Palestina suspende medidas internacionais em prol de negociações

Em recente visita ao Ministério de Relações Exteriores em Ramallah, uma delegação brasileira, acompanhada pelo Portal Vermelho, recebeu informações de que a Autoridade Palestina (AP), comprometida com a retomada do processo de paz, pausou as medidas que buscam a sua integração às agências da ONU. As declarações foram reafirmadas nesta sexta-feira (3) pelo chanceler Riyad Al-Maliki, mas o prazo para a retomada do processo está prestes a terminar.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Presidente Abbas na ONU - ONU

Para demonstrar o comprometimento palestino com o processo de negociações com Israel, mediadas pelos Estados Unidos, pela União Europeia (UE), pela Rússia e pela ONU (o chamado “Quarteto”, considerado ineficaz pela maioria dos cientistas políticos que acompanham o caso), o próprio presidente Mahmoud Abbas prometeu ao presidente dos EUA Barack Obama congelar medidas para incorporação da Palestina às agências da ONU.

Entretanto, a Autoridade Palestina já demonstrou comprometimento quando reconheceu o Estado de Israel, por exemplo, e aceitou acordos como os de Oslo (1993), considerados extremamente desvantajosos para os palestinos. Além disso, a falta de confiança na eficácia do discurso estadunidense e na disposição israelense para acordos reais é clara e declarada, e o prazo pedido por Obama, de dois meses, está acabando. 

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O governo israelense de coalizões recentemente forjadas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (em seu segundo mandato consecutivo) insiste em emitir declarações ou tomar medidas que demonstram a rejeição por reivindicações fundamentais para os palestinos, como o fim da construção de colônias judias na Cisjordânia.

O Portal Vermelho acompanhou uma delegação brasileira que se encontrou com representantes do Ministério de Relações Exteriores em Ramallah (cidade onde está a sede do governo palestino atualmente, na Cisjordânia) e ouviu dos oficiais as declarações patentes na sua percepção sobre as negociações de paz: “são mecanismos para pressionar os palestinos e dar tempo a Israel, que continua ocupando territórios palestinos e mantendo a população sob uma administração militar”.

A delegação da 2ª Missão de Solidariedade ao Povo Palestino, que esteve na Cisjordânia entre 17 e 24 de abril, reuniu-se com diversas entidades do governo e representantes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), reconhecida internacionalmente como o único representante legítimo do povo palestino em instituições como a ONU e a Liga Árabe, e que conforma a Autoridade Palestina (AP).

Os representantes diplomáticos em Ramallah afirmaram a predisposição dos palestinos para negociar, mas também as exigências sobre a libertação dos prisioneiros políticos palestinos, o fim da ocupação militar israelense sobre os territórios palestinos e da construção de colônias judias na Cisjordânia, e a suspensão do bloqueio militar e ilegal à Faixa de Gaza, entre outros pontos fundamentais.

Por outro lado, insistindo na irredutibilidade de quem parece acreditar não ter nada a perder com o status quo, ou seja, com a manutenção da situação tal como está, o governo israelense continua apoiando diretamente a construção e a proteção militar das colônias judias em território palestino. Além disso, o estabelecimento de um aparato administrativo repressor, segregador e digno de uma ditadura militar mantém os palestinos, em Israel ou na Palestina, submetidos a um regime de ocupação, como já reconhecido por diversas organizações internacionais, como a UE, e em relatórios da própria ONU.

Acusação criminal contra Israel e o direito internacional

Por essa política e pelas sucessivas operações militares fatais contra a Faixa de Gaza, o bloqueio a este território, o mecanismo legal (em Israel) de “detenção administrativa”, que permite a prisão arbitrária de palestinos “suspeitos” (como os envolvidos em ações de resistência, inclusive não-violenta), sem julgamento e por períodos renováveis indefinidamente, em prisões militares em que também sofrem torturas, por exemplo, a AP resolveu recorrer ao direito internacional para acusar o governo de Israel criminalmente.

Neste sentido, perguntado pelo Portal Vermelho sobre a medida da AP de formular um caso a ser levado ao Tribunal Penal Internacional (TPI), acusando Israel de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, o secretário-geral da OLP Yasser Abed Rabbo ressaltou que a ação só se tornou possível com a medida anterior, de um pedido unilateral de reconhecimento do Estado da Palestina pela ONU, logrado com grande maioria em novembro passado.

Embora o Estado de Israel em si não ter ratificado o Estatuto de Roma, documento fundador do tribunal, o Estado da Palestina poderá aderir ao documento a partir do seu reconhecimento internacional e, assim, recorrer ao tribunal contra Israel, em uma manobra considerada complexa por especialistas no assunto.

Recorrer ao TPI, porém, está dentro do pacote de medidas temporariamente congelado, de acordo com Al-Maliki e Abed Rabbo, a favor dos “esforços positivos para alcançar a paz” e da solução consensual internacionalmente, de dois Estados dentro das fronteiras de 1967 (ou seja, como conhecidas antes da invasão e ocupação israelense de territórios árabes, durante a Guerra dos Seis Dias).

Entretanto, assim como o chanceler e Abed Rabbo, os diplomatas com quem a delegação brasileira encontrou-se, na sede da OLP, reafirmaram a ausência de qualquer medida que demonstrasse o compromisso israelense, em troca do compromisso palestino.

Ao contrário das conversações com a AP, Obama não conseguiu dos israelenses compromissos como o congelamento das construções em território palestino, por exemplo. Por outro lado, Al-Maliki disse que se o governo israelense levar adiante o plano de construção na área denominada Leste 1 (E1, na sigla em inglês), que separa a cidade histórica Jerusalém do resto da Cisjordânia e virtualmente impossibilita a solução de dois Estados, “iremos imediatamente ao TPI, em Haia”(onde fica a sede do tribunal, na Holanda). Os palestinos reivindicam a cidade como capital do seu Estado, assim como os israelenses.

Os embaixadores Mohamed Samad, Husni Abdel Wahed e Taysir Jaradat, assim como o secretário-geral da OLP também falaram de aspectos estruturais condicionados a uma solução e à retirada da ocupação israelense, como o desenvolvimento e a independência econômica com relação às potências internacionais, que “usam a dependência da AP ao apoio estrangeiro para pressionar os palestinos nas negociações”.

Envolvido diretamente nas negociações com Israel, Abed Rabbo disse que Obama havia pedido um prazo para impulsionar a retomada do processo de paz, mas não acredita que isso será alcançado. “Por isso, é provável que em breve retomemos nossas medidas políticas, recorrendo aos parceiros e às organizações internacionais, através do direito internacional”, explicou.

A estratégia palestina tem ganhado impulso e em 2012 deu um resultado importante, o reconhecimento da Palestina como Estado observador não-membro da ONU, com o apoio de 134 países. Antes disso, ainda, a Palestina havia sido aceita como membro da Unesco, o que trouxe à agência da ONU a penalidade dos próprios EUA, que suspenderam a sua contribuição.