Revolução Bolivariana é de todo o povo venezuelano

Em entrevista concedida nesta sexta-feira (12), na sede de Catia TV, Blanca Eekhout faz questão de reforçar que entre as várias particularidades que caracterizam o processo político em curso na Venezuela está a consciência de um povo que sabe o que conquistou e o que não pode perder. “Somos um povo em batalha, em luta, que decidiu não apenas seguir Chávez, mas ser Chávez”.

Por Jonatas Campos, Renata Mielli, Leonardo Severo, Vanessa Silva e Vinicius Mansur, de Caracas

Blanca Eekhout - Joka Madruga/ComunicaSul

Blanca Eekhout é uma das principais lideranças da Revolução Bolivariana. Deputada pelo estado de Portuguesa, é vice-presidenta da Assembleia Nacional. Iniciou sua militância política muito jovem e se destacou como ativista da área da comunicação popular e comunitária. É uma das fundadoras da Catia TV, primeira emissora comunitária do país e foi ministra do Poder Popular para a Comunicação e Informação. Confira.

Renata Mielli: Nestes 14 anos houve uma elevação muito grande da consciência política na Venezuela e o povo é um importante protagonista do processo. Mas a liderança de Chávez era muito importante. Agora, qual o principal desafio para a construção de lideranças?
Blanca Eekhout: Nós, como vocês viram, somos um povo que tem uma consciência muito clara do que tem e do que não podemos perder. E, nesse momento não buscamos um novo Chávez. Chávez somos todos. Nicolás Maduro não pretende converter-se em um novo Chávez. É um filho de Chávez, como se sentem a maioria dos venezuelanos e, sobretudo, quem trabalhou com o comandante. E aí existe uma coisa que tem que ser vivida, porque é algo distinto da política tradicional. Nosso vínculo é amoroso e não podemos desligar essa relação afetivo tão forte que, no momento da doença do comandante, se converteu em um vínculo espiritual do povo, que está em oração, com fé, que tem uma razão política, mas tem uma motivação afetiva e de compromisso que vai muito além da razão.

E o legado de Chávez está absolutamente presente porque foi construído com o povo, neste caso, um novo modelo do que significa o poder, do que significa o governo.  A última batalha eleitoral foi chamada pelo Comandante de “Batalha de Carabobo” – a batalha crucial para a independência, derrotando o exército espanhol em nosso território. Para Chávez, a batalha de outubro era estratégica e nós saímos vitoriosos. O elemento crucial do discurso do presidente foi “eu não sou eu, eu sou um povo” e disse a cada um “você trabalhador, você homem, você mulher, você criança, você soldado, você é Chávez”. Isso tem uma mensagem muito clara e mostra como foi heróica a resistência do comandante diante de sua enfermidade.

No dia que o comandante morreu, começou uma mobilização do nosso povo sem convocatória, porque todos nós estávamos devastados, ninguém havia calculado isso, nunca havíamos aceitado a possibilidade de sua morte. Então, milhões de seres humanos se mobilizaram e passaram a acompanhar Chávez, por quatro dias, debaixo de sol, noite, sereno, só para vê-lo por um segundo. Quando o transportamos do hospital até a academia [militar], as pessoas iam dizendo “Chávez, te juro, meu voto é por Maduro”. Eu não poderia calcular que as pessoas já tinham consigo o slogan. O povo decidiu o caminho. Muitas vezes ele nos deu uma lição. Por isso vamos ao seu lado, marcados pelo seu ritmo.

Chávez se manteve firme no golpe de 2002 e não renunciou ao seu mandato, sua primeira atitude foi anunciar que não tinha renunciado a um mandato legitimamente dado pelo povo. Essa confiança se traduz em nós. Pela primeira vez, nos sabemos vencedores. Somos um povo em batalha, em luta, que decidiu não apenas seguir Chávez, mas ser Chávez. Como disse o presidente Pepe Mujica [Uruguai], a chave para ser Chávez é sermos juntos, apenas juntos somos Chávez. E, neste momento, o objetivo maior é a unidade do povo, do governo, do partido, das forças armadas nacionais bolivarianas com o seu povo, a mesma que derrotou um golpe de estado.

Vinicius Mansur: Qual é o caminho para o empoderamento do povo? Qual é o estágio desse projeto, do estado comunal?
Um elemento fundamental e estratégico para construir o poder popular é o estado comunal. No Programa da Pátria houve esta grande convocatória. Chegaram 10.400 projetos das distintas comunidades para serem incluídas no plano socialista para o desenvolvimento da nação 2013-2019. É um processo em construção. Tem a ver com o tema ideológico, com a posição de seguir avançando. Não é um decreto. Não pode depender de um ministério. Assim, todos e todas contribuímos de todos os lugares. Claro, nossa batalha para ter uma vitória estratégica é aprofundar a revolução. A grande tarefa é a unidade em torno deste grande legado que nos deixou o comandante, o Programa da Pátria, aprovado majoritariamente pelo povo e que é uma convocatória para todos construirmos o segundo plano socialista da nação com cinco objetivos históricos: consolidar a independência; aprofundar o nosso socialismo bolivariano do século 21; desenvolver a nação como potência econômica, social e política dentro dessa grande potência que é a América Latina; buscar um mundo multipolar, pluricêntrico; e salvar este planeta numa missão ecológica, socialista, que implica em mudar todo o padrão capitalista de consumo.

Vai ser uma batalha difícil, sobretudo porque o inimigo acreditava que sem Chávez seria o fim da revolução, desunião do governo, do partido e dos movimentos por uma briga pelo poder. A burguesia apostou na morte e fizeram toda a utilização política da saúde do comandante. Nós apostamos na vida. Equivocaram-se. Eles nunca calcularam que Chávez estava semeado além de sua presença física entre nós, que ele semeou uma história e o pensamento bolivariano. Até Bolívar está conosco agora. O recuperamos depois de 200 anos. O presidente entendia sua responsabilidade com esse povo e com a história, disse por todo o ano de 2012: “todos vocês são Chávez, Chávez não sou eu, vocês são o governo, vocês são o povo empoderado”. O que vai acontecer em 14 de abril é que vai triunfar a vida sobre a morte, a verdade sobre a mentira, vai triunfar o povo sobre a oligarquia. E vamos dar o exemplo de que um povo unido é um povo invencível.

Joka Madruga/ComunicaSul

Blanca ressaltou a importância dos meios alternativos e comunitários na guerra ideológica

Jonatas Campos: O PSUV precisa mudar? Escutei de militantes que ele precisa ter um trabalho mais ideológico do que ser uma máquina eleitoral.
Nós – não porque queremos, são as circunstâncias que nos coube viver – passamos por 17 processos eleitorais, somando o deste domingo. Ao PSUV coube uma tarefa dura: ser uma máquina eleitoral, porque o que a burguesia fez em todas essas décadas foi converter-se em uma máquina para destruir a vontade do povo a partir do jogo burguês do que é a democracia. Tivemos que lutar com suas regras. Ao invés de avançarmos com a revolução, temos que medir forças a todo o momento. Creio que não há revolução no mundo que tenha passado por tantas provas: golpes de estado, a greve petroleira, fechamento de vias públicas, boicotes, além das eleições, referendo revogatório, que se tornou probatório, Constituinte e, agora, esse voo do nosso comandante é uma nova prova. A cada instante estamos jogando a vida, mesmo que tenhamos feito tudo o que fizemos – as missões, rompido com o analfabetismo, recuperado as terras, apesar de sermos o país em nossa América com a maior quantidade de estudantes universitários, de termos conseguido recuperar nossa empresa petroleira.

Mas de alguma forma isso nos favoreceu, porque a cada ano temos que nos reencontrar, conversar e nos apaixonarmos de novo como povo. Ou seja, nós nunca podemos romper esse vínculo, porque ele está permanentemente à prova, todos os dias.

Eu sou militante da direção nacional do partido e também coordenadora do Gran Polo Patriótico e digo que o comandante tinha claro que não era só o partido o responsável pela unidade, mas todos os setores sociais. O Gran Polo Patriótico está conformado por quatro blocos: o movimento de trabalhadores, como bloco histórico da revolução; os 12 partidos políticos que assumiram a construção da revolução bolivariana; o bloco dos movimentos sociais, com indígenas, camponeses, afrodescendentes, sexo-diversos, esportistas, estudantes, jovens, mulheres, todas as formas organizativas do povo, economia comunal, economia produtiva, empresários que estão com a revolução, aqui cabem todos. O chamado que fez o presidente foi: “os que querem Pátria, venham com Chávez”. 34 mil movimentos se inscreveram nessa convocatória para construção do Polo. Ou seja, o PSUV não está só nessa tarefa de avançar na construção do socialismo.

Leonardo Severo/ ComunicaSul


"Temos dado exemplo que os povos podem ser governo. Que os governos não podem seguir de joelhos aos interesses imperiais. Que os povos podem ganhar eleições", Blanca Eekhout

O comandante, em 2008, nos deu um documento com as linhas estratégicas para a transformação do próprio partido. Foi um debate que teve a participação de toda a militância e seu objetivo era justamente convertê-lo num instrumento de lutas do povo. Isso implica em fazer um trabalho gigante na formação dos quadros, dentro da particularidade do que seja um partido de massa e de quadros. É um partido conformado por distintos setores da sociedade. Temos companheiros que estão ligados ao ecumênico, religioso, companheiros com formação mais marxista, ateia, camaradas do seio das Forças Armadas, outros companheiros da esquerda mais radical.

Essa revolução não é uma revolução de vanguarda. É a revolução de um povo completo. Em 11 de abril de 2002 não tínhamos o partido. Quem foi às ruas? Quem foram os primeiros que saíram? Não foram os quadros de vanguarda, foi o povo que saiu às ruas, com a cara e a coragem, sem um plano, sem uma estratégia e sem armas e disse que queria Chávez.
O partido tem uma responsabilidade, mas aqui, a vanguarda é um povo que se chama “Chávez”, completinho, juntos, unidos.

Vanessa Silva: Qual é o interesse do império aqui na Venezuela e o que pode fazer a direita com os planos de desestabilização que vêm sendo denunciados constantemente pelo governo? O que a revolução pode fazer para evitar estes golpes?
Em primeiro lugar essas denúncias [da presença de mercenários no país] que estamos fazendo são um elemento dissuasivo. Estamos dizendo para eles que sabemos quem são, o que estão fazendo, quem está à frente. Já vivemos um golpe de Estado e eles estavam tão infiltrados que a própria inteligência nos dizia que “não haveria golpe”. Mas era evidente, a mídia estava telegrafando o golpe. Passamos pela greve petroleira, por tentativas de assassinato do presidente. Havia 120 paramilitares colombianos no Estado Miranda, governado pelo candidato da direita [Henrique Capriles], recebendo treinamento paramilitar vestidos com o uniforme do exército venezuelano e no momento que iam para Miraflores foram capturados. Não estamos falando de suspeitos, confessaram sua tarefa de gerar caos, matar o presidente e promover uma guerra. Isso é uma operação psicológica, de desestabilização a partir de uma situação de violência em conjunto com o crime organizado.

Eles não ativaram muitos desses planos em outubro porque apostavam na morte do presidente. Acreditaram que ia ser candidato e não ia chegar ao processo, logo apostaram que ia existir o melhor momento para atuar e dividir o país. Tem sido uma surpresa para todos os cálculos do império gringo e da direita oligárquica nesse país o fortalecimento da solidariedade desse povo e a solidez desse governo. Por isso, a agenda da violência segue sendo sua principal agenda.

Tem sido detectada a presença de paramilitares colombianos, de sicários salvadorenhos. Tivemos êxito em capturá-los, tinham armamentos, dinamite. Esse é o plano da direita ante sua incapacidade de se converter em uma alternativa de poder eleitoral nesse país. Nós temos que trabalhar em todos os terrenos, mas nosso terreno fundamental é a paz. A única forma de seguir saldando a dívida social com nosso povo é na paz. Não só temos as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, e mais perto dos gringos, como somos uma referência de outro mundo possível. Construímos uma nova visão do que é a diplomacia entre os povos. Temos dado exemplo que os povos podem ser governo. Que os governos não podem seguir de joelhos aos interesses imperiais. Que os povos podem ganhar eleições. Que as Forças Armadas podem servir a seu povo e não só aos interesses empresariais. Isso faz com que haja um interesse gigantesco para eliminar este exemplo luminoso de que é possível fazer uma revolução em paz.

Leonardo Severo: Os olhos do mundo estão sobre a Venezuela. Com a crise do capitalismo, as declarações políticas dos EUA contra Coreia Norte, Líbia, Iraque, como vê a importância da Venezuela para o conjunto de nossa América Latina? Como formar um núcleo de contrainformação para fazer a verdadeira disputa político-ideológica? Como vê a importância da integração dos nossos meios?
A Venezuela buscou assumir esta responsabilidade com a criação da TeleSUR e o lançamento de satélites [Simón Bolívar e Miranda] que sirvam à integração, à unidade de nossa América. É um esforço difícil. Romper o cerco é difícil porque realmente é o espaço onde eles têm muito mais força. Estamos diante de ditaduras midiáticas que têm a possibilidade de justificar uma guerra. No Iraque disseram: há armas de destruição de massa. Encheram os meios com isso. Invadiram, assassinaram, e depois disseram: perdão, não havia nada. Eles não vão presos por assassinatos, pelos crimes de guerra, pela destruição cultural de um país, não se responsabilizam por nada. Lavam as mãos.

Na Líbia armam uma praça verde falsa. Mentiram e assassinaram um presidente, um povo. Começaram um regime racista e homofóbico, misóginos, voltaram a colocar o véu nas mulheres. Destruíram tudo o que era o avanço da Líbia e não acontece nada.

Chávez teve a coragem de denunciar o massacre contra o povo palestino, de romper relações com o Estado israelense e de dizer ‘Fora, fora daqui ianques de merda, gringos de merda’ quando fizeram todas estas ações contra a Faixa de Gaza. A postura da Venezuela é digna e nos solidarizamos com o povo líbio sempre.

A construção tem que ser de todos os lados. Podemos fazer nosso aporte. Creio que tentamos ultrapassar os veículos midiáticos e fazer contato direto com o povo. E tínhamos um comunicador excepcional, que era o comandante. Agora temos que ter outro mecanismo para informar e estabelecer um novo modelo de comunicação.

Porque a questão não é competir com os grandes meios, mas criar uma comunicação distinta, humana, baseada na verdade. O modelo de comunicação dominante está baseado no incerto. Tudo depende de qual é o interesse de quem emite. Então nós temos esta enorme responsabilidade de recuperar a comunicação humana, de adotar outro modelo midiático com a comunicação nas mãos de quem se comunica. E esta é uma batalha da humanidade completa. A Venezuela vai avançar, mas será uma batalha de todos. Só poderemos ter avanço se seguirmos todo o continente em luta.

Vanessa Silva é jornalista do Portal Vermelho, enviada especial a Caracase integra o ComunicaSul. Jonatas Campos, Renata Mielli, Leonardo Severo e Vinicius Mansur,  são jornalistas e integram o ComunicaSul