativa da volta do crescimento nos EUA.
Por José Carlos Ruy
Publicado 29/08/2013 17:42
Os ministros do Planejamento, Miriam Belchior, e da Fazenda, Guido Mantega, estão otimistas em relação a 2014 – é o que mostra a proposta orçamentária de 2014, o último ano de governo da presidenta Dilma Rousseff, divulgada nesta quinta-feira (29).
A proposta, que prevê um crescimento de 4% na economia brasileira, está sendo encaminhado ao Congresso; a previsão é de que a economia brasileira atingirá o patamar de 5,24 trilhões de reais, em valores nominais.
A meta de superávit primário, para o governo federal (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), é de 2,2% (ou 116,1 bilhões de reais); para as empresas estatais a meta é zero; para estados, municípios, e suas empresas estatais, são de 1% do PIB (51,3 bilhões de reais). A soma destas previsões chega ao valor de 167,4 bilhões de reais previstos (3,2% do PIB).
A proposta inclui também a estimativa de abatimento de 58 bilhões de reais no Projeto de Lei Orçamentária Anual do governo federal; isso representa 1,1% do PIB e, com isso, o resultado primário em 2014 pode ficar em 109,4 bilhões de reais, ou 2,1% do PIB.
Para Mantega, as metas orçamentárias e de crescimento do PIB são ambiciosas. O PIB, pensa ele, poderá ser impulsionado também pela previsão de melhora no cenário internacional representada pelos sinais de crescimento apresentados pela economia dos EUA (veja a seguir). Para o ministro, a economia mundial estará “um pouco mais dinâmica” em 2014. “Todo mundo vai poder exportar mais, ter saldos melhores e, com isso, poderemos alcançar 4% de crescimento".
A proposta orçamentária estima ainda que a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), vai ficar em 5%.
Sinais contraditórios nos EUA
A economia dos EUA pode ajudar ao crescimento do PIB no Brasil, e também pode ser um obstáculo. O problema: como há sinais de recuperação econômica nos EUA, o Fed (o banco central de lá) pode reduzir seu programa de estímulo à economia. Se isto ocorrer, poderá haver uma mudança no fluxo internacional de capitais, que poderá voltar-se para os EUA e a previsão de juros mais altos sobre os títulos do tesouro estadunidense.
As dificuldades que esta nova situação pode gerar são conhecidas. A cotação do dólar no Brasil pode disparar, gerando aumento na inflação e dificuldades para novos investimentos necessários ao crescimento econômico.
As notícias são de que a economia estadunidense voltou a cresce, no segundo trimestre, de maneira mais rápida do que se previa. Isso reforça o cenário para que o Federal Reserve (Fed, o banco central de lá), reduza seu programa de estímulo econômico, provocando fuga de capitais nos demais países, inclusive o Brasil, que precisará adotar medidas de defesa de sua economia mais radicais do que aquelas que já foram praticadas.
Os dados divulgados mostram que houve uma queda no número de novos pedidos de auxílio-desemprego nos EUA, resultado da melhoria no emprego; os dados oficiais revelam uma queda nestes pedidos de 6 mil, ficando no total de 331 mil, diz o Departamento do Trabalho, números próximos aos 330 mil registrado desde julho.
Entre abril e junho, o PIB dos EUA bateu na taxa anual de 2,5%, sendo mais do que o dobro maior do que o ocorrido nos três meses anteriores. O governo dos EUA também informou que os dados das empresas varejistas reabasteceram suas prateleiras em um ritmo mais veloz no período de abril a junho do que inicialmente estimado, reforçando as previsões de muitos economistas de que a economia vai crescer ainda mais fortemente no segundo semestre de 2013, quando o peso das medidas de austeridade tomadas pelo governo começarem a pesar menos sobre a produção do país. Há ainda uma esperada melhora no setor imobiliário que, desde a crise de 2007, entrava o crescimento da economia estadunidense. Estes investimentos representaram cerca de um quinto do crescimento da economia durante o período. Mas há outros relatórios oficiais segundo os quais a instabilidade nesse setor pode ter crescido perto do fim do segundo trimestre. E o Fed teve um papel no crescimento das taxas hipotecárias que incidem sobre o crédito imobiliário, elevadas fortemente desde maio em resposta às expectativas de que o banco central dos EUA possa reduzir suas compras de 85 bilhões de dólares ao mês em títulos a partir de setembro.
Há ainda informações de queda nos gastos dos consumidores (eles são mais de dois terços da atividade econômica dos EUA), que baixaram para o ritmo de crescimento de 1,8%, depois de ter aumentado 2,3% no primeiro trimestre. Por outro lado, os lucros das empresas cresceram no segundo trimestre de modo inesperado para os economistas. Descontados os impostos pagos pelas empresas, eles chegaram a uma taxa anual de 4,2%, o maior aumento desde o final de 2011.
Como isso afeta a economia brasileira?
Embora com problemas crescentes, os EUA detém ainda a maior economia do planeta, e é seu principal mercado consumidor. Uma reativação de sua economia pode ter efeitos positivos, e negativos, sobre a economia brasileira.
Um aumento nos juros básicos pode resultar em grandes dificuldades para o Brasil. Foi o que ocorreu em 1979, quando o Fed decidiu enfrentar a crise econômica gestada nos anos anteriores com um choque nos juros no país. As taxas chegaram perto de 20% ao ano, as maiores da história, por decisão do então presidente do banco central, Paul Volcker, em outubro de 1979.
A consequência foi devastadora para países como México ou Brasil, que tinham grandes dívidas externas contraídas quando os juros eram baixos. Aquele aumento esteve na raiz da crise da dívida externa que atravessou as décadas de 1980 e 1990 e das imposições neoliberais feitas pelos países ricos (os EUA em especial) para obter garantia dos países em desenvolvimento do pagamento das dívidas externas (e, principalmente, dos juros decorrentes delas).
Hoje a situação é diferente e o Brasil possui um “colchão” de reservas internacionais que ultrapassam 370 bilhões de dólares. Isso dá ao país maior capacidade para resistir investidas externas semelhantes.
Mas a capacidade dos EUA de espalhar pelo mundo seus próprios problemas econômicos não pode ser desprezada. Foi o que se assistiu nos últimos meses, quando o Fed resolveu criar uma liquidez artificial de dólares inundando o mundo da moeda estadunidense com o objetivo de desvalorizar o dólar artificialmente, provocar a supervalorização de moedas como o real, e outras dos países emergentes e, assim favorecer as exportações dos EUA.
O cenário agora se inverte, tendo como protagonistas os mesmos encrenqueiros: o governo dos EUA e seu banco central. Acenando com a possibilidade de juros mais altos, voltam a inverter o fluxo mundial de capitais para enfrentar dificuldades ainda mais profundas da economia norte-americana.
Se este é o lado negativo, nefasto, de decisões tomadas pelo governo dos EUA, há outra consequência da volta do crescimento que pode ser benéfica. Ele pode estimular a retomada de importações de países como o Brasil, a China (não se pode esquecer a verdadeira simbiose entre as economias da China e dos EUA formada desde a década de 1980), a Índia e demais.
A consequência pode ser uma retomada da economia mundial, com benefícios para os países cujo protagonismo cresceu no cenário mundial desde, sobretudo, a crise de 2007. Esta parece ser a aposta do ministro Guido Mantega.