Movimentos de moradia cobram ação do governo Haddad

Não dá para simplesmente usar o ditado “falar é fácil”, porque a falta de diálogo era um dos principais problemas reclamados por movimentos sociais de São Paulo, durante a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD). Exatamente por isso, a disposição de ouvir de Fernando Haddad (PT) é um dos pontos mais elogiados por ativistas nos primeiros 100 dias de sua gestão. No entanto, a falta de ações concretas deve levar milhares às ruas no dia 17 de abril.


Reunião logo na primeira semana de novo governo. Sinal positivo, mas para ativistas, ainda faltam garantias / foto: Fernando Pereira-Secom

Mas movimentos de moradia, a maioria deles declaradamente apoiadores da eleição de Haddad, não hesitam em afirmar que quase nada de concreto foi encaminhado na área de habitação. O que foi, não estaria de acordo com o conversado.

“Já na primeira semana de janeiro ele chamou os movimentos para conversar. Consideramos coisas positivas a decisão de atuar na suspensão da reintegração de posse no Pinheirinho 2 e desapropriar o terreno, além da disposição para dialogar sobre o Plano Diretor. São coisas que demonstram diferença em relação ao Kassab”, resume o advogado da Central de Movimentos Populares (CMP), Benedito Barbosa, o Dito. “Mas temos várias preocupações em relação à política. Até agora não notamos que a ecretaria de Habitação tenha de fato desenhado os programas para enfrentar o problema do déficit que atinge 1 milhão de pessoas.”

Em função dessas preocupações, os movimentos preparam a realização de um protesto, o maior durante a gestão Haddad até agora, para o dia 17 de abril. Cerca de 15 mil pessoas devem marchar de vários pontos da cidade em direção à sede da prefeitura, no viaduto do Chá, centro da capital. Um ato que, segundo as principais lideranças, não é contra o prefeito, mas propositivo.

Para os movimentos, a promessa de Haddad de construir 55 mil moradias em seus quatro anos de governo não basta. Eles querem debater onde elas serão construídas, como e quem vai ser responsável pelas obras. “Até agora a prefeitura não falou como vai fazer. Eles não apresentaram projeto de habitação, só tem números”, afirmou o coordenador da União Nacional dos Movimentos de Moradia Popular (UNMP), Donizete Fernandes.

Os movimentos querem que pelo menos 25 mil moradias das prometidas pelo prefeito sejam realizadas por meio do Minha Casa, Minha Vida Entidades, o que possibilita a autogestão, sistema em que os recursos são repassados as entidades da população organizada que podem gerenciar toda a obra desde a elaboração do projeto.

“Para fazer 55 mil casas na cidade de São Paulo tem de ter um projeto, uma organização. O que nós queremos discutir é 55 mil casas como, quando, onde? Vai ter participação popular ou só vai ser empresário? Essa é uma discussão que nós temos de fazer. Porque, se for, é para dar lucro e fazer porcaria”, acredita Donizete.

O medo de que apenas garanta mais lucro para empreiteiras e pouco resultado na vida de pessoas com renda de até três salários mínimos impediu que os movimentos se animassem com o anúncio da parceria público privada (PPP) e com o governo do estado e federal para construir 20 mil moradias no centro. Para eles, o modelo intensifica a mercantilização do setor. “Lógico que entra dinheiro público, mas a gente acha tira a responsabilidade do poder público e joga para o privado. E aí você transforma em mercadoria a casa. A gente é contra porque achamos que tem de ter participação popular, tem de ter autogestão”, afirma um dos coordenadores da União dos Movimentos de Moradia (UMM), Sidnei Pita.

As casas serão destinadas a famílias com renda de até R$ 3.775, o equivalente a cinco salários mínimos do estado de São Paulo, que atualmente é de R$ 755. No entanto, a maior parte do déficit habitacional está concentrada na faixa de até três mínimos nacionais, o equivalente a R$ 2.034. “A gente sabe que quando coloca até cinco salários, as empreiteiras vão atender as famílias na ponta, com renda mais alta. E as de até três ficam de fora”, afirma Dito. “Então isso virou um presentão para as empreiteiras e para o mercado imobiliário, que vão ficar com as áreas mais importantes da cidade. Nós estamos de olho para eles não pegarem os imóveis que nós lutamos há anos para serem de moradia popular.”

Os movimentos também chamam atenção para a inexistência de conversas sobre a eleição do Conselho de Habitação e da reserva de terrenos para moradias populares na área que será afetada pelo Arco do Futuro. “Se não tiver terras grafadas para os movimentos será o 'arco do despejo'”, sentencia Dito.

Apesar de não colocarem a substituição do secretário de Habitação como reivindicação dos movimentos, várias lideranças deixam claro que não engoliram ainda que a pasta tenha ficado com José Floriano de Azevedo Marques Neto, uma indicação do Partido Progressista (PP). “Na nossa concepção já começou errado por ter o PP lá”, afirma Pita, da UMM.

“É um conflito: um secretário que não conhece a cidade, indicado por um partido que não tem compromisso com os movimentos sociais e populares”, afirma Luiz Gonzaga, o Gegê, do Movimento de Moradia do Centro.

“Nós queremos que as políticas saiam do papel. Já tínhamos falado para o Haddad lá em dezembro que a secretaria na mão do PP era um desastre para a política habitacional da cidade. Mas ele disse que não. Então ele que arque com as consequências”, declara Dito.

“Tem gente que está na secretaria de Habitação para fazer politicagem. Em cima de movimento de moradia, não vai fazer. Porque o Haddad ganhou com a proposta popular. Quem ganhou a eleição em São Paulo é um partido que preza pela participação popular. Então tem que cumprir isso. E quem está na secretaria de habitação é um partido que não preza isso”, afirma Donizete.

Ele lembra que os movimentos de moradia trabalharam para a eleição de Haddad, mas que isso não significa que irão se omitir diante de falhas. “Aí vão dizer que nós estamos contra a prefeitura. Não, eu quero ajudar a prefeitura. A gente tem de ficar de olho aberto o tempo todo.”

Fonte: Rede Brasil Atual