A Europa afunda na crise
Queda no PIB na França e crescimento mediocre na Alemanha empurram a zona do euro para a recessão; crescem as pressões contra as políticas de "austeridade".
Por José Carlos Ruy
Publicado 16/05/2013 18:45
Os dados divulgados nesta quarta-feira (15) que revelam o mau desempenho da economia europeia não podem ser encarados com surpresa, mas como resultado de políticas ditas de “austeridade” (na verdade de arrocho) postas em prática por governos neoliberais que jogam os custos da crise sobre os ombros dos trabalhadores e do povo, para salvar o capital e preservar seus interesses.
O receituário é conhecido: cortes nos gastos públicos, redução nos benefícios sociais e o arrocho salarial estão entre as medidas de “austeridade” (de arrocho) mais comuns. Elas trazem embutidos resultados que desmentem as promessas que as justificam. Os propagandistas da “austeridade” garantem que são necessárias para sanear a economia e criar as condições para o desenvolvimento e a criação de empregos.
Os povos da América Latina conheceram, sobretudo nas décadas recentes, os efeitos maléficos dessa falácia: paralisia econômica, desemprego, pobreza, carências de todo tipo, ao lado de uma exponencial concentração de renda que fortalece a pequena minoria de milionários.
É a realidade que a Europa vive nestes dias, uma Europa que repete a dura e nefasta experiência dos povos latino-americanos entre as décadas de 1980 e1990.
A falência da política neoliberal, da “austeridade”, é retratada pelos dados divulgados pelo Eurostat, a agência europeia de estatísticas. As duas maiores economias do continente vão mal das pernas. No primeiro trimestre do ano o escorregão francês jogou a segunda maior economia da Europa na recessão: o recuo do PIB, na França, foi de 0,2%, colocando o país em recessão (que ocorre quando a economia tem queda por dois trimestres consecutivos – a França também registrou um valor negativo no PIB no último trimestre de 2012).
A Alemanha raspou a trave com o crescimento medíocre, de 0,1%, no primeiro trimestre de 2013, saindo do recuo enfrentado no final de 2012, quando baixou 0,7%.
A recessão atinge o conjunto da zona do euro, que teve queda de 0,1% no PIB no primeiro trimestre, e de 0,7% no último trimestre de 2012, informou a Eurostat. São as cores expressivas da crise que se prolonga no continente e que fez submergir países como Irlanda, Grécia, Portugal, Chipre, vai envolvendo gigantes como Itália, França e Espanha. E ronda com força a Alemanha onde o Banco Central, pouco otimista, projeta um crescimento de 0,4 % em 2013, e 1,8 % em 2014. Pessimismo compartilhado pelo presidente francês, François Hollande, para quem a França pode não crescer em 2013. "É provável que o crescimento seja nulo", disse.
Um economista, Guillaume Cairou, dirigente da empresa de consultoria Didaxis e do Clube de Empreendedores da França, fez uma afirmação que ajuda a entender o problema. "A situação das empresas na economia real é grave e mais série hoje que em 2008", disse. Sua frase permite a conclusão de que a crise atinge o capital produtivo (a “economia real”), mas passa ao largo da especulação financeira.
O objetivo das políticas de “austeridade” é justamente este – reduzir o ritmo da produção, travar o consumo, reduzir salários, tudo isso para salvar os interesses do grande capital especulativo. “A Europa está sufocando”, gritou um jornal polonês, o Gazeta Wyborcza, apontando o dedo acusador para a política de “austeridade”: “Apertar o cinto nos conduz para a recessão”, advertiu, com razão, no momento em que a Polônia anunciou o crescimento medíocre de 0,4% no trimestre, o pior desde 2009. Se esta política continuar, afirmou, “vamos ver mais países entrarem na bancarrota”.
Cresce, por todos os lados, a pressão contra as políticas econômicas neoliberais. Na França, mesmo figurões do Partido Socialista, que está no governo, pedem medidas econômicas pelo crescimento e emprego. A Frente de Esquerda (integrada pelo Partido Comunista Francês) não poupa o presidente François Hollande, a quem acusa: "a culpa (da recessão) é de François Hollande e da sua política de austeridade".
O resultado mais visível da “austeridade” é o desemprego, que se espalha na zona do euro como uma epidemia, e atingiu o recorde de 12%, altíssimo para os padrões europeus. E é ainda mais alto nos países onde a crise é mais aguda. Na Grécia e na Espanha, atinge inacreditáveis 27%; na França, Itália e Portugal, alcança o escandaloso índice de 16%.
A concentração de renda é outro resultado, não tão visível mas igualmente escandaloso. Na Inglaterra, por exemplo, os níveis de desigualdade de renda voltaram aos de 1918, revelou um estudo do pesquisador Danny Dorlling, da Universidade de Sheffield. É uma faceta da situação da riqueza no mundo, agravada por décadas de políticas econômicas neoliberais baseadas na “austeridade”.
Um relatório recente do banco Credit Suisse mostrou a concentração de riqueza no mundo. Em 2012, os 29 milhões de seres humanos mais ricos (com renda acima de US$ 1 milhão) representavam apenas 0,6% da população mundial mas controlavam 39,3% da renda total (US$ 87,5 trilhões). Na outra ponta, os 3,2 bilhões de mais pobres (com renda inferior a US$ 10 mil) eram 70% da população mas tinham apenas 3,3% da renda global (US$ 7,3 trilhões). Isto é, cada um dos mais ricos tinha, em média, US$ 3 milhões; entre os mais pobre a média caia para US$ 2.280. Ou seja, os mais ricos tinham 1.300 vezes mais riqueza que os mais pobres.
Neste quadro, qualquer alegação de “austeridade” cujo objetivo não seja redistribuir a riqueza produzida pela humanidade, e o acesso a ela, é mentirosa. Não passa de cortina de fumaça para ocultar os privilégios dos donos do grande capital, cujos lucros são multiplicados pelas políticas de “austeridade” que tiram do povo e dos trabalhadores para engordar as contas bancárias dos que estão no topo da pirâmide.
Nesta situação, o povo e os trabalhadores da Europa se juntam à imensa fila dos prejudicados pela especulação financeira e pela orgia capitalista, fila que se estende pela América Latina, Ásia e África e agora incorpora os europeus.