Théa Rodrigues: O dia que a Lei de Godwin atrapalhou Fidel
Traduzi nesta semana o mais recente artigo escrito por Fidel Castro, na ocasião de seu 87º aniversário. No texto publicado pelo jornal cubano Granma, sob o título “As verdades objetivas e os sonhos”, no alto de sua lucidez e modéstia, o comandante faz um resgate de episódios importantes da história mundial.
Por Théa Rodrigues, da redação do Vermelho
Publicado 17/08/2013 09:27
Fidel descreve sua relação com a URSS e diz ter vivido “um momento amargo” com os soviéticos, quando Nikita Khrushchev insistiu para que Cuba tivesse “alguma arma que persuadisse os agressores” estadunidenses, mesmo quando não interessava para o país aparecer como “depósito de foguetes da União Soviética”. Disse a Khrushchev que só o faria se houvesse a necessidade imprescindível de defender o socialismo. E o fez, por serem todos revolucionários.
O líder histórico da Revolução Cubana reconhece todo o tipo de ajuda que recebeu dos soviéticos, inclusive depois de Khrushchev, com Brezhnev e, posteriormente, com Andrópov. Ele conta também que, depois de 1982, decidiu pedir armas a “outros amigos” e, na época, o coreano Kim II Sung enviou 100 mil fuzis de graça para Cuba se proteger dos invasores norte-americanos, comandados por Kennedy.
A aula de história de Fidel continua com o assassinato de Kennedy e a narrativa do momento em que recebeu a notícia, ao lado de um jornalista francês que tinha sido incitado pelo mandatário dos EUA a perguntar para ele sobre “o perigo do momento” que viviam.
Ele descreve com maestria os detalhes daquilo que viveu com afinco. Inclusive, chega a pedir que o leitor o desculpe por qualquer “imprecisão”. Está desculpado, camarada.
Em seu passeio pelas lembranças, Fidel fala sobre o dia em que adoeceu (26 de julho de 2006). Na ocasião, ele havia prometido fazer a revisão do livro “Cem Horas com Fidel”, escrito a partir da compilação de várias entrevistas feitas pelo jornalista Ignacio Ramonet.
“Estava deitado, temia perder a consciência enquanto ditava e às vezes adormecia”, conta ele sobre o seu esforço para concluir a tarefa. “Persisti até o fim”, diz. Fidel ainda comemora: “Estava longe de imaginar que minha vida se prolongaria por mais sete anos”.
Outro momento bastante destacado pela imprensa em geral, foi o carinho com o qual falou de Hugo Chávez: “O melhor amigo que tive nos meus anos de político ativo”. Dos quase 20 mil caracteres do texto, as mais emotivas palavras lamentam a morte do líder da Revolução Bolivariana, “homem de ação e ideias, que foi surpreendido por uma doença sumamente agressiva que fez sofrer familiares, amigos e o próprio, mas que ele enfrentou com dignidade”, lembrou.
No dia do aniversário de Fidel (13 de agosto), o Vermelho publicou algumas matérias em homenagem ao “maior dos latino-americanos”, como fez questão de ressaltar o editor do portal, José Reinaldo Carvalho, ao saudá-lo através da Rádio Vermelho. Ainda neste sentido, publicamos um texto com opiniões de vários líderes políticos sobre o comandante.
Esta última foi replicada por uma companheira de trabalho em sua rede social e sofreu um bombardeio de criticas negativas, não pelo texto – que foi muito bem redigido –, mas por questões ideológicas.
Um cidadão escreveu um comentário cínico no link: “vamos celebrar ditadores!”. Ele iniciou então um debate com argumentos falhos, que foram facilmente contrapostos por alguns mais conscientes da importância histórica e política de Fidel Castro.
“Talvez a esquerda esteja celebrando um líder que derrubou um tirano do poder, talvez a esquerda celebre um país que resiste a um embargo econômico criminoso imposto pela maior potência militar do globo e que fica a uma distância de 140 km distância do território cubano”, isso para citar apenas uma das respostas dadas ao infeliz comentário anterior.
Engraçado que, posteriormente, o próprio comandante comentaria algo parecido em seu texto de reflexão: “Depois de uma profunda crise que atingiu a União Soviética, dias críticos não demoraram a chegar à nossa pátria, localizada a 90 milhas do território continental dos Estados Unidos. Em 1º de janeiro de 1959, o nosso país assumiu o comando do seu próprio destino, após 402 anos de domínio colonial espanhol e 59 anos como neocolônia. Já não existíamos como indígenas que não falam o mesmo idioma; éramos uma mistura de brancos, negros e índios; integrávamos uma nova nação, com suas virtudes e seus defeitos, assim como todas as outras”.
Passado esse momento de discussão sobre o irrevogável legado de Fidel Castro, no dia seguinte, compartilhei a tradução de “As verdades objetivas e os sonhos” na minha própria rede social. E, por coincidência (ou não), me deparei com um posicionamento idêntico ao do primeiro cidadão mencionado.
“Assassino da liberdade, genocida”, comentou o segundo cidadão, referindo-se ao ex-presidente cubano. Rebati lembrando que Fidel, certa vez convocou uma assembleia popular, desde as comunas de bairro até o parlamento, que contou com intervenções de mais de 3 milhões de pessoas – “assassino da liberdade”?
No vai-e-vem de acusações, este rapaz chegou a compará-lo com Hitler, dizendo que meu argumento era inválido. A discussão tornou-se impossível depois disso. Eis que chegamos à Lei de Godwin, também chamada de “A Regra das analogias Nazistas de Godwin”.
Segundo uma afirmação feita pelo advogado americano Mike Godwin, em 1990, “À medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou nazismo aproxima-se de 1%”.
De acordo com essa lei, em listas de discussões e fóruns de internet, quanto tal comparação é feita, significa que quem mencionou os nazistas ou Hitler ficou sem argumentos. A comparação seria, portanto, uma maneira de manipular as emoções por meio de um ataque ad hominen contra o objeto de manipulação.
Ficou evidente em ambos os casos de debate, que faltam argumentos para esse tipo de pensamento contrário à Revolução Cubana e seu líder. E isso é mais comum do que se imagina. O texto de Fidel é um documento histórico, independente da ideologia política. Se lido sem os preconceitos impostos pode ser entendido como um resgate da contemporaneidade, acima de qualquer coisa. Assim se constrói o conhecimento, com informações baseadas na verdade. Infelizmente, nem o primeiro, nem o segundo cidadãos conseguiram desprender-se dos seus para dedicar-se a essa leitura.