Escobar: E agora, a mensagem de nossos patrocinadores, sauditas
Ei-lo, o novo faraó egípcio, Pinochet Sisi, em toda sua glória e fausto. Legendas são supérfluas. É o general Abdel Fattel al-Sisi em seu momento Óscar: no discurso de agradecimento aos produtores-patrocinadores. Quando menciona “a Arábia Saudita”, a plateia vai ao delírio. Quando menciona o [rei] “Abdullah”, a plateia vai ao delírio.
Por Pepe Escobar*, no Asia Times
Publicado 22/08/2013 11:31
Que desempenho! Vem aí o filme-biografia. Ele já sonha com Jack Nicholson para encarná-lo nas telas. Observem o risinho autocongratulatório, de quem tem certeza de que enganou legiões de árabes “progressistas” (de esquerdistas seculares a nasseristas), fazendo-os crer que ele defende os interesses do perenemente invocado “povo egípcio”.
Observem a etiqueta “Luta contra o terrorismo” no canto superior esquerdo da telinha. É Sisi encarnado em Dábliu, em modo “Missão Cumprida”. Quem se incomoda de o Egito ter sido reduzido a Estado totalmente (além de ensanguentado) falhado? Quem se incomoda com manchetes dentre as quais não se sabe qual a mais terrível (“Militantes no Sinai executam 25 policiais egípcios” versus “Junta mata por sufocamento 38 detidos numa viatura da Polícia”? Sisi está vencendo a “guerra ao terror”) como nova cabeça da serpente, a serpente que nunca desapareceu.
Fiquem à vontade para banhar-se na glória da serpente. E, como clímax do show, a cabeça anterior da serpente pode deixar a cadeia nas próximas 24 horas. Para delícia da Casa de Saud, que o amava como se fosse um deles, os encantadores de serpentes estão prontos para libertar Hosni Mubarak. “Primavera Árabe”? Pode-se já ouvir a voz da ex-cabeça da serpente. “Não me façam rir”. E ele não rirá. Não, pelo menos, em público. Essa “Primavera Árabe”, essa criação da Google, nunca aconteceu. Podem ir para casa, e fiquem lá. A serpente protegerá vocês e defenderá os interesses do “povo egípcio”. Mas lembrem: se estiver contra nós, você é terrorista. E pegaremos você.
Decidimos nada decidir
Os produtores do épico egípcio estão tão deliciados quanto seu astro. Que grande sucesso de bilheteria. Quem se incomoda por a Poodle-lândia na União Europeia organizar reunião “de emergência” para essa quarta-feira, na qual talvez “suspenda a ajuda” ao Glorioso Sisi? Quem dá bola ao Congresso dos EUA, que talvez siga a mesma via?
Visualize uma tela dividida ao meio, em que se veem as gargalhadas na toca dos produtores em Riad. Para o governo Obama tratou-se sempre de golpe que não é golpe, embora ande como golpe e fale como golpe. Mas aqui não se aplicam imperativos categóricos. O Congresso, pois, está decidindo que não dirá se é golpe ou não é golpe. E o governo Obama está decidindo nada dizer sobre o que talvez decida, só que está “reprogramando” a coisa toda.
Que cheguem ou não cheguem à não decisão, absolutamente não importa aos produtores. O ministro saudita de Relações Exteriores, o eterno Saud al-Faisal, já prometeu que os produtores máster e outros produtores associados do Conselho de Cooperação do Golfo (leia-se Emirados Árabes Unidos) cobrirão com alegria a ajuda que outros davam e podem dar o dobro, se a gloriosa cabeça Sisi da serpente vier a perder a supracitada ajuda.
O New York Times esforçou-se muito para dar a impressão de que Washington trabalhou ativamente sobre o glorioso Sisi (e os produtores), para que não dessem o golpe que não é golpe. É piada (vejam a outra imagem, na outra metade da tela, de Riad). A única parte que se aproveita da matéria é que a Casa de Saud, os Emirados Árabes Unidos e Israel freneticamente incitaram, apoiaram e ‘lobbyaram’ a favor do golpe que não é golpe. Asia Times Online já noticiou.
Ooops! Israel? O glorioso Sisi não poderá de modo algum agradecer a esse específico produtor, no discurso, quando receber o Óscar. Como justificar ante a rua árabe – que agora somos servos dos que ocupam a Palestina? Aos israelenses, absolutamente não importa: Sisi é “dos nossos” [dos deles]; estão sempre “em contato íntimo”; e Sisi nada fará para cancelar os acordos de Camp David.
Sunny, a gente adora você
O governo Obama terceirizou sua política para o Oriente Médio: entregou-a à Casa de Saud por sua conta e risco. O que o rei (A volta dos mortos vivos) Abdullah diz é e vale. De fato, o que vale e é o que diz o espetacularmente ressuscitado Bandar (A volta do espião invisível) bin Sultan, também conhecido como Bandar Bush. A beleza do golpe que não é golpe e do discurso de Sisi ao receber o Óscar é que Bandar, exímio praticante de artes obscuríssimas, não é sequer mencionado.
Pois fato é que Bandar Bush, que não conseguiu o que queria na Síria em recente reunião de quatro horas com o presidente Vladimir Putin, conseguiu o que queria no Egito. Putin, que joga xadrez, viu a abertura: a Fraternidade Muçulmana é anátema para a Casa de Saud, tanto quanto para o Kremlin. E, se não há mais “ajuda” dos EUA, quer dizer: já não há dinheiro dos EUA para que a junta de Sisi compre armas dos EUA, já nada impede que a indústria russa de armamentos entre aí, nesse vácuo.
Nada disso, é claro, fará desaparecer a tragédia síria: durante o Ramadã, Bandar Bush organizou a venda silenciosa a Israel de pelos menos US$ 50 milhões em armas, que foram imediatamente despachadas para a rede difusa de gangues salafistas-jihadistas-mercenários patrocinada pela Casa de Saud. E isso depois de Bandar Bush ter conseguido armar o governo Obama para ver-se livre dos cataris, que pagavam as contas da Fraternidade Muçulmana no Egito.
Bandar está numa roda viva. Agora, é o encarregado de uma extremamente ambiciosa “jihad total”, estratégia de três braços na Síria, Iraque e Líbano, manipulando o mesmo velho cavalo de ferro da Casa de Saud, de ódio sectário, jogar sunitas contra os “apóstatas” xiitas, com pesada ênfase em terríveis carros-bomba em áreas civis, como viu-se recentemente na explosão em Zahiyeh, subúrbio ao sul de Beirute.
Mas essa é franquia de longo prazo, com muitas sequelas armazenadas. Por hora, é campeão de bilheteria no Egito. Mas pode haver pedras no caminho. O movimento Tamarod (que coletou os 22 milhões de assinaturas que levaram às manifestações de massa que abriram caminho para o golpe que não é golpe) está exigindo não só o cancelamento de toda “ajuda” norte-americana, mas também o fim dos acordos de Camp David.
É outra bomba, o coração da matéria, no que tenha a ver com EUA/Israel. E se o Tamarod der jeito de coletar 22 milhões de assinaturas (ou mais), nada improvável, se se considera que a maioria absoluta dos egípcios abomina a “paz” com Israel? O glorioso Sisi terá coragem de desagradar os produtores israelenses? Bandar dar-lhe-á luz verde? O governo Obama implantará uma zona aérea de exclusão sobre o Cairo?
Enquanto em todo o mundo milhões apertam os cintos preparando-se para tempestades que se formam no horizonte, vem a notícia da Casa Branca que, essa sim, nos tranquiliza. O lar dos Obama foi enriquecido com a chegada de um cachorrinho chamado Sunny.
É fechar os olhos e ver a cena: a família reunida para o jantar, cantando a uma só voz: “Os dias escuros se foram. Chegaram os dias de sol/nosso Sunny brilha tão sincero”. Corta. Câmera em Sisi/Jack Nicholson, no auge da glória: “Johnny chegooooooooooooou!"
*Pepe Escobar é um jornalista investigativo e correspondente do Asia Times
Fonte: Asia Times Online