Mostra de cinema aborda ditadura e resistência na América do Sul
A última ditadura militar argentina (1976-1983) foi uma das mais sangrentas do continente americano. Deixou um saldo de 30 mil desaparecidos ao longo de seis anos marcados por perseguição a opositores, tortura e adoção ilegal dos filhos de prisioneiros políticos.
Publicado 21/05/2013 11:25
O filme Kamchatka (2001) compõe a lista das mais de dez produções argentinas cujo enredo se baseia naquele período. Conta a vida dos perseguidos, dos torturados, dos desaparecidos e o drama de quem sobreviveu. Sua narrativa, no entanto, se diferencia das demais: não aparecem prisões, choques, nem corpos sedados sendo atirados ao mar. Tampouco se assemelha a um filme panfletário.
A história é conduzida a partir do ponto de vista de Harry, um menino de 10 anos. Na história, ele é filho de David, interpretado pelo argentino Ricardo Darín, e de “Mamá”, interpretada por Cecilia Roth, protagonista de Tudo sobre minha mãe, do espanhol Pedro Almodóvar. Em Kamchatka, a violência da ditadura é colocada na tela a partir da história dessa família de classe média portenha, que se esconde da repressão em uma chácara.
A produção argentina é um dos filmes que integram a mostra “A Luta é Contínua”, realizada em São Paulo na Biblioteca Viriato Corrêa. Sua exibição será em 1º de junho às 16h. Contando com Kamchatka, serão exibidos dez filmes a partir desta sexta-feira (17/05). A entrada é gratuita. Para ver a programação completa e a classificação etária, clique aqui.
A escolha da biblioteca para sediar a mostra é proposital, segundo a curadora do evento, Valdirene Gomes, pois naquele local a história oficial está presente através dos livros. “Esse é o debate mais importante da atualidade para nós, brasileiros. Para nos situarmos na nossa sociedade, precisamos entender o passado”, disse.
Paralelamente à mostra, a biblioteca realiza um ciclo de debates sobre a resistência à ditadura, iniciado em 3 de maio e que se estenderá até 28 deste mês.
O filme Kamchatka foi dirigido por Marcelo Piñeyro, mesmo diretor de Plata Quemada, ganhador do Prêmio Goya (1998), e de A história oficial (1985), um dos pioneiros na abordagem do sequestro de bebês durante a ditadura e ganhador de prêmios como Oscar, Globo de Ouro, Cóndor de Plata. Kamchatka foi escolhido para representar a Argentina na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar, de 2002, mas não chegou à seleção final.
Mas não é apenas a ditadura argentina que aparece na mostra. O governo militar brasileiro (1964-1985) é abordado em cinco produções: Ação entre amigos, dirigido por Beto Brandt, Jango, de Silvio Tendler, Em nome da segurança nacional e O fim do esquecimento, ambos de Renato Tapajós, e Eu me lembro, de Luis Fernando Lobo.
Enquanto a Argentina é representada pelo drama, a história brasileira é contada principalmente por documentários. O nome mais famoso é Jango, de 1984. Narrado pelo ator José Wilcker, trata do governo de governo de João Goulart (1961-1964), deposto pelo golpe em 64. A reconstituição da trajetória de Jango é feita a partir de imagens de arquivo e de entrevistas com personalidades como Afonso Arinos, Leonel Brizola, Celso Furtado e Frei Betto. Ganhador de três prêmios e com meio milhão de espectadores, é o sexto documentário de maior bilheteria do cinema brasileiro. Jango será exibido no primeiro dia da mostra. Com a temática brasileira, o único filme de ficção é Ação entre amigos, 1998.
Na programação, há também a trilogia documental A Batalha do Chile, do cineasta chileno Patricio Guzmán. Em preto e branco, retrata a ascensão e queda do governo Salvador Allende (1970-1973) a partir dos gabinetes e das ruas. A produção já ganhou seis grandes prêmios europeus e latino-americanos e foi distribuída em salas comerciais de 35 países. Estreou no Chile em 96, cinco anos depois do fim da ditadura de Augusto Pinochet.
De acordo com Valdirene, a escolha dos filmes da mostra privilegiou aqueles que retratam a participação coletiva contra a repressão, com narrativas de luta coletiva, a partir da disputa de grupos. “A ideia é sensibilizar a juventude e as pessoas da sociedade civil que ainda não se sensibilizaram. É continuar trabalhando o assunto para que aquele passado não volte a acontecer”.
Fonte: Opera Mundi