"Lula e eu somos indissociáveis", diz Dilma em entrevista à Folha
Generosa em discursos públicos, mas sovina em relação a entrevistas à mídia, a presidenta Dilma Rousseff nada perdeu, ao contrário, ao falar por quase três horas com a jornalista Mônica Bergamo. O conteúdo do encontro estampou a primeira página do jornal Folha de S. Paulo no domingo 28 sob o título 'Lula não vai voltar porque ele nunca saiu', afirma Dilma.
Publicado 29/07/2013 14:29
Sem contar, sobre Lula, nenhuma novidade – "Querida, olha, vou te falar uma coisa: Lula e eu somos indissociáveis" -, a presidente irritou seus críticos ao enfrentar o mito da lealdade entre os políticos. Dos que orbitam, no PSDB, sob a influência do chefe partidário Fernando Henrique Cardoso, aos que pautam seus movimentos pelos passos do governador Eduardo Campos, do PSB, alcançando os fiéis seguidores de Marina Silva, do Rede Solidariedade. Por que cada um que tem seu líder e modelo tem dificuldade em aceitar que Dilma também tenha, ela própria, um político referencial?
Num país que se acostumou a ver criaturas políticas procurando devorar seus criadores, causa espécie Dilma agir de maneira leal com o ex-presidente. Mas, a não ser pelos interesses político-eleitorais, essa atitude de entendimento com o antecessor deveria ser comemorada. Afinal, a presidente elegeu-se pela mão de Lula e, uma vez no poder, não faz como outros tantos que na primeira chance renegam até mesmo o passado recente em nome de autonomia e independência, os nomes mais bonitos para o que também se poderia chamar de ingratidão e traição.
FHC rejeitou aproximação
Se ainda precisasse explicar mais suas ligações com Lula, Dilma poderia argumentar que, do ponto de vista institucional, com ex-presidentes, ela procurou formalmente o ex-presidente Fernando Henrique. A ele, até mesmo dirigiu carta escrita de próprio punho, com elogios à sua gestão, e muito comemorada pela oposição. Porém, em lugar de uma postura de união nacional, FH preferiu manter-se em sua casamata da qual desfere ora ironias, ora críticas sem humor ao governo. O que restaria a Dilma, então, isolar-se ou manter acesa a chama de seu histórico relacionamento com Lula? A resposta é óbvia.
Sem meias palavras em relação a todos os temas levantados pela entrevistadora, Dilma foi definitiva ao lembrar que, graças a internet, pode-se despachar várias vezes ao dia, mesmo à distância, com diferentes ministros. A presidenta já foi muito criticada por meio da contagem de seus encontros pessoais com alguns integrantes do primeiro escalão, mas o argumento que ela apresentou é, sem dúvida, bastantante razoável – e, nestes tempos de cobrança por economia, até coerente.
"Eu acho fantástico, nesse mundo de mídias, vocês acharem que o despacho seja apenas presidencial".
Pauta da oposição
A presidenta mostrou que não vai ceder frente aos reclamos sobre redução no número de ministérios. Estes vem, especialmente, da oposição. Dilma diz que não vê economia nesse gesto potencial, acrescentando que os primeiros ministérios a serem reduzidos seriam os de pequena estrutura, mas socialmente importantes, como da Igualdade Racial, de Diretos Humanos e Política para as Mulheres. Por sinal, ministérios que tiveram indicação de titulares por ela própria, e não por circunstâncias de alianças partidárias (de resto, o mesmo que acontece em qualquer grande democracia do mundo).
Quando demonstra, claramente, que não vai reduzir, pelos ministérios, o tamanho do governo, mas, ao mesmo tempo, ordena um corte de R$ 10 bilhões no Orçamento, a presidente demonstra que não está aceitando a pauta que a oposição tenta lhe impor. Dilma se mostra firme, em plena autoridade. Uma postura que não corresponde às avaliações, primeiro de José Serra, e depois de Aécio Neves, de que a gestão dela vai acabando antes da hora, como as dos presidente João Goulart e Fernando Collor (exemplos citados diretamente por Serra em teleconferência na semana passada).
Parece estar sepultada, após a entrevista a Monica Bergamo (fotografada por Marlene Bergamo), ao menos pelos próximos dias, a constante boataria sobre a derrubada do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que "está onde sempre esteve".
Comparação demolidora
Para demonstrar sua confiança nos resultados que Mantega vem alcançando com a política econômica, Dilma citou a geração, nos 30 meses de seu governo até aqui, de 4,4 milhões de empregos formais – lembrando, em contrapartida, que FHC, em quatro anos, abriu menos de 825 mil novas vagas de trabalho. Além disso, citou o IPC-15 mostra, para julho, uma prévia de 0,07%. "Tá?", perguntou a presidente. "Ela (a inflação) é cadente, assim ó (apontando para baixo).
Entre outros pontos importantes, um especialmente deve estar, agora e para o futuro, incomodando os barões da mídia tradicional. Em apenas uma frase, a presidenta mostrou qual é seu modelo de regulação da mídia, muito mais para o que acontece nos Estados Unidos (onde, por exemplo, as redes de tevês pagam mais impostos à medida em que detém mais audiência, e a propriedade cruzada de meios de comunicação é tolhida de várias maneiras) do que para o que ocorre, digamos, em Cuba.
"Vou te dizer o seguinte: não sou a favor da regulação do conteúdo. Sou a favor da regulação do negócio".
Ao adiantar que, "em algum momento", pode tomar a iniciativa de mexer nos ganhos das empresas de comunicação agigantadas, mas garantido-lhes a sagrada liberdade de expressão, Dilma, sem medo de novas críticas, mostrou uma coragem bastante saudável para um governante de um país historicamente regulado, ele sim, pelos ditames da mídia tradicional.
Fonte: Brasil 247