Mauro Santayana: As grandes lambanças
O caminho encontrado pelos Estados Unidos para ampliar a sua espionagem no mundo pode ser definido com um vocábulo bem brasileiro: tratou-se e se trata de uma grande lambança.
Por Mauro Santayana*, em seu blog
Publicado 10/07/2013 19:44
Dominada a República pelo fundamentalismo mercantil (a expressão é de Celso Furtado), o governo de Washington, já a partir de Bush, terceirizou a mais grave obrigação dos estados nacionais – a segurança de suas fronteiras e de seus povos. Depois de contratar mercenários para os combates, passou a contratá-los para definir a estratégia internacional do país.
Espionar os eventuais inimigos é uma prática universal, desde que se desenharam as fronteiras políticas. Os espiões têm que ser recrutados com extremo cuidado, a fim de que se garanta a sua lealdade. Ainda assim, os riscos são imensos, porque não há só a espionagem; existe também a contra-espionagem. Por isso mesmo, o mais famoso agente-duplo do mundo, o britânico Harold Russel Kim Philby, que chefiava uma das seções mais poderosas do MI6, era também o chefe da espionagem soviética no Reino Unido. Philby deu um sério conselho aos jovens que sonham com o romantismo e as emoções da espionagem: trabalhassem sempre por dinheiro, porque nunca saberiam a quem estariam realmente servindo.
Contratar empresas privadas para cuidar da segurança nacional pode ter sido a principal “lambança” de Washington, mas não foi a única. E contratar exatamente a Booz Allen pode ter contribuído para que a lambança fosse ainda maior, já que, a veracidade e a importância das informações recolhidas não devem ter sido de muita ajuda à Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
Por falar nisso: há alguns anos, essa mesma Booz Allen, que levou 25 milhões de dólares do governo Fernando Henrique, para identificar “os gargalos” regionais que impediam o desenvolvimento do país, foi encarregada de planejar a reforma do Serviço de Promoção Comercial do Itamaraty. A empresa apresentou o seu projeto, seguido à risca pelo governo: reduzir ao máximo os funcionários contratados e as atividades do setor, de forma a eliminá-lo, na prática. Seguramente essa conclusão interessava aos EEUU. As embaixadas e os consulados americanos, pelo mundo a fora, têm duas tarefas primordiais: espionar e exercer o seu papel de braço avançado do comercio exterior e no apoio às suas multinacionais.
A obsessão norte-americana pelo controle do mundo, mediante seus agentes, e da corrupção de servidores públicos dos países periféricos, torna seus serviços de inteligência altamente vulneráveis. É impossível fiar-se na fidelidade de trinta e cinco mil pessoas, entre servidores de carreira e pessoal contratado, no caso, pela Booz Allen, para colher informações e propor providências ao poder executivo.
Sabemos, agora, que somos dos países mais vigiados pelos norte-americanos. Aos nossos protestos, eles respondem com a mesma cantilena: irão entender-se com os “parceiros e aliados” mediante os canais diplomáticos usuais.
Diante dos fatos, cabe-nos agir com lucidez e a urgência. Se é impossível blindar as comunicações eletrônicas, vulneráveis aos hackers, oficiais ou não, e a satélites espiões, devemos, pelo menos, criar sistema autônomo para as comunicações oficiais brasileiras. Devemos fortalecer com rapidez a nossa Telebrás. É necessário adquirir, de fornecedor confiável (melhor seria se fosse de um dos Brics), sistemas de satélites próprios, de rádio e cabo nossos, que sejam operados por oficiais brasileiros.
É em momentos como estes que vê-se a falta que faz uma emprezsa estatal de telecomunicações própria. Essa companhia existe, e se chama Telebras, mas não se permite que ela concorra diretamente no mercado e ela tem sido constantemente sabotada pelos interesses que defendem as multinacionais que exploram, com péssimos serviços e preços altíssimos, o mercado brasileiro de telecomunicações. Havia uma subsidiária da Telebras que cyuidava dos nossos satélites, a Embratel, que foi entregue, em outra grande lambança, ao mexicano Carlos Slim. A Telebras , como telecom, foi esquartejada, e seu mercado entregue aos estrangeiros.
Há outro fato, da mesma ou de maior gravidade: os Estados Unidos mantiveram (ou ainda mantêm?) sistema de rastreamento das comunicações de satélites em Brasília, ao que se informa sem o conhecimento das autoridades brasileiras.
De passo em passo, de desastre em desastre, a credibilidade dos Estados Unidos despenca. Eles continuam a ser temidos. Mas deixaram de ser confiáveis, até mesmo para seus aliados.
*Colunista político do Jornal do Brasil, diário do qual foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), da qual foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e no norte da África.