Especialistas defendem alterar Lei da Anistia para punir tortura
Audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara debateu, nesta quinta-feira (9) o Projeto de Lei que altera a Lei da Anistia. O projeto, de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), recebeu apoio dos palestrantes, a exceção do general de Brigada do Exército Luiz Eduardo da Rocha Paiva e o desembargador Paulo Guilherme Vaz de Mello, que alegaram que tortura não era crime tipificado na época da ditadura militar.
Publicado 09/05/2013 16:20
O projeto exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura militar (1964-1985) aqueles cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que praticaram crimes políticos. Decisão do Supremo Tribunal Federal de 2010 considerou que os crimes comuns praticados por agentes púbicos contra os oponentes da ditadura também seriam anistiados pela lei de 1979.
O representante da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Belizário dos Santos Júnior, defendeu o reexame da Lei de Anistia, a partir da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), que determinou a anulação de dispositivos legais brasileiros que impedem a punição dos responsáveis por crimes cometidos por agentes públicos, civis e militares durante a ditadura.
Ele defendeu a aprovação do projeto de Erundina para que a decisão da Corte Interamericana possa ser cumprida. Belizário dos Santos destacou ainda que os casos de desaparecimento de pessoas não se enquadram na decisão do STF.
O representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), César Britto, que também defendeu o projeto de Erundina, disse que a Constituição brasileira determina claramente que alguns crimes não podem ser objeto de anistia, como os crimes de tortura. “Crimes contra a humanidade não podem ser objeto de perdão”, disse Britto. Segundo ele, a OAB apoia a proposta.
"Crime imprescritível"
O professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Konder Comparato, ressalta que a tortura é um crime contra a humanidade (crimes em que é negada a condição de ser humano à vítima) e, portanto, imprescritível, podendo ser julgado e punido a qualquer tempo.
De acordo com o jurista, o Brasil é o único país da América Latina a continuar sustentando a validade da autoanistia. Países vizinhos que viveram ditaduras, como Argentina, Uruguai e Chile, já julgaram os crimes cometidos no período, e os responsáveis estão presos. Comparato ressalta que, em vez de anular a Lei de Anistia, a proposta de Erundina altera a legislação para permitir a punição dos responsáveis por atos de violência contra pessoas consideradas “subversivas” na ditadura.
Na visão do professor Pedro Dallari, também da Faculdade de Direito da USP, a Lei de Anistia, chamada às vezes de “Lei de Esquecimento”, não pode ser a Lei do não Conhecimento. “Não se pode esquecer daquilo que não se sabe, daquilo que nunca foi objeto de apuração adequada pelo Poder Público”, opinou o professor .
Dallari reiterou a necessidade de o Brasil cumprir as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo ele, o Congresso Nacional reconheceu a jurisdição da corte. “A sentença independente de homologação e deve ser executada”, afirmou.
Fora da lei internacional
A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou, em 2010, o Estado brasileiro por não ter investigado o desaparecimento de 64 opositores ao regime ditatorial durante o confronto com os militares na chamada Guerrilha do Araguaia. Além disso, determinou a anulação de dispositivos legais brasileiros que impedem a punição dos responsáveis por crimes cometidos por agentes públicos, civis e militares durante a ditadura.
Decisão do STF de 2010 considerou que os crimes comuns praticados por agentes púbicos, civis e militares, contra os oponentes ao regime político então vigente, também seriam beneficiados pela Lei da Anistia.
Conforme Erundina, a mudança permitirá que agentes públicos responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura, como tortura, assassinato e desaparecimento de corpos, sejam punidos.
O projeto foi rejeitado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara e está em análise na CCJ. Na CCJ, recebeu parecer contrário do relator, deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF). O parecer aprovado na Comissão de Relações Exteriores disse que o Brasil não tem obrigação de cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e que deve seguir sua Constituição.
“Porém, o respeito à Constituição não exclui o respeito a tratados internacionais; o Brasil aderiu voluntariamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos”, destacou Comparato. “Se não respeitar a decisão da corte, o Brasil se colocará como país fora da lei no plano internacional”, complementou.
Da Redação em Brasília
Com Agência Câmara