Renato Rabelo: O PCdoB e a questão do desenvolvimento do Brasil
"A questão do desenvolvimento do Brasil passou a estar no foco das atenções do PCdoB", externou o presidente Nacional do PCdoB, Renato Rabelo, nesta sexta-feira (23), durante participação no Terceiro Congresso Nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Publicado 23/08/2013 15:32
Durante a sua intervenção, o dirigente comunista falou sobre a herança neoliberal e pontuou aspectos como o rentismo e o papel jogado pelas oligarquias financeiras. Além disso, Renato Rabelo apresentou aos mais de 1,5 mil trabalhadores e trabalhadoras o posicionamento do PCdoB diante da questão do desenvolvimento, ressaltando os ganhos até aqui alcançados e os desafios que ainda precisamos enfrentar para colocar o Brasil no curso do desenvolvimento com justiça social e valorização do trabalho.
Leia a íntegra do discurso abaixo:
A vitória das forças progressistas e democráticas em 2002. Qual foi a alternativa do novo governo? Alternativa ao modo neoliberal num sentido amplo: político, econômico e social? Embate onde estão envolvidos poderosos interesses, donde a predominância de uma linha de desenvolvimento pressupõe renhida luta política e ideológica.
Ao participar do novo governo liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, o PCdoB assumiu o compromisso conjunto de responder à problemática do desenvolvimento do Brasil. Até então o papel do Partido se restringia a fazer oposição e denunciar a política econômica do neoliberalismo e seus resultados desastrosos para o país. Na nova situação tratava-se de buscar alternativas concretas ao desenvolvimento do país. Desde então o Partido tem se envolvido cada vez mais profundamente nesta questão. Partimos de um terreno novo para nós, no qual estão em disputa grandes interesses e, portanto, pressupõe renhida luta política e ideológica.
A luta pelo desenvolvimento contemporâneo do Brasil vem de várias décadas – romper com o subdesenvolvimento promovendo a industrialização
A grande polêmica era se o país deveria permanecer como um produtor de mercadorias agrícolas e outros produtos primários ou se deveria se industrializar. Esta última opção acabou por prevalecer, não sem lutas e contestações. Foi o que se deu no período conhecido como Era Vargas que vai de 1930, quando Getúlio Vargas chega ao poder, até os anos 1980 do século passado. Aqui no Brasil chegou a se formular uma teoria, ou uma estratégia de crescimento – para orientar este movimento, chamada de desenvolvimentismo — que teve no economista Celso Furtado seu grande expoente. A essência deste pensamento era romper com o subdesenvolvimento promovendo a industrialização do país. No plano político, os presidentes Vargas e Juscelino Kubitscheck foram os grandes condutores.
Ao fim de cinco décadas o país havia mudado. O Brasil passou a figurar entre os 10 países de maior economia do mundo, com a maior taxa de crescimento médio entre os países do Ocidente. No concerto das nações, o Brasil passou a ser um país de capitalismo medianamente desenvolvido.
Nosso país já contava com um parque industrial relativamente diversificado e complexo onde a indústria energética e a siderurgia jogavam um papel importante. A população passou a ser fundamentalmente urbana e o país integrou-se cada vez mais. O Estado brasileiro foi o maior protagonista deste processo, como regulador, planejador e detentor da propriedade de grandes empresas de energia, de siderurgia, de telecomunicações e de empresas do setor financeiro. Participaram deste esforço a empresa privada nacional (onde se poderiam citar as grandes empreiteiras da construção de infraestrutura) e a empresa privada estrangeira (dominantes em certos setores da indústria de transformação, como a de automóveis, caminhões, indústria farmacêutica etc.). Assim, com este esforço conjunto o país passou a contar, por exemplo, com uma indústria aeronáutica, automobilística, naval e petroquímica e com portos, aeroportos e estradas. O mercado interno se desenvolveu. A burguesia industrial passou a influenciar fortemente o Estado brasileiro.
Década de 1990 – desenvolvimento para beneficiar o rentismo, não a produção. Dominância da oligarquia financeira
O neoliberalismo que se seguiu a este processo, aqui no Brasil como em todo mundo, foi a orientação política e ideológica para sustentar a economia onde predominam as finanças. Os bancos, financeiras, fundos de investimento, especuladores, setores rentistas, enfim todo o “mercado” que vive do capital a juros e não da produção. Karl Marx descreveu este fenômeno no livro III de O Capital que, aliás, voltou a ser amplamente consultado. O crédito, em escala ampliada, tende a gerar rentismo e especulação, com um tipo de capital sem correspondente material, o CAPITAL FICTICIO. Pois bem, este setor passou a predominar na vida econômica e política brasileira durante o período d e Fernando Henrique Cardoso. A influência da todo-poderosa Fiesp foi substituída pela da Febraban. Esta gente não está interessada no desenvolvimento.
O neoliberalismo adotou igualmente uma política macroeconômica para beneficiar o rentismo e não a produção. O famoso tripé neoliberal dos juros altos, câmbio flutuante e pesada arrecadação tributária capaz de gerar grandes superávits para pagar a dívida pública (Condicionando no caso brasileiro uma relação perversa entre alta taxa de juros e cambio relativamente valorizado, resultante de um pacto que leva a um círculo vicioso de combate a inflação, que impede o desenvolvimento rápido e acentuado).
A vitória de Lula em 2002 abre caminho para aplicação de um Novo Plano Nacional de Desenvolvimento.
Desde esta ocasião o PCdoB colocou no centro da sua orientação política a necessidade de um Projeto Nacional de Desenvolvimento para retomar o desenvolvimento nacional. Isto foi ganhando tal importância para o Partido que se resolveu incorporá-la ao Programa Socialista do Partido, sob a forma do caminho a se percorrer para alcançar o objetivo estratégico, o socialismo. Isto se deu por ocasião do 12º Congresso, há quase quatro anos. Ficou conhecida entre nós como Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento ou NPND. Tal projeto concebe o desenvolvimento integralmente, nas suas dimensões política, econômica e social.
O Desenvolvimento como concepção integral tem no crescimento econômico um de seus principais componentes. O Projeto Nacional deve conter, entre outros componentes, uma estratégia de crescimento. Por exemplo, em certos períodos da Era Vargas se adotou a estratégia de substituição das importações para forçar o crescimento da indústria nacional. O crescimento chinês esteve baseado, e ainda está em boa medida, no esforço exportador. O governo Lula, pode-se dizer, teve o desenvolvimento baseado na ampliação e impulso do consumo.
Governos Lula e Dilma começam mudar o país
O Governo Lula, em sua fase inicialem meio a muitas dificuldades, barrou as pretensões da ALCA e estimulou a integração econômica da América do Sul, paralisou as privatizações de empresas essenciais, esboçou uma nova política industrial, facilitou a crédito e estimulou o consumo, elevou persistentemente o salário mínimo, desenvolveu programas emergenciais de combate à pobreza e, finalmente, gerou milhões de empregos formais.
Mais tarde, já sob o advento da crise mundial do sistema capitalista em 2007/08, o Governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (agora conhecido como PAC 1) em 2007 e fortaleceu o sistema financeiro público. Neste aspecto, o destaque ficou por conta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Nos oito anos de Lula a média de crescimento do PIB foi praticamente o dobro daquela do período de FHC.
Já o Governo Dilma, está diante de um quadro bem mais complicado de persistência da crise internacional do sistema capitalista, de pequenas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto – PIB, de taxa média de investimentos relativamente baixa e de retrocessos na indústria de transformação nacional. Para enfrentar este quadro, a Presidenta busca reorientar a política macro econômica de forma mais consequente visando elevar o nível dos investimentos públicos e privados. Para tanto iniciou um processo de redução da taxa básica de juros – o que só foi possível com a corajosa modificação do cálculo dos rendimentos da poupança – tomou medidas para minorar a valorização do câmbio e mesmo flexibilizou em alguma medida a política de superávits primários. Quanto aos investimentos públicos implementou o programa Minha Casa Minha Vida e revitalizou o PAC (agora PAC 2). Visando atrair investimentos privados em patamar mais elevado, lançou um abrangente e mais flexível programa de concessões em infraestrutura, abarcando os portos, rodovias, ferrovias e aeroportos, trem de alta velocidade, energia e petróleo, num montante de US$ 470 bilhões. Têm igual importância para os investimentos a redução dos preços da energia elétrica e as desonerações fiscais.
Alcançamos novo patamar, nova etapa, novas exigências e novas respostas
Nos últimos 10 anos, muita coisa mudou no Brasil. O país afirma sua soberania, avançou na esfera democrática, mais integrado com seus assemelhados, com mais empregos e menos pobres. O desemprego tem as menores taxas históricas. Uma das maiores conquistas econômicas destes 10 anos foi colocar o Brasil na soma de esforços para construir uma perspectiva contra-hegemônica ao imperialismo em escala global, tanto no que diz respeito aos seus vizinhos da América Latina, quanto junto aos BRICs e outros países em desenvolvimento. Agora, por exemplo, está em curso a construção de um Fundo e de um Banco de desenvolvimento no âmbito destes países.
Nessa nova etapa atingida, as manifestações de junho demonstram e colocam na ordem do dia questões relativas a fatores que se acumulam gerando: crise do sistema de representação política, crise urbana das grandes cidades, necessidade de avançar mais rapidamente na universalidade e nível da saúde e da educação. Há exigência crescente de concretizar reformas estruturais e democráticas.
O novo ciclo político aberto por Lula em 2003 — até o governo Dilma — há uma continuidade do esforço para construir um projeto nacional de desenvolvimento. Mas a vida tem demonstrado ser uma luta extremamente difícil e prolongada neste sentido
Entre as causas que podem explicar as dificuldades para o Brasil persistir em ter um crescimento duradouro e rápido, afirmando sua soberania e avançando no progresso social, está:
a) No plano político a formação de uma maioria política relativamente estável que garanta o avanço do projeto nacional com a consecução das reformas básicas;
b) A crise econômica e financeira mundial, que já vai a mais de cinco anos, sobretudo os países ricos, que querem enfrentar a crise em que estão imersos à custa dos países em vias de desenvolvimento;
c) No plano interno uma elite que não se sente representada nesse novo ciclo, que tem forte poder no Estado, na grande mídia, na economia, na alta magistratura, cujo interesse essencial é a venda da soberania do país, e a garantia de seus altos privilégios;
d) Em decorrência dessa situação geral as dificuldades do governo de redirecionar a política macroeconômica para uma nova arrancada para o desenvolvimento.
Avaliamos que a antecipação da campanha presidencial — forçada pelos setores conservadores desde o começo deste ano — contamina o esforço desenvolvimentista. Estas forças conservadoras de oposição, sem alternativa, encontram sua “saída” em minar a confiança do povo na presidenta, espalhando o descrédito e o pessimismo, para forjar um clima de crise de governo, para então justificar a revanche e a sua volta. O PCdoB não cairá neste jogo da direita. Ao contrario, procura demarcar claramente.
Como avançar nesta nova etapa?
A nossa contribuição, de forma resumida, pode ser sintetizada assim: 1) em defender a necessidade de fortalecer a autoridade e a liderança da presidenta da República; 2) compor um novo pacto político capaz de se fazer avançar nas reformas estruturais; 3) a estimular a presidenta Dilma Rousseff a intensificar um dialogo contínuo com os partidos da base aliada, as centrais sindicais e o movimento social e as organizações da sociedade civil; 4) o empenho na construção da unidade das centrais sindicais, do movimento social (alem de suas bandeiras próprias) em torno do avanço do projeto de desenvolvimento nacional, voltado para concretização das reformas estruturais; 5) lutar por uma nova arrancada do desenvolvimento baseada na estratég ia de crescimento que tenha três objetivos centrais: a retomada da industrialização brasileira, a construção de um patamar mais elevado de infraestrutura e um avanço sistêmico da tecnologia e da sua inovação. Além do alcance de uma etapa de educação universal que eleve o nível do saber e do conhecimento da população
Tudo isto requer que o governo tenha um projeto nacional e uma estratégia de crescimento mais definidos, um Estado partícipe ativo do desenvolvimento. Que os trabalhadores ocupem seu imprescindível papel de força motriz das mudanças para o êxito do Projeto Nacional voltado para afirmação da soberania, avanço democrático e do progresso social, desenvolvimento robusto e sustentável e integração solidaria da nossa região, caminho necessário para alcançarmos os objetivos maiores da transição ao socialismo no Brasil.
Renato Rabelo
Presidente do Partido Comunista do Brasil