EUA rechaçam diálogo cubano, diz último embaixador em Havana
Wayne S. Smith é o último diplomata norte-americano a exercer em Cuba o cargo de embaixador. Sem relações diplomáticas desde sua ruptura unilateral com Havana em 3 de janeiro de 1961, Washingson sempre se negou a normalizar suas relações com Cuba, apesar do fim da Guerra Fria e da opinião unânime da comunidade internacional.
Publicado 20/07/2013 14:26
Diplomata de carreira, professor doutor da Universidade de George Washington e professor associado da Universidade Johns Hopkins, ele também é diretor do “Programa Cuba” do Centro para a Política Internacional. É considerado o maior especialista norte-americano das relações entre Cuba e Estados Unidos.
Smith integrou o Departamento de Estado em 1957 e trabalhou na União Soviética, na Argentina e em Cuba. Presente na embaixada norte-americana de Havana durante o movimento insurrecional cubano dirigido pelo Movimento 26 de Julho de Fidel Castro, Smith assistiu à queda do ditador Fulgêncio Batista. Após a ruptura das relações entre Cuba e Estados Unidos, o presidente John F. Kennedy o nomeou secretário executivo de seu Grupo de Trabalho sobre a América Latina.
De 1979 a 1982, Smith esteve na liderança da Seção de Interesses Norte-americanos em Cuba e se destacou por sua política de diálogo e de aproximação com Havana sob o governo de Jimmy Carter. Em 1982, devido a um profundo desacordo com a nova política elaborada pelo presidente Ronald Reagan em relação a Cuba, deixou definitivamente o Departamento de Estado.
Apoiador de uma normalização das relações com Cuba, Smith aborda nesta entrevista sua experiência de diplomata em Havana e a política dos Estados Unidos durante os primeiros anos da Revolução. Destaca também a aproximação com Fidel Castro iniciada por Jimmy Carter. Esta conversa termina com uma reflexão sobre a atual política dos Estados Unidos sob a administração Obama.
Opera Mundi: Senhor Embaixador, sua primeira experiência de diplomata em Cuba remonta a qual data?
Wayne S. Smith: Minha primeira experiência de diplomata remonta a agosto de 1958, em plena guerra revolucionária dos insurgentes de Fidel Castro contra o regime ditatorial de Fulgêncio Batista. Na realidade, minha nomeação à embaixada dos Estados Unidos em Havana se devia mais à causalidade do que a uma escolha pensada. Após deixar o exército – era um soldado de infantaria da Marinha –, queria integrar o mundo da diplomacia, com uma especialidade em… chinês! Logo fui estudar no México e redigi uma dissertação de mestrado que comparava dois instrumentos de política exterior destinados a proteger zonas de influências: a Doutrina Monroe no continente americano e a Cortina de Ferro na Europa.
Voltei a Washington em novembro de 1956, alguns dias antes do desembarque em Cuba de Fidel Castro com seus 81 guerrilheiros oriundos do México, em 2 de dezembro de 1956. Integrei o Escritório de Inteligência e me pediram para trabalhar com Cuba. Meu papel consistia em averiguar se havia alguma relação entre o Movimento 26 de Julho (M 26-7) de Castro e os comunistas. Não encontrei absolutamente nada. Não havia nenhuma conexão. Ao contrário, o partido comunista cubano não apreciava muito Castro. Havia muita desconfiança e ele preferia manter distância. A aproximação entre o Partido Socialista Popular – era assim que se chamava o partido comunista à época – e o M 26-7 ocorreria mais tarde.
Logo comecei a fazer parte do serviço de Relações Exteriores e me transferiram imediatamente para Havana.
Qual era seu ponto de vista, naquela época, sobre o conflito que opunha Fidel Castro e Fulgêncio Batista?
Após passar algumas semanas no serviço consular, integrei o serviço político da embaixada e estava encarregado de analisar a situação interna. Desde aquela data até hoje, só trabalhei com assuntos relacionados a Cuba. Em 1958, estava convencido de que Castro e seus partidários tinham grandes possibilidades de conseguir a vitória e que seu governo seria muito melhor que o de Batista.
Apoiamos Batista durante anos, inclusive durante a guerra insurrecional, pois estávamos conscientes de que Castro faria uma verdadeira revolução não apenas em Cuba, mas também no resto do continente. Ele havia declarado que transformaria os Andes na Sierra Maestra – conjunto de montanhas onde a guerrilha do M 26-7 se desenvolveu – da América Latina. Evidentemente, isso significava que ele se oporia à política dos Estados Unidos e que reduziria nossa influência no continente, favorecendo a chegada ao poder de governos que se emancipariam da nossa influência. Por conseguinte, desde o início, nossa atitude quanto a Castro foi hostil.
Em que momento os Estados Unidos tomaram a decisão de atacar o governo de Fidel Castro?
Em março de 1960, durante a explosão do barco francês Le Coubre, carregado de armas belgas, no porto de Havana, Castro nos acusou, afirmando que aquilo havia sido obra da CIA. Provavelmente, estava certo. Para dizer a verdade, não sei. Todo mundo pensa que fomos nós. Poderíamos negar mil vezes e não mudaria nada, pois ninguém acreditaria.
Depois disso, durante uma reunião na Casa Branca com a CIA e o Departamento de Estado, chegamos à conclusão de que não era possível chegar a um acordo com Cuba, particularmente pelo discurso sumamente hostil de Castro e pelo apoio popular do qual ele dispunha. O presidente Eisenhower tomou, então, a decisão de atacar Castro. A partir daí, começaram as ações destinadas a acabar com ele.
Mas já havia ações terroristas contra Cuba desde o final de 1959. Aviões oriundos da Flórida já bombardeavam Cuba.
Sim, mas não eram nossos aviões. Os exilados organizavam essas operações. A CIA os apoiava? Provavelmente. Mas não se tratava de uma ação oficial do governo dos Estados Unidos. No entanto, a partir de março de 1960, as ações empreendidas contra Cuba faziam parte de um programa oficial destinado a derrubar o poder em Havana.
Apesar disso, o triunfo da Revolução em janeiro de 1959 ainda não tinha relação com a União Soviética.
Até a ruptura das relações, em janeiro de 1961, não havia vínculos sólidos entre Castro e a União Soviética. Por certo, houve a visita do diplomata Anastasio Mikoyan a Cuba em 1969, mas não havia então uma relação social entre Moscou e Havana.
Eu diria, inclusive, que a aproximação ocorreu definitivamente na véspera da invasão da Baía de Porcos, em abril de 1961. Castro estava a par de todos os preparativos e tinha certeza de que era só uma questão de tempo. No entanto, não pensava que enviaríamos apenas alguns milhares de exilados. Estava convencido de que várias divisões de soldados da marinha se seguiriam ao primeiro desembarque, o que não foi o caso.
Do lado de Miami, alguns agentes do segundo escalão da CIA estavam convencidos de que a invasão seria um passeio e que finalmente Fidel Castro seria derrotado, como foi o caso na Guatemala, em 1954, contra Arbenz. Na América Central, o desembarque foi por terra e, em Cuba, seria por mar, mas o resultado seria o mesmo, eles pensavam. A CIA estava convencida de que os cubanos abaixariam as armas e não lutariam. A Agência pensava, inclusive, que a população nos receberia de braços abertos.
O senhor estava trabalhando em Cuba naquela época. Foi solicitado para que expressasse sua opinião sobre a operação?
Nós nem sequer estávamos a par dos preparativos. Eu trabalhava na seção política da embaixada e éramos os mais preparados para avaliar a situação interna. Mas nunca nos informaram nada sobre o menor projeto. Ninguém sabia nada na embaixada.
O que o senhor teria respondido se tivessem perguntado sua opinião sobre a operação?
Teria explicado claramente que seria um fracasso. Um desembarque de alguns milhares de homens na Baía de Porcos não teria a menor possibilidade de êxito, sobretudo naquele local.
Por quê?
O governo de Castro gozava de um apoio popular enorme em Cuba, e ainda mais naquela região. Aquela zona havia sofrido bastante com o subdesenvolvimento e Castro havia viajado para lá com vários projetos para permitir que essa população se beneficiasse com mais prosperidade. Para ela, o novo poder era o melhor que havia ocorrido para Cuba, pois estava saindo, pouco a pouco, da miséria. Castro era muito popular na região da Baía dos Porcos, assim como no resto do país. Não havia absolutamente nenhuma possibilidade de desatar uma sublevação popular contra o poder naquele lugar. Pensar o contrário era totalmente absurdo. Acabavam de se libertar de Batista, que era o símbolo da exploração. Não iam acolher com os braços abertos aqueles que pretendiam restaurar o antigo regime.
Então, foi na véspera do desembarque, em 16 de abril de 1961, após os bombardeios dos diferentes aeroportos cubanos, em previsão da invasão, quando Castro anunciou que Cuba era uma nação socialista e deu, assim, um passo em direção à União Soviética. Seu cálculo era o seguinte: dado que a invasão era iminente, precisaria do apoio de outra superpotência, a única capaz de nos fazer frente.
Então a aliança com a União Soviética foi uma consequência direta da política agressiva dos Estados Unidos, já que, durante os primeiros anos, a Revolução Cubana manteve uma posição de neutralidade no conflito que opunha as duas grandes potências.
Foi exatamente isso. Cuba se aproximou da União Soviética, em grande parte, por causa de nós, por causa da política dos Estados Unidos. Castro estava convencido – com razão – de que utilizaríamos todos os recursos necessários para derrotá-lo.
Não teria sido mais criterioso por parte dos Estados Unidos dar mostras de mais diplomacia e focar mais as relações de diálogo com o novo governo revolucionário?
Com efeito, poderíamos ter tentado estabelecer uma relação positiva com o novo poder, mas as forças que havia no Departamento de Estado e no Pentágono não estavam de acordo. Desde o início, Washington expressou seu ceticismo, se é que posso dizer assim, com relação a Castro. Penso que subestimamos Fidel Castro, que tinha um apoio extraordinário de toda a população.
Decidimos, então, romper as relações com Cuba e eu fui o último diplomata dos Estados Unidos a abandonar o país. Só voltei ali 16 anos depois, em 1977.
Após a eleição de Jimmy Carter, em 1977, houve uma aproximação entre Cuba e Estados Unidos? O senhor poderia nos contar esse processo?
Quando chegou ao poder, Jimmy Carter expressou sua vontade de ter relações com Cuba. Era extraordinário! Acabava de tomar posse em janeiro de 1977 e estava falando de estabelecer um diálogo com Cuba! Eu me lembro de ter dito a minha esposa, Roxy, que eu ia perder o trem da história, pois estava naquela época em Buenos Aires, como responsável da seção política da embaixada dos Estados Unidos. Mas, felizmente, recebi de imediato um telegrama que me convidava a voltar urgentemente a Washington para participar dos primeiros intercâmbios com os cubanos, que aconteceram em Nova York. Os primeiros encontros ocorreram no modesto hotel Roosevelt, e prosseguiram no luxuoso hotel Plaza. Nossas relações foram melhorando dia após dia [risos].
Quais eram os temas debatidos?
De início, falamos de alguns temas secundários. Logo decidimos ir mais longe e estabelecer seções de interesses em Havana e em Washington, o que nos permitiu ter uma representação diplomática em cada país. Tínhamos muitos desacordos mas, como não podíamos solucioná-los sem ter a possibilidade de falar sobre eles, daí a importância de ter diplomatas em ambas as capitais. A Suíça nos representava em Cuba, e a Tchecoslováquia representava Cuba em Washington, mas havia temas que não queríamos abordar através de outro governo. [Carter tentou se aproximar de Cuba durante seu governo]
Depois disso, os cubanos nos convidaram para ir a Havana e finalizamos o acordo sobre a abertura de seções na capital cubana.
O presidente Carter o nomeou para a chefia da Seção de Interesses Norte-americanos em Havana (SINA) em 1979, com o cargo de embaixador.
Ele me nomeou para o cargo em junho de 1979 e devo dizer que a experiência foi muito frutífera. Houve vários avanços. Delimitamos as fronteiras marítimas. Aliviamos o embargo, pois permitimos que as filiais norte-americanas localizadas no exterior comercializassem com Cuba. Os diplomatas cubanos e norte-americanos puderam viajar por todo o país, o que não ocorria antes. Autorizamos de novo os voos diretos e os exilados puderam voltar à ilha pela primeira vez desde o triunfo da Revolução.
Em uma palavra, nós nos encontrávamos em um processo de normalização completa de nossas relações.
Lamentavelmente, Jimmy Carter perdeu a eleição para Ronald Reagan em 1981.
Reagan nomeou para Secretário de Estado Hall Haig. Este havia declarado que queria fazer de cuba um “estacionamento”, o que indicava claramente que a política de aproximação e diálogo iniciada por Carter terminaria em seguida.
O governo mexicano havia organizado um encontro secreto entre Haig e o vice-presidente cubano à época, Carlos Rafael Rodríguez. O vice-presidente sinalizou a Haig que Cuba estava disposta a por fim ao envio de armas às guerrilhas da América Central. Cuba esperava assim prosseguir no diálogo com os Estados Unidos.
Qual foi a resposta de Haig?
Haig rechaçou a oferta declarando que Washington não estava interessado no diálogo, mas na ação. Na realidade, os Estados Unidos não desejavam, de maneira alguma, normalizar as relações com Cuba.
Dois meses mais tarde, o governo de Havana me informou que Cuba havia interrompido toda a provisão de armas com destino à América Central. Os cubanos esperavam assim que pudéssemos retomar o diálogo. Transmiti a informação ao Departamento de Estado e perguntei se dispúnhamos de provas que contradissessem a declaração das autoridades cubanas sobre as armas. Se não fosse o caso, sugeri que seria bom retomar o diálogo, pois havia muitos temas a serem resolvidos. Tive que mandar vários telegramas e tive que esperar vários meses antes de receber uma resposta de Washington.
Qual foi a resposta?
O Departamento de Estado me informou que não dispunha de nenhuma prova que contradissesse a declaração dos cubanos a respeito da provisão de armas à América Latina. Mas, na mesma mensagem, me informava que a Casa Branca não tinha nenhum interesse em prosseguir o diálogo com Cuba.
Então insisti na necessidade de manter um contato com as autoridades cubanas, explicando que era de nosso interesse prosseguir com as conversas, sem êxito.
Pouco tempo depois, o Departamento de Estado publicou uma declaração acusando Cuba de manter o envio de armas com destino à América Central e que Castro havia rechaçado nossas propostas de negociação. Era uma mentira total e eu estava bem informado para saber disso! Os cubanos estavam dispostos a debater nossos numerosos desacordos e era de nosso interesse fazê-lo.
A partir daí, decidi por fim a minha missão diplomática em Havana, pois não podia continuar trabalhando nessas condições. E, sobretudo, não podia continuar representando o governo de Reagan. Pedi, então, que me substituíssem no cargo em 1982 e pus fim a minha carreira de diplomata.
Estava em desacordo com a política hostil da administração Reagan.
Não apenas estava em desacordo, mas, sobretudo, não podia suportar as mentiras emitidas pelo Departamento de Estado. Era simplesmente inaceitável. Os cubanos estavam dispostos a normalizar as relações com os Estados Unidos, mas simplesmente rechaçamos o diálogo. Não só nos negamos a dialogar, mas também mentimos a respeito, acusando-os de se oporem a uma aproximação bilateral entre ambas as nações.
O que o senhor fez depois?
Logo depois de abandonar o serviço de relações exteriores, fiz o juramento – que talvez nunca devia fazer – de que dedicaria o resto do meu tempo a fazer com que nossos países pudessem ter finalmente relações normais.
Fonte: Opera Mundi