Ernesto Guevara e os derivados da indústria do açúcar
O estudo e aproveitamento integral dos subprodutos da indústria açucareira de Cuba tem uma fronteira bem definida: antes e depois do triunfo revolucionário de 1959. As condições socioeconômicas imperantes no país constituíam um freio para o desenvolvimento dos derivados, ainda que existissem algumas produções de álcool e papel.
Por Roberto Salomón*, na Prensa Latina
Publicado 05/06/2013 19:05
Criado pelo Comandante Ernesto (Che) Guevara há cinco décadas, em sua condição então de Ministro de Indústrias, o Instituto Cubano de Investigações dos Derivados da Cana de Açúcar (Icidca) elaborou mais de 250 projetos de desenvolvimento aplicados a diversos campos da economia.
Essa foi uma das principais contribuições da instituição, entre as diferentes reconhecidas recentemente durante as comemorações pela fundação do centro em 23 de maio de 1963.
Foi um momento especial no qual nos lembramos das palavras do líder da Revolução, Fidel Castro, que desde muito cedo diria que "… o futuro da nossa pátria tem que ser um futuro de homens de ciência, de homens de pensamento…".
O legendário guerrilheiro diria naquele momento: "Chegará o dia no qual os derivados da cana de açúcar tenham tanta importância para a economia nacional como a que o açúcar tem hoje".
Segundo relatam colegas vinculados ao Che, quando ele ficou sabendo das características e potenciais da cana, percebeu que podia ser desenvolvido um número importante de produtos de grande valor a partir dessa planta, que permitiriam se livrar da independência da sacarose como produto de exportação, que durante muito tempo esteve submetida a condições desfavoráveis de mercado e preços.
Contam alguns que o Che Guevara se informou, estudando o conhecimento mais avançado no campo dos derivados, dos conhecimentos profissionais de seus colegas mais próximos e levou em consideração as próprias experiências de trabalho.
No momento de dar forma ao novo instituto de pesquisas, surgiam opiniões que favoreciam estabelecer uma organização para a tecnologia açucareira, o que era o mais importante para a economia do país naquele momento, ou outras para incorporar como algo adicional às pesquisas de derivados.
No entanto, prevaleceu o critério do Che de criar o que foi naquele momento e durante muito tempo o Icidca, que em seu interior contaria com uma divisão de tecnologia açucareira, e que em alguns anos mais daria lugar ao Instituto Cubano de Investigações Azucareras (Icinaz).Âá
Tempos depois, pela própria dinâmica de desenvolvimento das pesquisas, foi desenvolvida a construção da planta de papel-jornal Unidade de Pesquisa e Produção de Polpa e Papel Cuba-nove, financiada pelo governo cubano e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Assim, o Icidca foi concebido como o instituto de pesquisa científica e tecnológica que contribuiria para que as potencialidades reconhecidas nos derivados da cana se tornassem realidade sem prejudicar a produção de açúcar.
Como indica seu diretor geral Luis O. Galvez, no 50 aniversário do centro, não exisitam no país antecedentes de pesquisa de valor tecnológico nesse campo.
Somente de maneira muito limitada, alguns químicos tinham levado a cabo em sua maioria trabalhos relacionados com a busca de celulose e polpa química do bagaço.
Não obstante, a ilha já tinha atingido um incipiente desenvolvimento industrial de alguns derivados, particularmente com tecnologias estrangeiras, nos campos do álcool, rum e ração animal, entre outros.
O Icidca foi estabelecido nas instalações do ICIT (Instituto Cubano de Pesquisas Tecnológicas, por sua sigla em espanhol), centro criado de forma apressada pela ditadura de Fulgencio Batista em 1954, sob pressão das recomendações da comissão Truslow do governo dos Estados Unidos, que visitou Cuba para propor um programa de desenvolvimento econômico ao país.
No entanto, esse centro, segundo foi reconhecido depois, esteve longe de ter uma estratégia científica; sua infraestrutura de laboratório e de recursos humanos era limitada, com conhecimento e experiência insuficientes, e eram pesquisados temas que muitas vezes não respondiam às necessidades da ilha.
O Icidca começou a andar com estes antecedentes, urgido pelas respostas às missões que o Che tinha colocado à cargo do centro. Foi muito necessário definir os objetivos imediatos exigidos pelo desenvolvimento da diversificação, ordenar os meios científicos disponíveis e o mais importante, incorporar os profissionais preparados para a tarefa de pesquisa.
Derivados
Graças ao apoio do país inteiro, Cuba chegou a ter na década de 1980 uma das indústrias de derivados mais importantes do mundo, com um espectro de diversificação que incluía ao redor de 35 produtos diferentes que satisfaziam necessidades de várias indústrias.
Dispunha de numerosas instalações produtoras de álcool, fermento Torula, mel proteico e ração animal (o setor contribuía no período de seca com quase quatro milhões de toneladas de nutrientes à pecuária), além de um dos maiores conhecimentos no âmbito da diversificação em todo o mundo.
Infelizmente as condições do chamado período especial deram um duro golpe à agroindústria e, como parte dela, aos derivados, pois teve que paralisar muitas plantas e esperar por épocas melhores nas quais seria possível começar sua recuperação graças à recuperação econômica do país.
Segundo destacou Gálvez, o Icicda conta hoje com um centro de referência de álcoois, e outro para o estudo e tratamento de efluentes e do meio ambiente, além de uma ampla faixa de produtos segundo as necessidades econômicas do país, boa parte deles com o desenvolvimento da produção agrícola nacional.
Um grupo importante favorece o desenvolvimento acelerado das sementes – como é o caso do Fitomas – outro adianta o florescimento, melhorando as condições da matéria prima para sua colheita. Estes são utilizados pelo Grupo Empresarial Azcuba, pelo Ministério de Agricultura e pela Associação Nacional de Pequenos Agricultores, entre outros.
Com seus erros e acertos, como toda instituição com muito tempo, o Icidca (que integra novamente dentro de si o Icinaz e o Cuba-9 depois do surgimento do Azcuba), fez importantes contribuições como conhecimentos e transferência de tecnologia, sendo amplamente conhecido na região e no mundo.
O presidente de Azcuba, Orlando García, explica que essa instituição simboliza o ideário do líder cubano Fidel Castro e do Che na diversificação da cana de açúcar, matéria prima renovável que pode resolver os principais problemas que perturbam a humanidade: alimentação, energia e meio ambiente.
A instituição conta com experiência e força de trabalho capacitada, destacou, e chamou a resgatar a disciplina tecnológica e a eficiência na indústria do açúcar. Como declarou recentemente à Prensa Latina o diretor geral da organização Internacional do Açúcar (OIA), o alemão Peter Baron, o açúcar é atualmente um produto a mais da cana, que contribui com outros elementos tão importantes como energia elétrica, combustíveis, álcoois e muitos mais.
A diversificação é a palavra mágica deste setor. Tudo que quiser subsistir nesse setor terá que se diversificar, sublinhou o executivo da OIA, que reúne mais de 80 países.
*Roberto Salomón é jornalista da redação de Economia da Prensa Latina.