Ato pela Reforma Agrária no Rio marca início da Jornada de Lutas

Cerca de 500 militantes, amigos e amigas do Movimento dos Trabalhadores Ruais Sem Terra (MST), lotaram o auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na cidade do Rio de Janeiro, para realizar um ato pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, na segunda-feira (15).


divulgação MST

A atividade marca o início da Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária, para relembrar o assassinato de 21 Sem Terra no Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 17 de abril de 1996, e pautar a luta pela terra.

A Jornada segue no Rio de Janeiro nos próximos dias. Na terça-feira (16) haverá uma reunião com órgão ambiental do estado, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), já que diversos processos de desapropriação encontram-se parados neste órgão. Na quarta-feira (17), os Sem Terra se juntam ao movimento Atingidos pela Vale, num ato em frente à empresa.

Mártires

A mística de abertura relembrou outros massacres, como Corumbiara, Candelária, Felisburgo e Carandiru. Como lembrou a professora Virgínia Fontes, seja no campo ou na cidade, dentro ou fora da prisão, perto ou longe dos grandes centros, a vítima sempre é a classe trabalhadora. Além dela, foram convidados para a ocasião o juiz Rubens Casara, o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) e o membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stedile.

Na plateia, assentados e acampados de todo o estado confraternizaram com militantes de movimentos sociais, de partidos políticos e sindicatos, além de estudantes. Das várias entidades presentes, o recado veio em uníssono: a reforma agrária é uma luta de todos. A grande faixa estendida no auditório refletia o sentimento: “Chega de violência no campo. Queremos reforma agrária!”

Rubens Casara, membro da Associação de Juízes pela Democracia, iniciou sua fala agradecendo aos presentes por não vaiarem um membro do judiciário, já que, segundo ele, a função deste poder no Brasil é uma só: manter o status quo.

Casara ressaltou que o debate da questão agrária no judiciário é permeado por pré-conceitos, e que os movimentos sociais são visto apenas como obstáculos à manutenção da ordem. “Romper o silêncio é necessário. A democracia é a realização dos direitos fundamentais, e a terra é um deles”, disse.

Virgínia Fontes, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora da Fiocruz, se disse muito emocionada por participar deste momento. Colaboradora histórica do Movimento, Virgínia também dá aulas na Escola Nacional Florestan Fernandes. Segundo ela, os massacres acontecem num contexto de defesa ferrenha da propriedade, seja no campo jurídico ou no midiático. Para Virgínia, a atualidade da Reforma Agrária deve ir contra a concentração de terras e de capital.

Já Marcelo Freixo colocou que a presença de todos “reafirma que temos lado. Estamos do lado da luta pela Reforma Agrária e contra a violência no campo.” Ao relembrar o editorial publicado pelo jornal O Globo, que dizia que a Reforma Agrária não é mais necessária, Freixo ressaltou que o modelo defendido pelos grandes veículos, a agronegócio, “produz apenas miséria urbana e cidadãos invisíveis e supérfluos. É só ver como o direito do consumidor tem mais espaço na câmara do que os direitos humanos”.

Para Cícero Guedes, a Medalha Tiradentes

No momento mais emocionante, Marcelo Freixo entregou a medalha Tiradentes para a família do Sem Terra Cícero Guedes, assassinado em janeiro deste ano em Campos dos Goytacazes. O deputado disse que a entrega iria dignificar a medalha, e lembrou a luta de Cícero pela Reforma Agrária, contra o trabalho escravo e pela agroecologia. A Sem Rerra Regina dos Santos, assassinada também em Campos 10 dias depois, também foi lembrada.

João Pedro Stedile encerrou a noite percorrendo a história da luta pela terra no Brasil por meio dos massacres dos fazendeiros cometidos contra trabalhadores Sem Terra. “São Cícero pagou com a vida o sonho de ver a terra dividida”, disse Stedile.

Para ele, a história do Brasil sempre foi banhada pelo sangue de quem luta pela terra, desde os índios, passando por Zumbi e chegando aos sem-terra mortos na atualidade. “Se nós não lembrarmos os mártires, não seremos dignos de seguir sua história”.

Reforma Agrária

Segundo Stedile, depois da derrota histórica do projeto democrático popular em 1989, as possibilidades de realização de uma Reforma Agrária clássica ficaram cada vez mais distantes. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a situação piorou, sobretudo com a Lei de Patentes e Lei Kandir.

Em 1996, os tanques lançados contra os trabalhadores durante a greve dos petroleiros foram um golpe muito duro no movimento sindical. Com isso, o MST ficou isolado, e na mesma época ocorreram as chacinas de Eldorado dos Carajás e Corumbiara.

Ainda segundo o dirigente, a esperança veio com a eleição de Lula, quando levou o MST a reunir 200 mil famílias acampadas em beiras de estrada. No entanto, já não era o PT no governo, e sim uma aliança que não tinha nenhum interesse em fazer a Reforma Agrária. Após a Veja publicar a foto de Lula com o boné do MST em 2003, duas outras chacinas ocorreram: Unaí e Felisburgo, ambas em 2004.

Inflação dos alimentos

O principal culpado pela recente alta no preço dos alimentos é agronegócio, como apontou Stedile. “Enquanto o gado morre de fome pela seca no nordeste, a Bunge e a Cargill exportam nosso milho para os EUA fazerem etanol.”

Para ele, “a correlação de forças é desfavorável, mas nossa causa é justa. Temos três desafios históricos: seguir denunciando a impunidade; denunciar a contradição do agronegócio – o agrotóxico, concentração de terras, perda da soberania alimentar e invasão do capital estrangeiro; e finalmente denunciar os ataques que vem sendo feitos ao meio-ambiente.”

Stedille finalizou colocando a Reforma Agrária como uma luta contra o capital. “Não é só dividir terras. É reforma agrária para produzir alimentos saudáveis. E devemos combinar isso com educação, pois não é a terra que liberta, mas sim o conhecimento. A reforma agrária é uma luta de todos.”

Fonte: Página do MST