Cuba ou a globalização da solidariedade: a Operação Milagre
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), há atualmente cerca de 285 milhões de pessoas vítimas de deficiência visual no mundo – entre elas, 39 milhões de cegos e 246 milhões que apresentam uma diminuição da acuidade visual. Quase 90% delas vivem em países do Terceiro Mundo.
Por Salim Lamrani, no Opera Mundi
Publicado 01/06/2013 17:42
As principais causas de deficiência visual são os defeitos de refração não corrigidos (miopia, hipermetropia e astigmatismo, com 43%), a catarata (33%) e o glaucoma (2%). Cerca de 80% das deficiências visuais são curáveis, observa a organização, e acrescenta que “a catarata continua sendo a primeira causa de cegueira”. Essas enfermidades oculares afetam, em primeiro lugar (65%), pessoas de mais de 50 anos (20% da população mundial), uma porcentagem que crescerá com o envelhecimento da população, mas também 19 milhões de crianças.
Diante dessa constatação, no marco da Alba, Cuba e Venezuela decidiram lançar em julho de 2004 uma ampla campanha continental sob o nome Operação Milagre. Consiste em operar gratuitamente os latino-americanos pobres que têm cataratas ou outras enfermidades oculares, mas estão impossibilitados de pagar uma operação que custa entre 5 e 10 mil dólares, segundo os países. Essa missão humanitária se estendeu a outras latitudes (África, Ásia). A Operação Milagre inclui a participação de 165 instituições cubanas. Dispõe de 49 centros oftalmológicos em 15 países da América Latina e do Caribe (Cuba, Venezuela, Equador, Haiti, Honduras, Panamá, Guatemala, São Vicente e Granatinas, Guiana, Paraguai, Granada, Nicarágua e Uruguai).
Em janeiro de 2008, foi alcançada a cifra de um milhão de pessoas operadas. Em 2011, mais de dois milhões de pessoas oriundas de 35 países haviam recuperado a visão. No marco dos acordos da Alba, a população venezuelana foi a primeira a se beneficiar da missão, com mais de 178.000 operações realizadas. A Bolívia também se beneficiou amplamente da cooperação médica cubana, com 600.105 pessoas operadas. O presidente boliviano, Evo Morales, saudou a presença dos médicos cubanos, assim como o papel integrador e solidário da Alba.
Outros países também se beneficiaram do internacionalismo humanitário da Operação Milagre. Dessa forma, 100 mil equatorianos, 61 mil nicaraguenses, 61 mil jamaicanos, 50 mil panamenhos, 48.255 brasileiros, 35.245 argentinos, 22.280 peruanos e 312 paraguaios recuperaram a visão. Inclusive cidadãos norte-americanos oriundos dos setores menos privilegiados se beneficiaram da Operação Milagre.
O caso mais emblemático, sem dúvida, é o de Mario Terán, ex-suboficial boliviano aposentado, que assassinou Ernesto Che Guevara em 9 de outubro de 1967 na escola de La Higuera, na Bolívia. Vivia então no anonimato, em Santa Cruz. Sobrevivia graças a sua pequena aposentadoria de ex-soldado e havia perdido a visão por conta de uma catarata que não pôde tratar por falta de recursos. Graças à Operação Milagre, Terán pôde se libertar se seu problema. Pablo Ortiz, jornalista boliviano que trabalha para o jornal El Deber de Santa Cruz, retratou a história: “Terán tinha problemas de catarata e operou graças à Missão Milagre, a médicos cubanos, de modo totalmente gratuito”. Deu mais detalhes: Esse sujeito é um total desconhecido. Ninguém sabe quem é. Está completamente arruinado e se apresentou no hospital da Operação Milagre. Ninguém o reconheceu e o operaram. Foi seu próprio filho quem nos contou, e veio ao jornal para fazer esse agradecimento público”.
Em 2009, por ocasião da intervenção cirúrgica número 10.000, realizada no Centro Oftalmológico José Martí, a Operação Milagre recebeu o Prêmio de Excelência Cidadã, no Uruguai, do Centro Latino-americano de Desenvolvimento (CELADE), que patrocina a Organização dos Estados Americanos (OEA), por seus valores solidários e humanos.
A imprensa canadense relatou, inclusive, que alguns súditos da Coroa britânica carentes de recursos econômicos preferiram ir se curar e serem operados em Cuba, famosa pela excelência de seu sistema de saúde e por seus preços atrativos para os ocidentais.
A Operação Milagre é um exemplo concreto de uma política social eficaz levada a cabo por nações do Terceiro Mundo a favor dos mais pobres. É também uma lição para os países ricos e um chamado a mais solidariedade para com aqueles que Víctor Hugo chamava de a “cariátide”.
*Salim Lamrani Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é intitulado The economic war against Cuba. A historical and legal perspective on the U.S. Blockade (A guerra econômica contra Cuba. Uma perspectiva histórica e legal sobre o bloqueio norte-americano), Nova York, Monthly Review Press, 2013, com um prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.