Eric Nepomuceno: O Paraguai, pobre Paraguai…
Ninguém sabe até que ponto Horacio Cartes contará com apoio político interno. Sua trajetória política é nula. Virou candidato porque soube injetar dinheiro no Partido Colorado e vender a imagem do empreendedor eficaz. Já avisou que vai rever as políticas de transferência de renda tentadas por Lugo. E que vai conter gastos públicos.
Por Eric Nepomuceno, na Carta Maior
Publicado 20/08/2013 15:43
Com Federico Franco, o Partido Liberal chegou ao poder no Paraguai pela primeira vez em 60 anos. Foi uma passagem relativamente rápida: durou de junho de 2012 a agosto de 2013.
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Antes daquele junho, Franco era vice-presidente de Fernando Lugo. Em conluio com o Partido Colorado – este sim, com vasta quilometragem no poder: 60 anos, inclusive os 44 da sangrenta ditadura de Alfredo Stroessner –, foi dado um golpe parlamentar contra o presidente constitucionalmente constituído. Lugo caiu e seu vice assumiu. Só assim o Partido Liberal conseguiu chegar ao poder. A breve presidência de Franco, um fulaninho falastrão e ranzinza, não deixaria outra memória além da maneira espúria como chegou ao poder.
Talvez por ter consciência disso, ele resolveu, como uma de suas últimas medidas, criar um museu de seu governo. Ou seja, um museu em sua própria homenagem.
O museu ainda não existe, é claro. Mas quando – e se – existir, o mundo poderá ver a história do agora já ex-presidente, sua trajetória, seus discursos, suas fotografias e um sem-fim de outras pompas. Faltou, claro, perguntar se alguém estará interessado nessa farofada.
Durante sua presidência, e até a posse do sucessor, Horacio Cartes, o Paraguai foi suspenso do Mercosul e da Unasul, a União das Nações Latino-americanas. Nesse tempo, Franco ameaçou, reclamou, bateu o pé, decidiu dizer (ninguém deu ouvido algum a ele) que o Paraguai não deve mais nada ao Brasil pela construção de Itaipu, e para completar a mixórdia toda deixou um rombo do tamanho do universo.
No dia 15 de agosto, quando seu sucessor tomou posse, fazia tempo que aposentados, funcionários e fornecedores do governo estavam a ver navios. Franco deixou um rombo de mais de 400 milhões de dólares. Há quem assegure que a dívida total é de muito mais: estaria beirando o bilhão.
O sucessor do presidente espúrio chama-se Horácio Cartes e foi eleito em abril de 2013. Assumiu, com ares solenes, na quinta-feira 15 de agosto. Na plateia estavam as presidentas da Argentina, Cristina Kirchner, e do Brasil, Dilma Rousseff, José Mujica, do Uruguai, e Ollanta Humala, que além de presidir o Peru preside também a Unasul. Cartes, antes da posse, recebeu Dilma em sua residência particular.
O novo presidente paraguaio é uma figura – digamos – polêmica. Está sendo investigado nos Estados Unidos por suspeita de lavar dinheiro do narcotráfico. Foi investigado aqui no Brasil por suspeita de fazer contrabando de cigarros.
É dono de uma fortuna. Jamais havia feito política até 2008. Assume, mais que a presidência de um país, um verdadeiro rabo de foguete.
Com ele, o Paraguai deverá voltar a fazer parte integral e formal tanto do Mercosul como da Unasul. O Senado paraguaio sempre rejeitou, de todas as formas, que a Venezuela passasse a integrar o Mercosul. Enquanto o Paraguai estava suspenso os outros três sócios do bloco – Argentina, Brasil e Uruguai – aprovaram o ingresso da Venezuela, na condição de sócio pleno.
Para voltar ao Mercosul, o Paraguai vai esperar até janeiro. É que até lá a presidência rotativa está ocupada justamente pela Venezuela.
Nesse meio tempo, os outros sócios, a começar pelo Brasil, que se preparem. Vão sobrar pedidos e pressões, chantagens e ameaças.
Já se falou, no Paraguai, da necessidade de analisar aspectos jurídicos da entrada da Venezuela com a mesma soltura com que se mencionou o direito paraguaio a reivindicar compensações financeiras pelo tempo da suspensão. O próprio Cartes já disse que quer ser autorizado a realizar acordos comerciais com outros países que não integram o Mercosul, indo contra a resolução que exige consenso entre os países-membros para negociações fora do bloco.
Cartes diz que quer mais investimentos brasileiros, especialmente na indústria. Insinua que está disposto a grandes concessões com tal de atrair investidores. Na plateia da cerimônia de sua posse havia gordos punhados de gordos empresários.
No dia seguinte Cartes se reuniu, num café da manhã insosso, com 450 empresários, dos quais 150 eram estrangeiros. O Paraguai está isolado ou quase, e ele quer reverter esse quadro.
A economia do país vai bem, obrigado. Deve crescer uns 12% este ano. Os paraguaios, por sua vez, vão mal como sempre. Cerca de 42% deles vivem na pobreza mais dura. O Paraguai virou uma potência dos agronegócios. É o terceiro exportador de carne da América do Sul (perde só para o Brasil e o Uruguai, passou a Argentina) e é o quarto maior exportador de soja do mundo. Mas 18% dos paraguaios não conseguem consumir as quantidades mínimas de calorias e proteínas diárias determinadas pelos organismos internacionais e vivem, portanto, em situação de miséria e exclusão social.
Quase 80% das terras cultiváveis estão nas mãos de 1% dos proprietários rurais do país. A desigualdade é crônica na Paraguai, e só é combatida nos discursos pomposos e vãos.
Ninguém sabe até que ponto Cartes contará com apoio político interno. É bem verdade que com ele o Partido Colorado volta ao poder, após o breve interlúdio de Fernando Lugo e, depois, de Federico Franco. Mas também é verdade que Cartes tem trajetória política nula. Virou candidato porque soube injetar dinheiro no Partido Colorado e vender a imagem do empreendedor eficaz.
Já avisou que vai rever as políticas de transferência de renda tentadas por Lugo. Avisou que vai conter gastos públicos. Avisou que vai aumentar os impostos sobre as exportações. Avisou que quer reatar as relações comerciais com o Brasil e a Argentina. Avisou um monte de coisas.
Resta agora saber se vale o velho ditado que reza que quem avisa, amigo é. Resta saber se vai fazer o que diz e, principalmente, como fará.
Um dato incômodo deve servir de alerta aos vizinhos: ao anunciar um gabinete ‘essencialmente técnico’, Horacio Cartes quis deixar claro a paraguaios e vizinhos que essa será a linha de seu governo.
Pois bem: para chanceler, ele escolheu um veterano e experiente diplomata aposentado, Eladio Loyzaga, advogado especialista em comércio internacional e ex-deputado.
Acima de tudo, Loyzaga é conhecido por ter participado com destaque, nos anos 1960 e 70, de uma chamada Liga Anticomunista Mundial e ter colaborado ativamente com a famigerada Operação Condor, que agiu na América do Sul sequestrando e assassinando militantes de oposição durante as ditaduras militares mais recentes.
É uma figura nefasta. Se esse é o critério técnico de Cartes, melhor se preparar para tempos difíceis, muito difíceis, com esse vizinho sempre difícil.
*É jornalista