Lucrando com a guerra: O comércio de armas israelense
Um “laboratório” é um lugar onde cientistas conduzem experimentos sob condições monitoradas (um espaço onde fenômenos de larga escala, como furacões, são miniaturizados e objetos minúsculos, como micróbios, são expandidos para observar-se os processos complexos e aprender-se como controlá-los.
Por Eilat Maoz*
Publicado 27/07/2013 16:27
Um laboratório é onde o mundo é dividido em fenômenos previsíveis e objetos observáveis. Onde o conhecimento é criado e depois disseminado, tornando o mundo mais compreensível e melhor organizado, através das lentes do conhecimento que acumulamos sobre ele.
O novo filme de Yotam Feldman, “The Lab,” (O Laboratório) apresenta-nos aos homens que transformaram os Territórios Palestinos Ocupados no maior e mais avançado laboratório de testes para armamentos: comerciantes de armas e seus produtores, especialistas em defesa e líderes industriais.
Apesar do impulso para a comparação deste com outros documentários israelenses que têm exibido recentemente a vida secreta das pessoas que gerem a ocupação (como “The Law in These Parts”, ou “A Lei Por Aqui”, e “The Gatekeepers”, ou “Os Guardiões”), “O Laboratório” é, acima de tudo, um filme sobre conhecimento. Conhecimento securitário criado na zona flexibilizada entre duas dimensões separadas por uma linha muito embaçada: o mercado e o Exército.
No primeiro plote, “O Laboratório” segue a afirmação de Naomi Klein de que a principal razão da prosperidade econômica de Israel em tempos de instabilidade política e crise global está não em um capital humano fenomenal, que permita ao país escapar facilmente das repercussões econômicas negativas, mas sim da continuação dos conflitos regionais.
No seu “Doutrina do Choque” (“The Shock Doctrine”), ela mostra que a maior parte do crescimento econômico de Israel pode ser atribuída à imensa indústria da Defesa, que se tornou a principal indústria de exportação de Israel, especialmente após o 11 de Setembro (em 2012, Israel ficou em 6º lugar entre os maiores exportadores de armas do mundo).
Naomi também afirma que a Cisjordânia e a Faixa de Gaza não são apenas as maiores prisões a céu aberto do mundo, mas também os maiores laboratórios do planeta, onde “os palestinos não são mais apenas alvos”, mas também ratos de laboratório.
Para Feldman, recentes campanhas militares, como a Operação Chumbo Fundido (“Operation Cast Lead”, entre 2008 e 2009), ilustram a natureza transformada da guerra: de um distúrbio temporário envolvendo danos à vida e à propriedade, a um estado das coisas fixo e rentável. Assim, o filme soma-se a outras vozes que buscam avaliar os lucros derivados da ocupação, e não os supostos custos à sociedade israelense.
O real poder do filme é revelado, entretanto, não quando exibe eventos restritos e “apenas para convidados”, para confrontar os beneficiários [da indústria militar], mas nas fantásticas entrevistas conduzidas com eles. Elas revelam que todo o comerciante de armamentos tem uma visão de mundo que é rapidamente desdobrada diante da câmera. Belicistas, parece, não operam mais nas sombras. Se as armas são vendidas no mercado aberto, deveriam ser tratadas como qualquer outra “commodity”, e já que é escondido não pode ser vendido, o véu do segredo precisa ser rapidamente removido do mercado securitário, transformando a ocupação de um segredo vergonhoso bem conhecido em um ponto de vendas.
Histórias de sucesso cativantes dos comandantes israelenses que mobilizam suas experiências de combate com “a mão na massa” para vender mais armas reforça a impressão de que a ocupação fornece oportunidades econômicas rentáveis. Ao mesmo tempo, as histórias sugerem que a relação imediata entre o setor militar e a economia em Israel é maior do que a soma total de todas as relações pessoais entre os profissionais militares e os homens de negócio, ou alguns comandantes em campo com uma sabedoria comercial.
Em conferências internacionais onde modelos israelenses apresentam orgulhosamente as armas a homens ansiosos, parece que o Ministério de Defesa opera como o agente-chefe das exportações de Israel. É aí que a fronteira entre o “econômico” e o “político” se desfaz, e onde a frase “força econômica” revela-se mais do que apenas uma retórica: é um plano de trabalho.
Um plano fundado da suposição de que a segurança é um produto que o país fornece aos seus cidadãos direitos, e que uma economia forte é a base para a força militar. Aqui o papel do Estado em expandir da indústria da Defesa é inato, já que ela apoia o “crescimento”, e as exportações da Defesa (mesmo quando completamente privadas) são vistas como uma história de sucesso nacional. Para pegar emprestado da terminologia cinematográfica, a indústria da Defesa israelense é um caso evidente de “co-produção”.
Importante é ressaltar que esta produção tem uma terceira parte: a academia israelense. Um dos aspectos mais intrigantes do filme é o fato de que ele interliga histórias sobre inventores de armas e comerciantes de armas com as de cientistas e intelectuais.
O filósofo militar Shimon Naveh nos leva a uma base de treinamento deserta, modelada a partir de uma cidade palestina. Com uma camiseta na “Nike”, calças camufladas do Exército e óculos redondos, ele caminha através de uma cidade fantasma, explicando como a filosofia francesa o ajudou a elaborar uma doutrina militar adequável à guerra pós-moderna: desconstrução, mas em espaços urbanos.
Colocando isso de forma mais direta, a doutrina é baseada em furar buracos nas paredes das casas e mover-se como rizomas em ruas pavimentadas. Naveh pode, então, levar o crédito pela destruição causada pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) enquanto reocupava cidades da Cisjordânia durante a Operação Escudo de Defesa (“Operation Defensive Shield”, de 2002).
No prédio de Ciências Sociais da Universidade de Tel-Aviv, encontramos o professor Yitzhak Ben Israel, ocupado construindo modelos matemáticos para prever a taxa de sucesso de “assassinatos seletivos” e prisões. Seus modelos o permitem predizer, usando uma simples fórmula de substituição, o número de pessoas que precisam ser mortas para causar o colapso de uma organização inteira, ou um sistema político.
A pesquisa de Ben Israel é apenas um exemplo da próspera indústria do conhecimento securitário na academia israelense, que até os poucos acadêmicos israelenses que se opõem à ocupação tendem a ignorar.
Os híbridos de Feldman (ciborgues da ciência, tecnologia e Exército) expõem dramaticamente as repercussões abrangentes da migração do conhecimento desde o laboratório israelense até o resto do mundo. Por exemplo, as tecnologias anti-rebeliões israelenses vendidas à polícia brasileira para combater os traficantes de drogas foram moldadas às favelas do Rio a partir da forma dos campos de refugiados palestinos; Cabul (Afeganistão) é remanescente de Bagdá (Iraque), que à sua vez se parece com Jenin (Cisjordânia).
Esta semelhança é mais do que o produto do imaginário orientalista ou do ódio dos empobrecidos e negros (apesar de que estes são fatores importantes): são formas de conhecimento, produtos da indústria tecnológica, que tornam estes espaços tão preocupantemente similares.
*Eilat Maoz é uma estudante do doutorado em Antropologia, da Universidade de Chicago, que foca o seu trabalho na economia política da guerra.
Fonte: +972 Magazine
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho