Na Venezuela, supermercados cheios de alimentos e pessoas
Supermercados lotados de pessoas e de alimentos, com um ou outro item em menor quantidade. Esta foi a realidade que a reportagem do ComunicaSul encontrou em Caracas. Muito diferente da situação de desabastecimento divulgada pela mídia internacional e pregada pelo candidato da oposição Henrique Capriles.
Por Renata Mielli*, de Caracas
Publicado 11/04/2013 14:47
“Não faltam os produtos básicos, temos de tudo”, disse Negra, uma camelô que encontramos no Mercal de Chacalito. Mercal são os supermercados estatais que vendem os produtos para a população mais pobre, com subsídios do governo.
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Em Miranda, bairro de classe média alta, no supermercado privado Levebras, muita fila nos caixas e as gôndolas cheias – mas com alguns produtos em pouca quantidade, como açúcar e limitação de bandejas de carnes por pessoa. Um senhor na fila disse “não faltam produtos, o que acontece é que as pessoas vem e levam vários pacotes do mesmo produto e acaba faltando. Vem pai, mãe, irmãos, primos e levam dois, três pacotes. Na verdade, na minha opinião, o que acontece é uma guerra política contra o governo, que começou quando o Chávez ganhou as eleições”.
Vivendo há oito meses na Venezuela, o brasileiro Marcelo Resende, que ocupa no país a função de representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO, disse que não há planejamento econômico e alimentar no mundo que resista à especulação política.
“Eu, por exemplo, dou um depoimento pessoal. Orientado pelos meus funcionários, que disseram – Sr. Marcelo, recomendo que o senhor vá ao supermercado e compre mais para guardar em casa. Então, eu que comprava dois saquinhos de arroz por mês, comprei dez. E todos aqui também fizeram isso. E aí, falta alimento. Não há planificação, planejamento em nenhum lugar do mundo que resista há uma especulação.”
Venezuela, exemplo mundial
A FAO trabalha internacionalmente com indicadores para orientar políticas que visem erradicar a fome e para caracterizar uma situação de subnutrição. Neste rol, segundo Marcelo Resende, “a Venezuela é um dos países exemplo para o mundo em políticas e programas públicos no âmbito da segurança alimentar”.
“O que encanta na Venezuela foi o país ter conseguido baixar consideravelmente seu índice de fome. Em 1990, 13,5% da população venezuelana tinha fome, o que significa 4 milhões de pessoas. Hoje, este índice está em 5%, que ponto de vista estatístico já não são nem mais mensuráveis na Venezuela, ou seja, podemos dizer que o país chegou a praticamente zerar a fome.”
Na conceituação da FAO, um país precisa ter no mínimo de 1.800 calorias por pessoa. Esse valor tem que ser o resultado de todos os produtos alimentícios disponíveis no país – os produzidos internamente e provenientes da importação, menos o que é exportado. Na Venezuela estão este valor é de 3.182 calorias. Quase o dobro.
“A Venezuela está alcançando os objetivos do milênio definidos pela FAO de erradicação da fome”, afirmou Resende.
Ele explicou que a segurança alimentar é definida por um tripé. “Um país, um governo, um povo que quer cumprir com a segurança alimentar tem que assumir o direito humano à alimentação. Para isso, é preciso prever na Constituição, nas leis e decretos o reconhecimento desse direito humano. A Venezuela estabelece na sua Constituição o direito humano à alimentação e à segurança alimentar. O segundo é seu governante assumir o compromisso erradicar a fome no seu país. O Lula fez isso no Brasil. E Chávez também pautou a fome na Venezuela, colocou isso na agenda política do seu governo. E o terceiro pilar é a garantia da disponibilidade e acesso aos alimentos.”
Para a FAO o problema da fome no mundo não é disponibilidade, é o acesso. São as condições econômicas que um povo tem para acessar os alimentos.
Do ponto de vista da disponibilidade, Marcelo Resende diz ter ficado impressionado com as políticas públicas implantadas na Venezuela neste campo. “Eu não conheço – e olha que eu conheço vários países no mundo – nenhum país que promova a disponibilidade de alimentos como promove a Venezuela.”
Ele reconhece, contudo, que há uma contradição no país. “A disponibilidade dos alimentos na Venezuela é feita pela pauta de importação, não é pelo que é produzido internamente. Isso nós reconhecemos. A Venezuela depende de uma forte pauta de importações. Este país importou, no ano de 2012, US$ 5 bilhões em alimentos.”
Mas, o que o representante da FAO destaca como elemento inovador e positivo na política do governo para este setor é a criação de uma extensa rede pública de abastecimento. “Os supermercados privados não são onde a maioria do povo venezuelano se abastece. O Estado criou uma rede pública de abastecimento incrível. São 22 mil pontos de abastecimento em todo o território nacional. Isso é incrível. A Venezuela é um exemplo como uma estrutura pública, estatal do acesso ao alimento. O Estado assegura à população o acesso ao alimento através de uma grande rede de disponibilidade”, enfatiza.
Política também para o acesso
Uma vez disponível na prateleira, o desafio para garantir a segurança alimentar é como garantir o acesso, que é a segunda parte da equação, que é um fator econômico, das condições que o povo tem para comprar o alimento.
Dentro do receituário neoliberal, a equação que comando o acesso é a inflação x salário, ou seja, o poder aquisitivo da população para poder acessar o alimento. “Se tem uma alta inflação, como na Venezuela, eu reduzo a capacidade de compra com o meu salário. Isso é uma verdade. Portanto, a seguir galopante uma inflação a população venezuelana não teria o acesso ao alimento.
Todavia, eles criaram um outro instrumento, que é subsidiar produtos na rede estatal de abastecimento. Não estou julgando se é bom ou ruim, mas foi o instrumento que eles criaram. Qualquer venezuelano pode ir nesta rede pública de abastecimento e adquirir os alimentos com, em média, 78% de subsídio. Isso atinge hoje 60% da população. Porque governar é fazer opção, não dá para todo mundo. A população que mais necessita frequenta essa rede pública e é lá que está o alimento de qualidade.”
*Renata Mielli é jornalista e integra, em Caracas, o coletivo ComunicaSul de comunicação colaborativa. O Vermelho participa do ComunicaSul.