Movimento Passe Livre reconhece descontrole e defende diálogo
Treze manifestantes presos, dezenas de feridos, a maior parte deles trabalhadores e estudantes, e equipamentos públicos depredados. Esse é o saldo do maior protesto registrado na capital paulista contra o aumento da tarifa do sistema de transporte público, ocorrido na noite de terça-feira (11). Tanto a Prefeitura quanto o movimento que organizou o ato defendem o diálogo entre as partes. O movimento reconhece que houve descontrole, mas atribui a revolta popular à ação violenta da polícia.
Publicado 12/06/2013 15:09
Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, onde começou o ato de terça (11) / foto: Daniel Teixeira/Estadão
“O que aconteceu ontem [dia 11] foi mais um ato de revolta popular. São pessoas que estão revoltadas e incomodadas com o aumento de tarifa. O movimento de forma alguma estimula a revolta ou a violência. Mas, avaliamos que foi uma reação à ação truculenta da PM [Polícia Militar]”, declarou Lucas Monteiro, integrante do Movimento Passe Livre, que existe desde 2003, e foi oficializado em 2005. O MPL protocolou, ontem, um pedido de audiência na Prefeitura para discutir as reivindicações.
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O jovem faz questão de esclarecer que o movimento não é ligado a nenhum partido político e que não há uma liderança. De acordo com Lucas, o MPL defende a horizontalidade e a tarifa zero, apoiada na taxação sobre “os mais ricos”.
Ele contou que 13 pessoas ainda estão presas, dos 20 detidos inicialmente. Nessa leva inicial, até jornalista cumprindo sua função foi levado para a delegacia. Dez delas sob a acusação de formação de quadrilha e danos ao patrimônio público. Para os outros três, foram arbitradas fianças: para uma delas a fiança é de R$ 20 mil e outras duas de R$ 3 mil, cada uma. Até agora, não houve o pagamento das fianças. O MPL conta com dois advogados e iniciou, ainda durante a madrugada desta quarta-feira (12), uma campanha nas redes sociais para arrecadar valores para conseguir soltá-los.
Questionado sobre a postura de manifestantes que iniciaram uma quebradeira, o jovem disse que se trata de pessoas revoltadas, que aderiram ao movimento de maneira espontânea. “Houve uma divisão do protesto em quatro blocos, depois do confronto no Terminal Parque Dom Pedro. Não é possível controlar uma revolta desse tipo. È bom esclarecer que o MPL é composto por trabalhadores e estudantes que estão constrangidos por não ter dinheiro para pagar a tarifa”, completou Lucas Monteiro.
Confronto no Parque Dom Pedro / foto: Ninja
Para a União da Juventude Socialista (UJS), que também integra a manifestação contra o aumento da passagem e divulgou nota de apoio nesta quarta, é fundamental ampliar a articulação entre os movimentos e criar um coletivo ou comissão ampla com representantes de todas as organizações que integram os atos. “Estamos junto com o MPL e esperamos criar um coletivo para ampliar a mobilização e organização dos protestos”, declarou Camilla Lima, presidenta da UJS em São Paulo, que tem participado dos atos.
Na noite de ontem, ela contou ao Vermelho que o confronto começou depois da Polícia Militar impedir a entrada dos manifestantes dentro do terminal Parque Dom Pedro, no centro da capital. "Já fizemos isso na primeira manifestação, no Terminal Bandeira. Iríamos lá para chamar os usuários a se juntarem à marcha. No entanto, alegando que nós iríamos pôr fogo nos ônibus, a PM passou a nos agredir com bombas de efeito moral. Daí virou uma confusão, o movimento ficou dividido em vários grupos e foi sufocado pela tropa de choque”, relatou a jovem militante, que é filiada ao PCdoB.
“Diante desta negligência é legítimo e necessário o ato de se manifestar, e é ampla a comoção da população, pois são muitas as indignações. O que não aceitamos num Estado democrático é a forma repressora, violenta com que age a PM nos protestos e no cotidiano da juventude nas periferias. A conduta policial controlada pelo governador de São Paulo tem causado mais revolta e atos extremos por conta de uma minoria dos manifestantes”, diz um trecho da nota da UJS.
Para Nádia Campeão (PCdoB), prefeita em exercício, nada justifica as cenas de destruição deixadas pela mobilização. “Diálogo é uma marca de nossa gestão. Temos recebido comissões de movimentos sociais como sem-teto, camelôs, professores e não será diferente com o transporte público. Todos protestam sem prejuízos para a cidade. Porém, com um movimento que protagoniza cenas como essa de descontrole, que deixou a cidade suja, destruída, cidadãos com medo, não é possível sentar para conversar”, explicou a prefeita em exercício ao Vermelho.
Ela lembrou que o movimento convocou três manifestações seguidas, com métodos violentos e de depredação do patrimônio público e locais privados. “Portanto, quem está se recusado a dialogar são eles. Sugiro que reavaliem de forma crítica o descontrole que eles mesmos reconhecessem para que se possa caminhar para o diálogo”, completou Nádia Campeão, que ressaltou que o governo está cumprido a política de transporte defendida durante a campanha, em 2012, de priorizar o transporte público coletivo, retomar a construção de corredores de ônibus e criar condições para implantar o Bilhete Único Mensal. “Com uma tarifa fixa mensal a tendência é que a passagem barateie. Além disso, mantemos o compromisso de não reajustar acima da inflação”, rebateu Nádia Campeão, que se mantém no cargo até quinta-feira (13), quando o prefeito Fernando Haddad (PT) retorna de Paris, onde está com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) para defender a candidatura da capital paulista como sede da Expo 2020, um dos maiores eventos mundiais de turismo.
Desde 2011, a tarifa do transporte público em São Paulo vinha se mantendo em R$ 3. De lá pra cá, de acordo com o Índice Nacional de Preços Consumidor Amplo (IPCA), a inflação desse período ficou em 15,5%. No entanto, a desoneração promovida pelo governo federal, desde 1º de junho, sobre os impostos – Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) – pagos pelas empresas de transporte público, para conter a alta da inflação, contribuiu para que o reajuste ficasse em índices menores. Em São Paulo, o reajuste ficou em 6,7%.
“Nenhuma cidade do país e do mundo pratica tarifa zero, como propõe o movimento. É possível buscar recursos para criar novos subsídios. Já existem alguns que custeiam as passagens dos idosos, por exemplo. Vamos estudar outros mecanismos para que o transporte público tenha maior financiamento como usar o imposto sobre a gasolina, o Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico]. Mas, isso é um processo, é preciso estudo e análise”, argumentou a prefeita comunista em exercício, lembrando, ainda, que sem a desoneração praticada pelo governo federal a tarifa ultrapassaria os R$ 4. “A Prefeitura não reajustou em janeiro, mantendo o compromisso de segurar o rejuste em seis meses. Para manter a cobrança em R$ 3, como pedem os manifestantes, é preciso ter R$ 300 milhões, anuais, a mais no orçamento”, calculou.
Para o MPL, é possível custear o transporte público integralmente a partir da taxação sobre os mais ricos, que utilizam o transporte individual, privado.
Comissão
Jamil Murad, presidente do PCdoB municipal, em São Paulo, reforçou a importância da criação de uma comissão, formada por representantes dos movimentos e partidos políticos populares para a busca de uma solução para a redução do preço do ônibus e metrô. “O PCdoB, que é um partido de vanguarda, pretende convidar o movimento popular e partidos populares para criar uma comissão de fôlego para dialogar com o poder público. Temos que ir até o fim para atingir o objetivo que seria um valor menor da passagem”, afirmou Jamil Murad.
O comunista lembrou que o Partido liderou movimentos importantes como, por exemplo, o impeachment de Fernando Collor, e que em nenhuma das manifestações houve distúrbios. “Eu participei do movimento com mais de um milhão de pessoas na rua e não houve quebradeira. E é dessa forma que pretendemos contribuir. O movimento é legítimo, porém, sua condução está errada. Trata-se de um assunto muito sério para ser dirigido por quem perde o controle", criticou Jamil Murad.
Alckmin critica movimento e defende fluxo no trânsito
De Paris, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), falou à imprensa e classificou de “baderna” e “vandalismo” a ação dos manifestantes. “Uma coisa é movimento, que tem de ser respeitado, ouvido e dialogado [sic]. Isso é normal e é nosso dever fazê-lo. Outra coisa é vandalismo", disse o governador, que defendeu a ação da Polícia Militar (PM) para conter os manifestantes e evitar a interrupção de "artérias importantes da cidade, tirar o direito de ir e vir das pessoas, depredar o patrimônio público”. A PM foi procurada mas não retornou até o final do fechamento.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também condenou os atos de violência praticados, em São Paulo. “É um absurdo. Não é assim que se vai conseguir qualquer reivindicação. Vivemos em uma democracia”, disse Cardozo, em declarações à Agência Brasil, depois de reunião com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
O ministro ponderou que a sociedade tem o direito de reivindicar, mas sem usar de vandalismo. “É legítimo que as pessoas expressem suas opiniões, mas nunca com violência, com atos de vandalismo. Temos um Estado Democrático de Direito e temos que aprender a conviver nesse espaço. Não é com vandalismo que vamos conseguir chegar a resultados positivos dentro daquilo que queremos”, argumentou o ministro.
O próximo ato já tem data marcada para quinta-feira (13), com concentração a partir das 17 horas, em frente ao Teatro Municipal, próximo ao metrô Anhangabaú, no Centro.
Deborah Moreira
Da Redação do Vermelho