Zillah Branco: O subdesenvolvimento na Europa
O terceiro homem mais rico de Portugal, Belmiro de Azevedo, declarou que "as manifestações populares (que se multiplicam em Portugal) são carnavais com alegria que protestam contra o desemprego e o corte salarial, não são inocentes e recebem o apoio de transporte dado pelos seus promotores. As empresas precisam de mão de obra barata tanto para a agricultura como para outros setores da economia e o país deve honrar os seus compromissos pagando as dívidas".
Por Zillah Branco*
Publicado 08/04/2013 09:13
Outros ricos resolveram formar um grupo de "indignados" por sofrerem cortes nas suas polpudas aposentadorias de dezenas de milhares de euros mensais (quando a maioria dos aposentados recebem menos de 300 euros), como um clube, longe das manifestações de rua.
Repetem o comportamento da nobreza que, na França do século 18, estreou a guilhotina com o raciocínio de Maria Antonieta ao recomendar que "o povo que reclama a falta de pão, que coma bolos". Apenas comprovam que a elite desconhece sempre a realidade que está à sua volta e vive alienada da sua função de cidadania e de ser humano. São inúteis para a humanidade assim como para o desenvolvimento nacional, e consomem sem proveito social o que falta para a sobrevivência da maioria dos que trabalham.
A ação imperialista praticada sempre no Terceiro Mundo, mantendo as nações subdesenvolvidas (abandonadas às suas condições econômicas nativas e dependentes) ou promovidas à categoria de "em desenvolvimento" (com a implantação das instituições financeiras, jurídicas e militares filiadas ao modelo do centro mundial do sistema), na fase da globalização estendeu-se ao continente europeu onde a União Europeia aparece como o segundo polo depois dos Estados Unidos. Os países mais pobres (Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália) são os subdesenvolvidos e, portanto, foram condenados à "austeridade" para não saírem desta condição de dependência que já vinha do tempo em que, mesmo tendo colônias, pagavam tributos de comercialização e créditos financeiros ao "núcleo duro" do sistema que se definiu como capitalista, a Inglaterra, França e Alemanha.
A crise iniciada em 2008 funcionou como o desvendar desta realidade de subdesenvolvimento econômico e social na Europa, de países pobres dependentes de outros ricos, onde a história das lutas populares havia promovido um desenvolvimento uniforme das estruturas institucionais em todos os Estados que asseguravam os direitos sociais e uma legislação laboral conquistada pelos trabalhadores. Por outras palavras, a UE estabeleceu a "unidade" das nações europeias criando um Banco Central que polarizou a crise financeira, deixou claro o subdesenvolvimento daquelas nações pobres sempre despojadas da sua independência pela dominação do capital estrangeiro nas empresas produtivas nacionais e na formação profissional para atender as tendências de mercado (e da opinião pública através do controle da mídia).
São duas as formas de unificação de nações de uma mesma região, ideologicamente opostas: a dos povos ligados pela mesma história de exploração e luta libertadora do ser humano e de suas nações, ou a das estruturas de poder (financeiro, militar e econômico) dos Estados subordinados ao sistema capitalista acima das nacionalidades. Esta contradição fundamental tem sido escamoteada sob o manto de um conceito abstrato e ideal de "democracia" que conserva as questões sociais e econômicas do coletivo secundárias ao mercado financeiro globalizado.
As últimas grandes crises do sistema encontram no agravamento da exploração imperialista (conduzido no sentido da austeridade miserabilizante e as guerras invasoras que destroem as estruturas nacionais) o único caminho para manter o poder financeiro que se expande como uma ameba por todo o planeta. A lógica do capitalismo não sobrevive ao desenvolvimento de um equilíbrio democrático que naturalmente depende do respeito pelo ser humano e seus direitos básicos de vida em desenvolvimento e pela condição de cidadania que a estrutura institucional deve apoiar.
O continente europeu manteve o equilíbrio social e econômico desde o século 16 com o recurso às expansões coloniais e os fluxos migratórios. Os países mais ricos, que se beneficiaram com a Revolução Industrial seguida da consolidação de uma estrutura financeira, reduziram a emigração que sangrava os países atingindo as camadas camponesas e os setores sociais mais carentes até o final do século 19, mas as nações europeias mais pobres mantiveram o sangramento populacional ao mesmo tempo em que as suas riquezas naturais e de investimento também escoavam ao invés de serem aplicadas no próprio desenvolvimento.
Hoje, endividadas, são acusadas de má gestão. O ponto de vista tornado global é o do modelo imperialista que apenas avalia a produção de lucros financeiros que cresce na estrutura bancária. O resto (os povos, a história, o sistema de exploração que alimenta uma elite dominante, os conceitos de "justiça" e de " democracia") constituem a paisagem.
Apesar da estrutura de Estado semelhante à dos países ricos, dotada de redes de agências para atendimento à saúde pública, ao ensino obrigatório, à segurança social, de estradas que cortam os territórios para escoamento de mercadorias provenientes das sociedades mais desenvolvidas, de portos modernizados e equipamento hoteleiro para atender ao turismo internacional, da adoção do euro como moeda única que inflacionou os preços do mercado interno mas não os salários dos trabalhadores, a população vê as suas carências aumentarem sem os recursos elementares da sobrevivência.
Os orçamentos para o Estado impõem cortes que invalidam o funcionamento das instituições sociais e provocam o desemprego crescente de uma classe média que não pode recorrer ao trabalho informal, camponês ou artesanal, que foi excluído pelo modelo da UE. O próprio governo estimula a emigração que para as nações europeias mais ricas terminou há mais de um século.
A situação de subdesenvolvimento na Europa equipara-se à do Terceiro Mundo e a fuga será para os ditos "países em desenvolvimento", porque a UE zela por uma legislação que restrinja a afluência de imigrantes sem formação especializada necessária ao mercado.
Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho