CNV estuda pedir reparação a trabalhadores demitidos na ditadura

O recém-criado Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, da Comissão Nacional da Verdade (CNV), anunciou que estuda a possibilidade de exigir, na Justiça do Trabalho, reparação aos trabalhadores demitidos durante o regime militar no Brasil. O anúncio ocorreu nesta segunda-feira (22), durante o Ato Sindical Unitário, que contou com a participação de dez centrais sindicais.


Mesa reúne centrais sindicais presentes em Ato da Comissão da Verdade / fotos: Deborah Moreira

O ato lembrou da greve geral de 1983, que completa neste dia 30 anos do movimento sindical que convocou a população para uma paralisação contra o então regime militar. O evento ocorreu na sede do Sindicato Nacional dos Aposentados e marcou o início oficial dos trabalhados do GT, que tem como coordenadora a advogada Rosa Cardoso, que coordena a CNV. De acordo com ela, serão levantados os casos de empresas que mandaram embora grupos de trabalhadores de forma sistemática, deixando-os sem condições de sobrevivência, juntamente com suas famílias. Os trabalhadores têm a expectativa de reparação das atrocidades que sofreram, inclusive que haja reconhecimento político do papel da classe trabalhadora contra o golpe militar.

“É uma construção que ainda precisamos fazer para tentar provar que houve crime de lesa humanidade. Só assim, esses trabalhadores poderão pedir reparação às empresas, sem que se possa alegar que esses fatos já estão prescritos”, esclareceu Rosa Cardoso, que completou lembrando que, de qualquer forma, “mesmo diante de fatos prescritos é possível pedir uma reparação simbólica” ou uma “responsabilização moral” perante à sociedade. A coordenadora sugeriu, inclusive, a realização de uma grande audiência pública para apresentar os casos mais graves e representativos.

Também serão analisados até que ponto o comportamento das empresas prejudicaram os trabalhadores e suas famílias: “Os trabalhadores, em geral, não têm esse lastro que a as elites e a classe média têm de quando lhe falta algo, sobretudo solo e salário, têm um amparo social. Pelo contrário, os trabalhadores são esteios da família, sustentam seus pais e seus filhos”.

Entre as empresas que serão investigadas estão a Embraer, com uma lista de nomes de pessoas indicadas para demissões; Embratel; Telesp; Tintas Coral; Volkswagen; GE; Mafesa; General Motors; e Monark, cujas fichas de funcionários demitidos, localizadas nos arquivos do Dps, já estão sob a posse do GT. “Essa é só a ponta do iceberg, é só para que vejam que não estamos falando sobre abstrações, mas sim sobre fatos concretos”, completou Luiz Carlos Prates, o Mancha, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

O Ato

O ato começou por volta das 9h30 desta segunda com a exibição de alguns vídeos de momentos como relatos e prisões realizadas durante a histórica greve de 21 de julho de 1983. Alguns dirigentes daquele período também compuseram a mesa para seu testemunho, como Arnaldo Gonçalves, que na ocasião era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos e chegou a ser preso durante a greve. “Os crimes devem ser punidos pois muitos foram torturados e mortos”, declarou as cerca de 300 pessoas presentes na plateia que lotou o auditório do Sindicato dos Aposentados. Ao Vermelho, relatou o desaparecimento de um colega de quem nunca mais teve notícias: “Horácio Simões desapareceu sem testemunhas e nunca mais foi localizado. Ele trabalhava comigo na Cosipa[Companhia Siderúrgica Paulista], era dirigente sindical dos metalúrgicos em Santos. Também muitos foram presos e torturados e outros detidos no navio Raul Soares, para onde iam os presos políticos da região”, recordou.

O ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Jair Meneguelli, foi representado por Djalma Bom, dirigente que contou sobre sua participação em um dos momentos mais delicados da greve, quando policiais perseguiram os sindicalistas dentro da igreja na praça da matriz, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

“Me lembro que saímos daqui em um grupo grande e fomos parar em são Bernardo, onde a polícia cercava os metalúrgicos de lá. E de um lado a polícia tinha os metalúrgicos de São Paulo e do outro os metalúrgicos de São Bernardo. Foi a primeira vez que vi a polícia correndo de trabalhador”, relatou no vídeo o comunista e dirigente histórico Eustáquio Vital Nolasco, atual secretário de Finanças do Comitê Central do PCdoB. Vital atuou em movimentos grevistas que marcaram o país como a de 1968, em Contagem (MG), e chegou a ser preso e torturado.

“Essa iniciativa a comissão está de parabéns bem como as dez centrais sindicais presentes. Muitos não estão vivos para contar suas histórias, foram presos e mortos e é preciso que haja esse resgate para avançar no processo de democratização”, lembrou Joel Batista.

“O aparato mantido ao longo dessas décadas, tem melhorado ao longo dos últimos anos, durante os governos mais progressistas, mas, infelizmente, ainda persistem alguns bolsões e segmentos de extrema direita acabam se infiltrando nos movimentos para atingir os trabalhadores”

Em 1983, houve muitas ações como nos dias 4 e 5 de abril quando houve uma grande luta dos desempregados na capital paulista e em outras cidades, com quilômetros de ruas ocupadas, 566 presos, 126 feridos e um trabalhador morto. Também participei do Congresso dos Metalúrgicos naquele ano, como membro da base da categoria, além de outras greves. A greve geral efetivamente mobilizou a todos os trabalhadores, que foram muito reprimidos com borrachadas”, lembrou Joel, da executiva nacional da FitMetal, que também sofreu agressões na greve geral, em uma mobilização na Lapa.

Rogério Nunes, da executiva nacional da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), que compôs a mesa das centrais sindicais, ressaltou a importância de resgatar a memória do movimento sindical: “Temos que denunciar os desmandos da ditadura, que queria quebrar a espinha dorsal daquele setor de resistência à ditaudura, que sofreu as maiores baixas e as maiores perseguições, os trabalhadores. Como central que busca unidade, que busca defender a memória dos trabalhadores, nós da CTB queremos fazer um grande resgate de todas as lideranças sindicais e denunciar os desmandos da ditadura e levar às novas gerações de trabalhadores e fazer com que principalmente as novas gerações de trabalhadores e dirigentes sindicais e da juventude tomem conhecimento sobre as páginas infelizes da nossa história, como disse o poeta".

O GT está sendo criado 1 ano e dois meses depois da instituição da CNV, em 16 de maio de 2012, e tem cerca de 10 meses para se debruçar sobre uma vasta documentação que está guardada em arquivos públicos há décadas, dentro de caixas, muitas em péssimo estado de conservação. “Nós vamos ter que trabalhar em ritmo de campanha, selecionar nossas prioridades, estabelecer plano de trabalho e não será possível fazer tudo. Portanto, teremos que deixar um legado para depois da Comissão da Verdade, para os que complementarão nossas atividades", explicou Rosa Cardoso. A Comissão da Verndade tem até maio de 2014 para entregar seu parecer sobre as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. O prazo poderá ser prorrogado por mais seis meses para elaborar as recomendações para reformas institucionais.

Deborah Moreira
Da redação do Vermelho

(matéria atualizada às 14h55 em 23/7)