Gabriel Priolli: Jornalismo e o cemitério de elefantes
Nas oportunidades que tive de cobrir visitas presidenciais e de dignatários norte-americanos ao Brasil, em priscas eras, um aspecto sempre me impressionou muito: a idade avançada dos repórteres daquele país, designados para as viagens.
Por Gabriel Priolli, no Observatório da Imprensa
Publicado 17/05/2013 15:55
“Idade avançada” talvez seja exagerado para profissionais na faixa dos 60 anos, que, com hábitos saudáveis, um bom plano de saúde e um pouco de sorte, provavelmente atingiram os 80. Mas é totalmente cabível, quando o termo de comparação é a imprensa brasileira, em que é cada vez mais raro ver um repórter grisalho em ação, quanto mais um cabeça-branca.
Bem mais jovem que os caras, eu ficava admirado com o grau de informação e a acuidade das perguntas que faziam, tanto a seus governantes quanto aos nossos. Aprendia com a sua capacidade de análise. Invejava a segurança deles, ao enfiar a questão mais cabeluda pelas ventas do entrevistado, em tom bastante agressivo, sem pestanejar nem, muito menos, gaguejar. Aqueles velhinhos abusados eram tudo o que eu queria ser quando crescesse.
Muito bem, eu cresci e hoje sou um deles. Um colega de faixa etária, bem entendido, pois a vida me levou para outras atividades profissionais. A vida e a rotina da nossa profissão. Mesmo que quisesse, que eu ainda preferisse o garimpo da notícia ao tratamento dela, na redação ou na ilha de edição, eu não teria a chance de exibir os meus últimos fios de cabelo encanecidos ao olhar de uma fonte. Lugar de tiozinho, no jornalismo pátrio, é na retaguarda, não na linha de frente. Isso para os poucos que ainda restam na ativa. Para a maioria, lugar de jornalista veterano é a rua mesmo. A da amargura.
Dinossauros de escol
Eu vi quando começou, nos anos 1980, o processo de “rejuvenescimento” da nossa imprensa. Razões administrativas do credo neoliberal determinaram o corte de legiões de coleguinhas maduros, verdadeiras bibliotecas ambulantes, mas também profissionais caros e pouco maleáveis. Em poucos anos, as redações estavam repletas de garotos – sem veteranos à vista para orientá-los, para evitar que cometessem velhos erros. Por melhores que fossem – e muitos eram –, eles não tinham ainda o conteúdo e o senso crítico que só a vivência oferece. Não tenho dúvidas de que esse foi um fator, entre outros, do empobrecimento do nosso jornalismo.
Hoje vejo à minha volta jornalistas veteranos, ainda com muita lenha para queimar, angustiando- se no desemprego, na inatividade forçada. Repórteres e outros mais: fotógrafos, editores, cinegrafistas, a fauna inteira. Lembro o quanto aprendi com Samuel Wainer, Osvaldo Peralva, Newton Rodrigues ou Cláudio Abramo, já lendários dinossauros quando os conheci, apenas de conviver com eles no dia a dia. E lamento que os novos profissionais e o público não tenham mais a oportunidade de beber na fonte da sabedoria acumulada.
*Gabriel Priolli foi editor executivo e diretor de redação de Imprensa entre 1987 e 1991; hoje é produtor independente de TV. Título do Vermelho