Partido Comunista Francês: "Trabalhamos por política alternativa"
O secretário nacional do Partido Comunista Francês, Pierre Laurent, liderou uma delegação em visita à sede do Comitê Central do PCdoB em São Paulo, nesta segunda-feira (13), para um encontro fraternal com membros da direção do Partido. Na ocasião, o Portal Vermelho fez uma entrevista exclusiva com Laurent sobre a perspectiva socialista da crise na Europa e na França, as alternativas da esquerda, a mobilização popular e a política internacional.
Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho
Publicado 15/05/2013 11:33
No encontro, o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, fez uma exposição sobre a conjuntura nacional e os desafios do Partido, e Laurent falou dos rumos do seu partido na França e na Europa em meio a uma crise multifacetada, desde 2008.
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Pierre Laurant foi eleito secretário nacional do PCF em 2010, e é também o presidente do Partido da Esquerda Europeia, no Parlamento Europeu, senador e mestre em economia. No cenário político francês, seu partido integra a Frente de Esquerda, um grupo de partidos com uma agenda comum, contrária às medidas de austeridade neoliberais impulsionadas pelo governo direitista do ex-presidente Nicolás Sarkozy.
Num contexto de crise alastrada pela Europa, com a imposição de medidas austeras pela “troika” (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia) a países como Portugal, Espanha e outros que peçam o “resgate” financeiro, os movimentos populares e a esquerda saem às ruas para denunciar o ataque aos direitos dos trabalhadores e o corte dos gastos sociais.
“A maioria dos países europeus está em recessão”, afirma Laurent, em uma Europa com mais de 23 milhões de desempregados e que assiste ao maior êxodo dos últimos 50 anos. Para o francês, as medidas de austeridade apenas agravam a crise, e o populismo da extrema-direita, com discursos xenófobos e demagógicos, aprofunda a divisão entre o povo. Leia a seguir a entrevista feita pelo Portal Vermelho.
Portal Vermelho – Poderia caracterizar os aspectos fundamentais da crise na Europa em geral e na França em particular? Que avaliação o PCF faz da conjuntura atual?
Pierre Laurent – A Europa atravessa uma crise bastante grave desde 2008, uma crise financeira, econômica, social e política. Esta é uma crise do capitalismo financeiro e do mercado financeiro, e o poder do dinheiro tem feito o povo europeu pagar [por ela], atacando todo o sistema social, o que dá mais força à crise financeira. São ataques sistemáticos contra os salários, uma explosão do desemprego e da precariedade, um ataque contra os serviços públicos, ao sistema de proteção social, da saúde, entre outros. Por isso, houve um recuo bastante forte na condição social.
Na França, por exemplo, atingimos o recorde histórico na taxa de desemprego, com cinco milhões de pessoas desempregadas. A política de austeridade só tem mergulhado a Europa na recessão; a maioria dos países europeus está em recessão, e a França também entrou em recessão, e no momento há muita vontade de reverter essa situação, da parte da população. Nós pensamos que se se mantiver essa política de austeridade, a crise apenas será agravada, e trará graves consequências políticas, as crises políticas e democráticas serão agravadas na Europa, com o risco de impulsionar as forças populistas de extrema-direita, que exploram a crise para opor os trabalhadores, para desenvolver o racismo, a xenofobia, e para dividir os europeus.
Nós propomos uma saída à crise com propostas opostas [à austeridade]; pensamos que é preciso parar com as políticas de austeridade e engajar a Europa em um programa de desenvolvimento social, em matéria de emprego, educação, saúde, e também na área industrial. Na França perdemos 700.000 empregos na indústria em 10 anos, e precisamos relançar uma nova política industrial que possa combinar a indústria e a transição ecológica. Propomos lançar uma grande reconquista industrial e um [marco] produtivo de transição ecológica; por isso, pensamos ser necessário mobilizar o dinheiro e a riqueza disponível, fazer uma grande reforma fiscal para reduzir as irregularidades e taxar as fortunas, e reorientar a riqueza das empresas para os investimentos.
Acreditamos que é preciso recriar uma grande divisão pública bancária, mudar o papel do Banco Central Europeu (BCE), que financia o mercado financeiro mas se recusa a financiar o desenvolvimento social. Na França, a situação é particular, porque a esquerda francesa teve uma vitória importante contra a direita de Nicolás Sarkozy, que aplicou com brutalidade a sua política neoliberal. Mas um ano depois, o governo socialista [do presidente François Hollande, eleito em 2012 pelo Partido Socialista] renunciou a muitas políticas de mudança, e há uma forte decepção popular com relação ao governo.
Por isso, no PCF, com a Frente de Esquerda (uma aliança da esquerda dos trabalhadores), decidimos relançar uma dinâmica de mobilização popular contra a austeridade e para exigir uma mudança de direção nas políticas governamentais. Neste sentido, fizemos uma manifestação em Paris, em 5 de maio, com mais de 180 mil pessoas; organizamos a articulação das forças de esquerda francesas que recusam a austeridade, para criar na esquerda uma alternativa à política governamental, para fazer frente ao risco da volta da direita ao poder, com base na decepção popular.
Vai neste sentido também a próxima pergunta, sobre as últimas eleições, vencidas por Hollande com os votos da esquerda, mas que hoje tem um baixo índice de aprovação. A Frente de Esquerda participou daquelas eleições, com Jean-Luc Mélenchon como candidato; como avalia os resultados obtidos pela frente? E nesta agregação, como se vê o PCF, como sujeito político autônomo, no futuro próximo?
A Frente de Esquerda, que criamos em 2009, foi impulsionada com as eleições presidenciais do ano passado. No final, conseguimos 11% entre quatro milhões de votos, e François Hollande, para obter a vitória, escolheu um discurso mais à esquerda. Notadamente, se engajou na luta contra as finanças, se comprometeu a combater a política de austeridade europeia, e hoje, a Frente de Esquerda é mais forte, para se dirigir à política de Hollande. Nós conhecemos o risco de Hollande não manter o seu engajamento, porque o seu discurso, na campanha, tornou-se bastante ambíguo. Por isso, a Frente de Esquerda decidiu não participar no governo.
Hoje, tem a sua autonomia e a sua credibilidade para exigir uma mudança nas políticas do governo, e para dirigir-se a todos que não se reconhecem na política governamental, ainda que tenham votado em François Hollande. Por isso, empreendemos, com a Frente de Esquerda, um trabalho para relançar a dinâmica e dizer a todos que votaram pela mudança no ano passado que, com a Frente de Esquerda, devem se mobilizar para obter esta mudança na política governamental.
Acreditamos que é possível criar uma nova dinâmica para mudar essa orientação. Entretanto, esta é uma batalha política bastante forte e necessária, porque as resistências contra a mudança são muito relevantes; o poder financeiro e o poder da direita estão bem mobilizados para impedir que a mudança avance.
Na Frente de Esquerda, o Partido Comunista sempre conservou a sua autonomia de ação. Não queríamos que a frente fosse um partido, mas sempre privilegiamos a fórmula de uma frente unitária, aberta aos que a componham, mas em que cada força política mantenha a sua autonomia. Esta é uma fórmula progressista porque permitiu que partidos pequenos se incorporassem à frente, e acreditamos que novas forças podem continuar a vir, preservando a fórmula de que cada partido conserva a sua identidade.
No Partido Comunista, isso permitiu que ele fosse fortalecido dentro da Frente de Esquerda, com o seu crescimento, com novas adesões, e permitiu que preservássemos a nossa autonomia de proposições programática, mas também de estratégia política. Há debates dentro da frente, ela não é unânime. Há principalmente debates sobre a orientação da Frente de Esquerda, mas dessa forma o Partido Comunista pode desempenhar um papel ativo nesse debate. Agora, a fórmula tem sido aceita amplamente dentro da frente, essa forma de funcionamento, com uma coordenação política dentro dela.
E atualmente, há um debate político sobre a postura do PCF? Ele é “a situação”, ou é da oposição, como dizemos aqui? Como vocês se classificam?
Nós somos contrários à política governamental atual, votamos contra o orçamento apresentado no parlamento no Outono [do hemisfério norte] de 2012, nos opusemos, no parlamento, durante a votação de textos importantes, como sobre a reforma trabalhista que o governo vem impondo contra a vontade dos sindicatos maioritários. Por isso, somos claramente da oposição, nessas políticas governamentais.
Porém, ao mesmo tempo, nos preocupamos com os eleitores que compuseram a maioria popular, porque com essas políticas, o governo vira as costas à maioria, e nós continuaremos nos dirigindo a esta maioria popular. Queremos construir uma nova alternativa à maioria governamental atual, e há atualmente, por exemplo, os ecologistas, que fazem críticas similares às nossas, e os próprios membros da esquerda no Partido Socialista começam a ter um discurso bastante crítico. Por isso, a nossa vontade é reconstruir uma nova maioria política de esquerda.
Na perspectiva da luta popular contra as medidas de austeridade do governo, recebemos no Brasil a notícia de que, em 5 de maio, cerca de 180 mil pessoas saíram às ruas em Paris, para protestar contra elas e por um novo acordo político nacional. Seria essa a estratégia popular, as manifestações de rua?
Nós acreditamos que para construir uma política alternativa a essas de austeridade, é preciso aliar uma estratégia de mobilização popular nas ruas, com ações, e ao mesmo tempo, a uma batalha política para construir um novo programa, uma contrapolítica de maioria. A mobilização popular é necessária por duas razões: compreende uma manifestação da população que, desde a vitória da direita, empenhou-se em ocupar a rua e fez muitas manifestações importantes; e em segundo lugar, as pessoas que querem mudança e que estão decepcionadas pela política de François Hollande. É preciso retomar a confiança da força coletiva e a mobilização popular é uma forma de demonstrar que a nova maioria é possível, que não estamos isolados.
Ao mesmo tempo, é preciso colocar o debate em um setor mais amplo da esquerda, para construir uma política alternativa à austeridade. Por isso fizemos a manifestação popular do 5 de maio, e com bastante gente, temos a base política para a refundação social e democrática. Convidamos todas as forças de esquerda que se opõem à austeridade para comparecer, para construirmos uma contrapolítica que possa abrir o caminho a uma alternativa política.
Com relação à conjuntura internacional, acompanhamos o papel da França no Mali (desde a intervenção militar Operação Serval, lançada em janeiro), o fato de a França integrar a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), e a constante iminência de mais intervenções militares no Oriente Médio e a África. Como o PCF analisa este papel da França?
Nós somos a única força política contrária à intervenção na votação realizada no Parlamento, quatro meses depois do seu início. Isso precisa de explicações porque além das forças jihadistas, há forças democráticas no Mali, favoráveis à intervenção militar francesa. Por isso, tivemos muito trabalho para explicar a nossa posição e os perigos da ação. Acreditamos que as causas da situação no Mali são profundas, baseadas no subdesenvolvimento, na desestabilização do Estado, com políticas neocoloniais, pela religião, e por consequências da guerra na Líbia, com Sarkozy e com o apoio dos estadunidenses.
Não há uma solução militar para a situação atual do Mali, a solução é política, com novas políticas de desenvolvimento, de consolidação política e democrática do Estado malinês. O país continua engajado em uma política de alinhamento na Otan; a França não só continua com essa política mas também participa do dispositivo internacional da Otan, especialmente na África. Essa é uma situação que nos inquieta, e também nos mobilizamos por uma mudança na política internacional francesa, pela saída da Otan, pela modificação da política europeia, que é uma política vinda dos EUA. Além disso, também defendemos a dissolução da Otan.
Ainda sobre a política internacional, observamos os esforços do PCF para reforçar as relações com a esquerda latino-americana, como com a presença do partido no Foro de São Paulo, com as visitas ao Brasil, à Venezuela, a Cuba, entre outros. Como acha que a esquerda latino-americana pode ajudar nos esforços da esquerda europeia? Sem querer dizer que a América Latina pode ser um exemplo, mas como a nossa experiência pode ser útil aos seus esforços?
O desenvolvimento de cooperação política entre as forças de esquerda europeias e a forças de esquerda latino-americanas é um eixo estratégico. É por isso que decidimos vir à América Latina, e por isso trabalho, com o Partido da Esquerda Europeia, que presido, para reforçar os laços entre os partidos da esquerda latino-americana e da europeia.
É importante porque a cooperação entre as forças de esquerda da América Latina e o caráter estratégico da integração latino-americana são elementos muito relevantes no fortalecimento dos processos de esquerda na região. Os trabalhos no Foro de São Paulo são conduzidos de forma bastante aberta; trabalham juntas, as forças de esquerda, na diversidade. Acredito que precisamos, na Europa, de um trabalho equivalente, pois também temos uma grande diversidade de forças de esquerda e comunistas e precisamos construir uma unidade política bastante mais forte do que temos hoje. Somos muito dispersos, apesar de termos trabalhado e conseguido pontos importantes.
A forma com que esse trabalho de união foi construído na América Latina nos interessa, por isso, por exigir um modelo novo, que não pode ser imitado, mas que pode ser um exemplo, com experiências que enriquecem mutuamente. Buscamos uma nova forma de internacionalismo cooperativo, aberto, sem sectarismos, que permita a cada um progredir.