Haroldo Lima: O Brasil precisa retomar a exploração petrolífera
O governo federal autorizou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) a retomar as licitações para blocos exploratórios de petróleo e gás. Depois de quatro anos sem rodadas, o setor petrolífero já estava enfrentando graves problemas. A noticia foi bem recebida. Mas alguns setores ainda se perguntam se é o caso de fazer licitação de blocos petrolíferos.
Por Haroldo Lima*, especial para o Vermelho
Publicado 14/05/2013 07:25
Explorar e produzir petróleo e gás no Brasil é uma prática regida por lei, a Lei 9.478 de 1997, chamada Lei do Petróleo. Esta diz, em seu artigo 23, que as atividades de explorar e produzir petróleo e gás natural no território nacional “serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação”.
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Desde que essa lei foi votada no Congresso e sancionada pelo presidente da República, o mundo do petróleo tomou consequentes medidas para se adequar a ela. E, há quinze anos, todas as empresas que exploram ou produzem petróleo no Brasil, a começar pela Petrobras, o fazem em áreas sob concessão, adquiridas através de licitação. Já foram feitas dez Rodadas de Licitações, onze, se contarmos com a Rodada Zero, aquela que começou o processo e na qual a Petrobras indicou todas as áreas onde estava e queria continuar trabalhando, o que lhe foi concedido, sem licitação.
O fato é que, de lá para cá, se não há licitação, não haverá novas áreas para exploração de petróleo e gás no Brasil. E o Brasil tem uma enormidade de bacias sedimentares, em terra e mar. Só 4 a 5% dessas bacias estão em processo de exploração e produção. O próprio conhecimento geológico delas, pelos métodos sísmicos modernos, é muito limitado, não chega a 10%.
Questão crucial se coloca com a atividade exploratória, que no jargão do petróleo é aquela que, através da perfuração do poço, vai em busca do óleo, ao encontro da jazida. O Brasil, como todo país de grande extensão territorial e que tem ou busca encontrar petróleo, procura manter sempre uma grande “área em exploração”.
Ocorre que a “área em exploração” tende naturalmente a diminuir e acabar, posto que, se nela ocorre uma descoberta comercial, ela deixa de ser “área em exploração” e passa a ser “área em produção”, e se nela não se descobre hidrocarboneto ela é devolvida à União, voltando para o controle da ANP, e também deixa de ser “área em exploração”. Resulta que, se periodicamente, não se acrescentam novas áreas para exploração, para compensar as que deixaram de ser, a exploração petrolífera definha. E acrescentar áreas em exploração significa, no Brasil, fazer licitação, como manda a Lei.
Quando esse processo é quebrado, e, por ausência de licitação, deixa-se de realimentar a exploração, o setor petrolífero, normalmente muito dinâmico, passa a sofrer uma atrofia de sua atividade. A repercussão é imediata sobre o desenvolvimento, sobre o emprego, que caem.
É o caso de agora, quando já estamos há quatro anos sem fazer licitação. As pessoas do ramo sabem que empresas, que já não têm o que explorar, remanejam ou despedem seus técnicos em exploração e seu operariado categorizado. Grandes companhias, mesmo brasileiras, procuram novos países para investir, o que tem acontecido amiúde. Médias e pequenas empresas, em geral brasileiras, criadas na base do esforço recente da ANP de alicerçar esse segmento industrial no Brasil, quando não veem perspectivas de novas áreas para explorar, mourejam em dificuldades e vão mudando gradativamente os focos de seus investimentos, vão saindo do ramo. A ANP, que mantém organismos como a Superintendência de Delimitação de Blocos, a Superintendência de Promoção de Licitações, a Superintendência de Exploração, todas com bom número de pessoal e com gente de alto nível técnico, fica com esses organismos e esse pessoal subutilizados ou ociosos, além de insatisfeitos.
E agora vem o mais importante, mais dramático, mais perigoso. É que, com a inexorável tendência à diminuição da “área em exploração”, em não havendo acréscimo de novas áreas, a “área em exploração” no Brasil hoje, depois de quatro anos sem licitações, e com a anulação da 8ª Rodada, está no menor nível desde que surgiu a ANP! Levantar a hipótese de não haver a 11ª Rodada é não agregar novas áreas para exploração a curto prazo, o que poderia, sem exagero, conduzir nosso país à esdruxula situação de, mesmo sendo um grande país, e de ter petróleo, não o estar explorando.
Resta saber a quem interessaria semelhante desfecho. É claro que não é ao Brasil, mas isto seria o resultado inevitável da política de não ter licitação. Poder-se-ia dizer que setores que defendem esse ponto de vista querem, por outro lado, não estagnar tudo, mudar a lei, fazer voltar o monopólio estatal, que praticamente acabou no mundo. Vamos por partes.
Digamos que esse ponto de vista comece a ser maturado. A 11ª Rodada teria que ser suspensa, enquanto vai-se à cata de novo projeto de lei para tramitar, em circunstâncias anormalmente difíceis, no Congresso. E enquanto as coisas estiverem navegando nesse mar tumultuado, eis que um belo dia a grande mídia estampa escandalizada e escandalizando: “Governo deixa acabar a exploração do petróleo no Brasil”. E pronto. A direita, sem bandeira, ganharia um fôlego enorme.
E assim é. A ideia de suspender os leilões de blocos exploratórios, pelo que contribui para a redução da atividade no setor petroleiro, pelo que contribui para agravar a crise econômica que nos espreita e, sobretudo, pela ameaça que leva à atividade exploratória no Brasil, é uma ideia retrógrada, politicamente de direita, para usar uma linguagem da esquerda histórica à qual pertenço. Setores minoritários de esquerda, ainda envolvidos com esse ponto de vista, devem dele se afastar, resolutamente, pois não se sabe que interesses representa, de boa ou má fé, mas que não são interesses da nação brasileira.
Já foram bem mais numerosos os que levantavam a luta contra os leilões de petróleo. Os que sobrevivem dizem querer defender a Petrobras. Também aí vamos por partes.
A Petrobras surgiu no bojo de um grande movimento nacionalista, em que a esquerda e os comunistas tiveram enorme importância, num tempo em que o setor de petróleo no mundo era dominado por algumas grandes companhias, destacadamente um grupo chamado de “sete irmãs”, há 60 anos. Hoje essas sete irmãs são quatro e as sete maiores empresas do mundo são todas estatais. Para se ver como as coisas mudam. Mas, naquela época, se não fosse o monopólio estatal do petróleo, a Petrobras não sobreviveria. O povo brasileiro pagou caro, e pagou certo, para ter uma grande companhia do petróleo. Deu a essa empresa o seu território e o seu mercado de combustíveis. Cobrou-lhe baixos royalties e não cobrava royalties no mar. Tudo isso para que a empresa se pusesse de pé. E ela se pôs.
Quarenta e quatro anos depois, quando no Brasil prevalecia uma onda neoliberal, o governo da época encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 6, para pôr fim ao monopólio estatal do petróleo. Era um tempo em que eu estava na Câmara. Com toda a turma progressista, estremecemos. Estávamos convencidos de que, em seguida, viria o pior, a privatização da Petrobras. Eles já tinham falado em mudar o nome da empresa para Petrobrax. Alguns de seus líderes mais destacados defendiam abertamente essa posição. O deputado Luis Eduardo Magalhães, que foi Líder do PFL e Presidente da Câmara, em 29/11/1991, discursou dizendo ser necessário “privatizar empresas do porte da Telebras e Petrobras”. Fechamos posição. Fomos contra tudo o que se relacionasse com a privatização da empresa.
A PEC foi aprovada na Câmara por uma surpreendente maioria de 200 votos, incomum naquela época. A batalha passou para o Senado. Aí, nós, do setor nacionalista, articulamos uma emenda apresentada pelo senador Ronaldo Cunha Lima, da Paraíba, que dizia que a quebra do monopólio seria aprovada, com a observação de que a Petrobras não seria privatizada. O governo de FHC imediatamente reagiu e seu líder, o senador Élcio Alvares, do Espírito Santo, fechou posição contra. Tudo ficou claro. O plano era privatizar a Petrobras.
Só nos restava correr para a última trincheira, o presidente do Senado José Sarney, que é quem organiza a pauta do Senado. E o Sarney comunicou publicamente ao presidente Fernando Henrique que ele só poria a PEC 6 em votação se o presidente colocasse por escrito que não iria encaminhar a privatização da empresa. E qual não foi nossa alegria e surpresa quando o presidente, premido por essa situação, encaminhou em 9 de agosto de 1995, uma carta ao presidente do Senado dizendo que ele se comprometia em não encaminhar a privatização da Petrobras.
Desta forma, o modelo do setor do petróleo que está em vigor – de “mercado aberto com presença estatal” – de forma alguma foi criado pelo governo neoliberal, que queria privatizar a estatal, como foi feito na Argentina. Esse modelo foi conseguido na luta, com greve na base e com muita movimentação na frente parlamentar. A Agência Nacional do Petróleo surgiu como a única agência que ia regular um setor onde não houve privatização.
Com base nesse modelo, e com direção firme da empresa e da Agência Reguladora, a Petrobras cresceu como nunca nos governo de Lula e nos dois anos de Dilma. Antes da quebra do monopólio, em 1997, seu lucro líquido, no governo de FHC, foi de R$ 1,37 bilhão. Dez anos depois, em 2007, no governo Lula, já estava com R$ 21,50 bilhões, chegando ao recorde de R$ 35,19 bilhões em 2010, e permanecendo no governo Dilma com média acima da de Lula, R$ 27,25 bilhões, entre 2011 e 2012.
Ameaças à Petrobras existem, mas de outra monta. A revista Época, de 10 de novembro de 2012, fez enorme matéria dizendo: “Por que privatizar a Petrobras”. Também pregando a privatização, O Globo estampou em 14 de março de 2013 a matéria “As estatais não têm jeito”. E divulgou-se a informação de que a presidenta da Petrobras “recebeu plano para salvar a Petrobras”. O plano era para “reverter a capitalização de 2010”, que foi a maior do mundo, e para tirar da Petrobras os cinco bilhões de barris de petróleo que lhe foram dados de forma onerosa pelo governo, quando da implantação do novo marco regulatório para o pré-sal. Segundo o plano salvador isto estaria onerando a Petrobras. Ou seja, para “salvar” a Petrobras pretendiam tirar-lhe os ativos.
Defender a Petrobras é pôr os interesses nacionais acima dos interesses corporativos, é defender a sua condição de estatal contra os privatistas que estão amoitados, é defender o avanço, e não o retrocesso, da exploração e produção de petróleo no Brasil, através das licitações, previstas em lei.
* Haroldo Lima é consultor na área do petróleo, ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB.