A luta pela moradia na Grande Aracaju

O centro de Aracaju amanheceu nesta segunda-feira (6) com mais um prédio ocupado por centenas de famílias que lutam pelo direito à moradia digna. Dessa vez, o local escolhido foi um prédio particular abandonado desde quando foi construído há 15 anos.


foto: Brasil de Fato

“Esse prédio nunca foi utilizado, quando a construção estava acontecendo, descobriu-se que desrespeitava o Plano Diretor do município com relação à margem de calçada. Ou seja, a construção não cumpre a sua função social. Por isso, decidimos ocupá-lo”, conta a coordenadora do Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (Motu), Dalva Angélica.

A ocupação desta segunda-feira não é uma ação isolada, mas compõe um conjunto de atos públicos e manifestações que estão acontecendo nestes primeiros meses de 2013, revelando que, por trás da “qualidade de vida” anunciada nos cartões postais e publicidade oficial, há uma realidade de desigualdade social na capital sergipana, principalmente quando o assunto é moradia.

Dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, na Grande Aracaju (que, além da capital sergipana, engloba os municípios de Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão), cerca de 83 mil pessoas vivem em aglomerados subnormais. Isso significa que, aproximadamente, 11% da população local têm como residência favelas, invasões, palafitas e mocambos. Aliado à moradia indigna, saneamento, água e energia são direitos básicos ainda negados a essa importante parcela da população desses municípios.

O IBGE define como aglomerado subnormal “cada conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa”. Por isso, para o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe, Neilson Santos Menezes, a quantidade de pessoas vivendo (sobrevivendo, resistindo) em áreas e locais inadequados pode ser ainda maior. “É de se supor que ainda há uma parte da população vivendo em áreas semelhantes que não são computadas como população em aglomerado subnormal, devido a não somar mais de 50 unidades”, acredita Menezes.

A situação, que já é preocupante, é agravada quando se verifica que, a cada ano, aumenta consideravelmente a proporção de cidadãos da Grande Aracaju que não têm o direito a uma moradia digna. Há 20 anos, apenas 2,4% da população viviam em aglomerados subnormais. Hoje, a quantidade de pessoas que estão nesse tipo de habitação nos quatro municípios é superior à população total das demais 71 cidades do estado.

Essa realidade, pouco conhecida pelos turistas que lotam os hotéis e pousadas nesse período do ano, demonstra que morar com dignidade se tornou um privilégio na Grande Aracaju. E quando moradia se torna um privilégio, ocupar se torna um direito.

De acordo com Dalva Angélica, do Motu, existem atualmente cerca de 900 famílias que vivem em três ocupações permanentes na Grande Aracaju: Vitória da Ilha, na Barra dos Coqueiros; Novo Amanhecer, em Nossa Senhora do Socorro; e 17 de Março, no bairro Santa Maria, na capital.

Além das ocupações permanentes, as famílias ligadas ao Motu já se instalaram também em órgãos públicos. No dia 14 de abril, 250 pessoas ocuparam a antiga sede do INSS em Aracaju, reivindicando que o prédio seja transformado em um conjunto de moradias populares. A proposta do movimento atende, inclusive, ao que estabelece o Programa Nacional de Direitos Humanos, em seu Objetivo Estratégico III “h”: “promover a destinação das glebas e edifícios vazios ou subutilizados pertencentes à União, para a população de baixa renda, reduzindo o déficit habitacional”.

O local está interditado desde fevereiro do ano passado e, desde então, não passou por qualquer reforma. De acordo com o gerente-executivo do INSS, Leonardo Bittencourt, não há sequer previsão para uso do prédio. “A superintendência já está funcionando em outro local. O que ocorre é que este prédio vai ficar alienado e quem vai decidir o que vai ser feito dele é uma comissão em Brasília”, disse.

Mesmo estando ocioso, em menos de dois dias o prédio foi desocupado por determinação judicial. Mas a resistência tem sido a marca das famílias que lutam por moradia em Aracaju e, horas após a saída da antiga sede do INSS, homens, mulheres, crianças e idosos ocuparam uma agência da Caixa Econômica. No banco público, a reivindicação era a inclusão das famílias nos projetos de moradia popular do Governo Federal. Após horas de negociação, a Superintendência da Caixa se comprometeu em discutir junto aos órgãos públicos federais a situação das famílias que não têm moradia na cidade.

Em grande medida, as desocupações são marcadas também pela truculência policial. Apenas este ano, quatro pessoas ligadas às manifestações foram presas. “A situação mais grave aconteceu num despejo da ocupação Vitória da Ilha, quando dois militantes foram presos, sem qualquer justificativa. Depois, quando estávamos saindo do local, mais duas pessoas foram presas, sendo que uma nem era do movimento, mas estava apenas nos visitando. A ação foi tão autoritária que assim que o nosso advogado chegou à delegacia, as pessoas foram liberadas, já que não tinha nenhuma ordem ou justificativa para a prisão”, relata a coordenadora do Motu.

Além da garantia de moradia digna e de qualidade, o transporte público é uma reivindicação das famílias: “Vivemos em áreas periféricas, distantes do centro da cidade, e o transporte coletivo quase não chega em nossos bairros. São poucos ônibus, precários e com tarifa muito altas. O problema do transporte público atinge toda a população da Grande Aracaju porque é incompatível com a realidade da cidade, mas é pior para nós que vivemos em áreas pobres e isoladas dos principais serviços públicos”, afirma Dalva Angélica.

A realidade enfrentada pelas famílias ligadas ao Motu contrasta e se opõe à opção adotada pelos gestores públicos dos municípios da Grande Aracaju. Segundo Dalva Angélica, “tanto em Aracaju quanto na Barra dos Coqueiros há áreas que estão sendo muito especuladas por empresários de turismo. Muitos resorts e condomínios de luxo serão construídos para que poucas pessoas morem, enquanto outros milhares não têm um teto. Por isso, queremos que essas áreas, que em sua maioria são da União, sejam entregues para a construção de moradias populares”.

Fonte: Brasil de Fato