Função da cidade: especulativa ou social?

Por ocasião da 5ª Conferência Nacional das Cidades, comparamos o Brasil do Censo de 1950 com o de 2010. Os dados obtidos nos dois momentos, num intervalo de apenas 60 anos, demonstram que a população urbana vai de 36% em 1950 a 84% em 2010. Ficamos perplexos a indagar: como foi possível expulsar as pessoas de seus locais de origem? Logo num país como o nosso, com tamanha variedade de possibilidades, com tantas potencialidades e atratividades no interior?

Por George Câmara*

Conferência Nacional das Cidades
A ausência de um Projeto Nacional de Desenvolvimento e o desprezo às potencialidades regionais causaram brutal elevação no êxodo rural, inchando as cidades brasileiras. Esse é o resultado do modelo dependente, dirigido por uma elite vocacionada à subserviência. Secularmente incapaz de cuidar do país e do povo, mas muito atenta quando se trata de seus próprios interesses. Invariavelmente, os mais mesquinhos já vistos.

Encurralada e sem oportunidades, a população, ao migrar para as cidades maiores e suas adjacências, aos poucos foi se amontoando nos formigueiros humanos que chamamos de regiões metropolitanas. A busca desesperada pelas oportunidades negadas acabou sendo a genitora de nossas metrópoles. A metropolização à brasileira é produto muito mais da nossa desorganização do que da organização. Não é filha do planejamento, e sim do seu oposto.

Mas como as condições materiais de vida são determinantes para o comportamento das pessoas, temos aí uma das vertentes do caminho encontrado pelos setores mais conscientes e organizados dessas metrópoles em formação: a luta pela melhoria das condições de vida e por cidades mais dignas e humanas, no início da década de 1960. Esse processo foi interrompido por 21 anos de autoritarismo (ditadura militar), seguidos de 2 décadas de neoliberalismo (estado mínimo / desmonte das cidades).

Antes, fazer reunião para discutir qualidade de vida nas cidades era ato subversivo. O que havia de melhor em nossa sociedade pagou elevado preço ao enfrentar tal disparidade, muitas vezes com a própria vida. Logo depois, diante da agenda neoliberal, defender investimentos públicos na infraestrutura urbana era coisa de dinossauro. É só lembrar o pensamento único dominante àquela época, alardeado de norte a sul do país pela mídia brasileira, serviçal do capital financeiro. Com esse tipo de elite, nenhum povo precisa de inimigos.

O resultado é o déficit na habitação de interesse social, no saneamento ambiental, caos na mobilidade e acessibilidade, ilegalidade fundiária, além de absoluta precariedade na prestação dos serviços de saúde, educação, assistência social, segurança, cultura, esporte e lazer, etc. Essa situação trouxe inaceitáveis privilégios para meia dúzia que especularam com o solo urbano, diante da anarquia e do caos instalados nas maiores cidades. Basta perguntar: quem mais ganhou dinheiro e poder com esse modelo de cidade “sem dono”? A voracidade do capital e a tendenciosa “incapacidade” do poder público diante desse quadro fizeram surgir o atual modelo de cidade: especulativa, excludente e desigual.

Com a retomada das lutas populares e a conquista de maiores espaços democráticos, veio a Constituição Federal de 1988. Dedicou um capítulo à Política Urbana (arts. 182 e 183), reconhecendo a função social da cidade e da propriedade do solo urbano. Com a eleição do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, nos últimos 10 anos novas forças políticas se esforçam para dar outro rumo ao Brasil, criando as condições para enfrentar o passivo existente nas cidades brasileiras.

O desafio e a tarefa estão colocados: aplicar os instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), dando um grande passo para tornar as cidades mais humanas. Sair da cidade para poucos e construir a cidade para todos. Não à sua função especulativa, sim à função social. Afinal, “QUEM MUDA A CIDADE SOMOS NÓS. REFORMA URBANA JÁ”.
 

*George Câmara, petroleiro, advogado e vereador em Natal pelo PCdoB (10/06/13) www.georgecamara.com.br
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