Yeshury: China foca no desenvolvimento das forças produtivas

Entre 7 e 9 de junho aconteceu, na sede do Parlamento Europeu (PE) em Bruxelas, Bélgica, o seminário “A China no Século 21: Presente e Futuro”, promovido pelo Grupo da Esquerda Unida. O PCdoB foi representado pelo secretário de comunicação e editor do Portal Vermelho, José Reinaldo de Carvalho. O Vermelho publica uma série de quatro resumos das principais intervenções feitas no seminário por representantes de partidos comunistas presentes.

Leia a seguir trechos da intervenção de Sitaram Yeshury, membro do Birô Político do Partido Comunista da Índia e do parlamento indiano:

O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, e o presidente Xi Jinping representam a quinta geração de lideranças da República Popular da China. Xi, depois de assumir a presidência, comprometeu-se a “fazer esforços persistentes, pressionar com vigor irredutível, continuar a avançar com a grande causa do socialismo com características chinesas, e lutar para alcançar o sonho chinês de rejuvenescimento da nação chinesa”.

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Os sucessos econômicos da China são tão grandes que não tem paralelo na história da humanidade. Um país que em 1978 era um dos mais pobres do mundo alcançou agora um ponto em que tem índices do PIB per capita maior do que os de países com a maioria da população mundial.

A China mantém, apesar da desaceleração causada pela crise mundial, um crescimento de 7,7%, segundo cálculos de janeiro a março de 2013. E mesmo durante este período de relativo arrefecimento, excedeu o seu objetivo na criação de empregos, criando nove milhões de novos empregos. Em 2012, 12 milhões de novos empregos já haviam sido criados, o que ressalta a trajetória de crescimento diferente objetivada pela China, em comparações com países em que o crescimento não é traduzido na geração de empregos.

No Ocidente, os pacotes de resgate foram direcionados apenas para as grandes corporações, as mesmas responsáveis pela crise. Neste cenário, inclusive dos EUA e no Reino Unido, reestabelecer a economia significa o corte do consumo, as infames “medidas de austeridade”. E mais frequentemente, isso implica o esforço pelo culto à abertura dos mercados dos países em desenvolvimento e a coerção das suas economias para a subjugação.

No caso da China, por outro lado, a forma de combater a crise e restabelecer a economia é justamente a sustentação e aumento do consumo e a redução da dependência nas exportações. Essa é a essência dos seus pacotes de resgate. E a razão para esta diferença fundamental está no fato de que a China, ao contrário do capitalismo, está dedicada em uma trajetória de um sistema social totalmente diferente, construindo o socialismo dentro das características chinesas.

China pós-reforma: O futuro

De certa forma, o que encontramos na China pós-socialista é um reflexo das posições teóricas tomadas por Lênin com relação ao capitalismo estatal na Rússia, durante o período da Nova Política Econômica. A questão principal é o aumento das forças produtivas em uma economia atrasada a um nível que possa sustentar a construção socialista de larga escala. Lênin, no seu tempo, com base na situação internacional e doméstica concreta, dedicou-se consistentemente a preencher rapidamente a lacuna entre forças produtivas retrógradas e o avanço de relações socialistas de produção.

Na China de hoje, o que tem sido buscado é a conformidade entre os níveis das forças produtivas e as relações de produção sob o socialismo. As relações avançadas de produção socialista não podem ser sustentadas em níveis mais baixos de forças produtivas. Um período prolongado de baixos níveis de desenvolvimento econômico dariam terreno a uma contradição fundamental entre as necessidades materiais e culturais em expansão diária do povo no socialismo e forças produtivas atrasadas. O Partido Comunista da China concluiu que, se esta contradição continuar sem resolução, então o próprio socialismo na China estaria ameaçado.

O Programa Geral do PCCh diz: “A China está no estágio primário do socialismo, e continuará assim por um longo período. Este é um estágio histórico que não pode ser negligenciado na modernização socialista da China, que é subdesenvolvida econômica e culturalmente. O período durará por mais de cem anos. Na construção socialista devemos proceder a partir das nossas condições específicas e tomar o caminho para o socialismo com características chinesas”.

A conceptualização do primeiro estágio do socialismo feita pelo PCCh está, na verdade, em conformidade com as afirmações de Marx e Engles: o socialismo é a fase transitória entre o capitalismo e o comunismo, e por isso constitui o primeiro estágio da sociedade comunista.

Entretanto, o PCCh tomou um passo além para formular que, dentro deste estágio transitório, haverá fases diferentes dependendo dos níveis das forças produtivas no período da revolução. Isso foi sistematicamente elucidado durante o 13º Congresso do partido.

Para alcançar a transformação de um país atrasado, semi-feudal e semi-colonial, no início da revolução, para uma sociedade e uma economia socialista, o processo deveria ser conduzido a partir dos mais baixos estágios, na “construção do socialismo com características chinesas”.

Para alcançar esta transformação, o PCCh desenvolveu outra formulação, baseada na construção de uma economia de mercado socialista. Enquanto houver produção de commodities, haverá a necessidade de um mercado para comercializá-las. Por isso, o que se busca na China é que este mercado esteja sob o controle do Estado socialista, em que a propriedade pública dos meios de produção continue sendo a principal.

No início das reformas, a China havia planejado dobrar o PIB de 1980 e assegurar as necessidades básicas das pessoas. O segundo espaço foi o de redobrar os rendimentos de 1980 e alcançar uma prosperidade inicial até o fim do século 20. Os dois objetivos foram cumpridos, não porque a China “rompeu com o passado maoísta”, mas porque desenvolveu-se com fundamentos sólidos assentados pela República Popular da China (RPC) durante as três primeiras décadas do planejamento centralizador. Agora, o terceiro passo é “fazer o PIB per capita alcançar o nível dos países médio-desenvolvidos até o centésimo aniversário da RPC”.

O processo de reforma em si, iniciado em 1978, passou por várias mudanças ao longo das décadas. A dissolução da União Soviética e o fim de uma força socialista de equilíbrio no mundo criaram uma nova situação global, além dos desenvolvimentos internos no país, como o episódio da Praça Tiananmen.

Enquanto empresas do setor privado na indústria e nos serviços estão aumentando, é preciso notar que grandes companhias do Estado controlam os setores estratégicos. As 50 primeiras empresas estatais têm sido consolidadas e detêm o comando dos níveis mais altos da economia na mineração, petróleo, aço, telecomunicações, sistema bancário, energia, ferrovias, portos, etc.

A segunda fase das reformas focou nas áreas rurais e na crescente divisão entre rural e urbano. Só depois de 2006 o governo chinês conseguiu tomar medidas para abolir os impostos agrícolas, aumentar os subsídios para os preços dos grãos e aumentar os gastos em saúde e educação rural. Isso mostra que o planejamento e a intervenção do Estado ainda operam para fazer frente a certos desequilíbrios, como as desigualdades no crescimento, o desemprego e a corrupção.

O relatório do 18º Congresso do PCCh reconhece: “O desenvolvimento desequilibrado, descoordenado e insustentável continuam sendo um grande problema”, e a tarefa de aprofundar as reformas, realizar uma abertura e mudar o modelo de crescimento continua árdua, mas “precisamos levar essas dificuldades e problemas muito a sério e trabalhar mais duramente para resolvê-los”.

Em um esforço para fazer frente ao desequilíbrio, o governo chinês iniciou programas de redução da pobreza orientados ao desenvolvimento em áreas rurais, de forma organizada e planejada. Além disso, também garante que o rendimento individual continue crescendo, nas zonas rurais e urbanas. Em 2011, o salário médio dos trabalhadores rurais aumentaram 21,2% em comparação com o ano anterior. As políticas do governo também resultaram na criação de 12,2 milhões de empregos, 3,21 milhões a mais do que o objetivo.

O governo também adotou objetivos de prover alimentação e vestimenta adequada a pessoas afetadas pela pobreza, assim como garantir o seu acesso à educação obrigatória, a serviços médicos básicos e à habitação até 2020. Em 2007, o governo decidiu estabelecer um sistema de rendas de subsistência rural que cobriria todos os residentes das zonas rurais cujos rendimentos per capita estiverem abaixo do padrão. Enquanto isso, a educação obrigatória também foi fortalecida nas zonas rurais. Em 2010, a taxa de analfabetismo entre jovens e pessoas de meia-idade diminuiu para 7%, ou seja, 5,4% mais baixa que em 2002.

É razoável a conclusão de que durante as três décadas de reforma, a China fez conquistas tremendas no desenvolvimento de forças produtivas e no crescimento econômico. Uma taxa de crescimento consistente de mais de 9%, em média, em um período de três décadas é algo sem precedentes na história completa do capitalismo. Entretanto, este mesmo processo tem trazido mudanças adversas claras nas relações de produção, e por isso nas relações sociais da China socialista atual. O quão bem-sucedidos serão os direcionamentos dados às contradições e como elas serão resolvidas definirão o curso futuro da China. Os esforços para fortalecer e consolidar o socialismo receberão a nossa solidariedade e a dos comunistas de todo o mundo.

Resumo e tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho