Paraguai de Cartes será um entrave à integração, diz Frente Guasu

É cedo para definir quais serão os caminhos do novo presidente do Paraguai, Horácio Cartes, que tomará posse nesta quinta-feira (15), mas algumas linhas estão claras, como sua aproximação com setores historicamente privilegiados, recrudescimento da política contra os trabalhadores, alinhamento com os Estados Unidos e seu caráter anti-integracionista, como define, em entrevista ao Portal Vermelho, o Secretário Geral da Frente Guasu, Aníbal Carrillo.

Por Vanessa Silva, no Portal Vermelho

Desafio da esquerda paraguaia é avançar na conscientização das pessoas sobre o atual momento paraguaio/ Foto: ABC Color

Carrillo foi o candidato da Frente de esquerda nas eleições de abril, após o golpe parlamentar que destituiu o ex-presidente Fernando Lugo do poder em uma aliança entre os partidos Colorado e Liberal, com a intenção de frear o processo de inclusão econômica e crescente participação cidadã nas mudanças que, ainda que timidamente, estavam sendo desenvolvidas no país.


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A Frente Guasu contesta também o resultado eleitoral. Segundo nota divulgada pelo grupo nesta quarta-feira (14), as eleições de abril deste ano não foram realizadas de maneira livre e em “igualdade de condições”. A nota também denuncia que Cartes representa uma continuidade do pacto golpista de 22 de junho de 2012 “assegurando a festa libero-oviedista do saque de grande escala do Estado paraguaio” que tem como objetivo “ampliar os privilégios de uma minoria contra a maioria trabalhadora e sacrificada, um plano que está enraizado em todo tipo de atividades ilícitas que vão desde o contrabando, passam pela posse ilegal de terras destinadas por lei aos camponeses pobres e terminam em uma diversidade de tráficos como tabaco, drogas, armas e veículos”.

Neste contexto de incertezas, e de ascensão do conservadorismo no país, o médico Aníbal Carrillo, em conversa com o Portal Vermelho, pontuou quais são os principais desafios da esquerda no país nos próximos cinco anos e ressaltou o caráter anti-integracionista do novo governo comandado por Horácio Cartes.

Portal Vermelho: O que podemos esperar do governo Cartes?
Aníbal Carrillo: Consideramos que este é um governo que representa fundamentalmente os setores econômicos dominantes no Paraguai. São os que atuaram unidos no golpe parlamentar de 2012 e continuaram unidos. Então neste panorama de governantes que correspondem claramente aos interesses da oligarquia mesquinha, que está representada politicamente pela aliança colorado-liberal, temos que esperar várias coisas: em primeiro lugar, o rechaço a uma política de integração latino-americana e de unidade dos povos e nações. Em segundo, uma submissão direta ao império do norte. Terceiro, uma política econômica extrativa com a ratificação do modelo agropecuário e quiçá, a incorporação de indústrias para abastecer parte das necessidades regionais de Argentina e Brasil. E, por último, uma política de cortes sociais que, como foi anunciado reiteradas vezes, terá por objetivo castigar setores mais pobres e desprotegidos de nosso país.

Neste cenário, quais são os desafios da esquerda paraguaia?
Será avançar no nível de conscientização dos paraguaios para que entendam com clareza o que significa este projeto político em sua vida cotidiana. Este é um desafio comunicacional. Além disso, temos também que unir setores sociais importantes que têm diferentes graus de consciência com reivindicações particulares e que devem se reunir em uma plataforma e projeto político comum. A Frente Guasu deve ser um instrumento político eleitoral de unidade, confrontação a projetos contrários à maioria e com capacidade de disputar o poder político.

A Frente Guasú tem 5 senadores, um deputado e um parlamentar. Como aumentar esta força política e qual será o pepel de Lugo como senador?
O desafio de Lugo não é particular, mas de todos que estamos neste projeto político de avançar neste caminho. O parlamento tem que ser um instrumento para esclarecer, gerar consciência e demonstrar a natureza oligárquica do poder político no país e sua natureza conservadora, anti-integracionista. Tanto Lugo quanto os demais parlamentares terão um papel fundamental na atuação como professores e pedagogos para esclarecer a problemática paraguaia e suas conexões às pessoas, atuando próximos a elas para não cair na armadilha de uma gestão política centrada no parlamentarismo, onde o povo não tenha espaço. É uma obrigação da Frente Guasu levar as vozes do povo para o parlamento, mas não com a esperança que este parlamento se transforme ou mude, mas com a esperança que seja gerada consciência e melhoria das condições para retornarmos ao governo.

A nota divulgada pela Frente Guasu diz que este governo ameaça dos trabalhadores. Em que sentido se dá esta perseguição?
Cartes já falou que a organização dos trabalhadores é um elemento negativo. Entendemos que um sistema baseado na exploração dos trabalhadores requer a falta de sindicalização. Nenhuma de suas empresas tem sindicato organizado. Então, ele vai querer manter esta mesma “tranquilidade” que dizem ter os empresários que trabalham no Paraguai, sejam nacionais ou estrangeiros, ao invés de proteger a classe trabalhadora sem capacidade de defender seus direitos.

E quanto ao Mercosul, como este governo deverá proceder?
Os primeiros sinais chamam a atenção. O governo paraguaio prefere a bilateralidade, como expressou seu chanceler, demonstrando que desconhece a realidade do Mercosul e não vai priorizá-lo. Então, penso que este governo será um obstáculo à integração de Mercosul. Mas ao mesmo tempo, seguirá obtendo algum tipo de vantagens com as relações bilaterais. Não é possível pensar em um isolamento. O governo paraguaio terá que encarar os múltiplos temas de agenda que temos com Brasil e Argentina sem os incorporar em uma relação multilateral, mas bilateral, o que o converterá em um obstáculo à integração latino-americana.

Assim, a Aliança do Pacífico é um caminho natural para o Paraguai?
Do ponto de vista ideológico, o Paraguai de hoje tem uma maior adesão [à Aliança do Pacífico]. Mas para que isso se converta em uma realidade econômica será necessário muito tempo. Penso que é mais retórica política porque a vida prática do Paraguai requer fundamentalmente os países do Mercosul.