Morte de João Goulart será investigada pela Comissão da Verdade

A Comissão Nacional da Verdade realizou nesta segunda-feira (18), no Rio Grande do Sul, sua primeira audiência pública de 2013 — a décima segunda desde sua criação. A Comissão colheu 14 relatos de familiares e de presos políticos que sofreram torturas físicas e psicológicas nos porões da repressão gaúchos.

Na segunda parte da audiência, a CNV tratou do caso de João Goulart e da Operação Condor. Na ocasião, a família de João Goulart entregou à CNV uma petição em que requer a exumação dos restos mortais do ex-presidente para que seja apurado cientificamente se ele foi envenenado, conforme confessou Mário Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência uruguaio, que se encontra preso no Brasil.

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Para Rosa Cardoso (CNV), a petição dos Goulart possui elementos concludentes de que ele foi vítima da Operação Condor. Entretanto, Rosa Cardoso avalia que é necessária uma análise detalhada da petição para definir medidas que possam ser tomadas pela Comissão a tempo de atenderem o relatório final, que deve ser entregue à presidenta Dilma Rousseff em 16 de maio de 2014.

Os procuradores da República no Rio Grande do Sul Ivan Marx e Suzete Bragagnolo participaram da audiência e relataram as providências tomadas no campo cível e criminal a respeito. Após a audiência, o MPF-RS divulgou nota, informando que a instituição ouvirá o médico Odil Rubim Pereira amanhã, em São Borja. Amigo da família, Odil teve acesso ao cadáver do ex-presidente João Goulart pouco antes de seu sepultamento, quando limpou secreções que saíam pela boca e pelas narinas de Jango.

O senador gaúcho Pedro Simon, que também participou da mesa sobre João Goulart disse que a desconfiança sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente começou no dia seguinte a seu sepultamento e durante o processo de traslado para o Brasil. Segundo ele, uma autópsia do corpo foi negada tanto na Argentina (local de sua morte) quanto no Brasil. Simon contou que Jango pretendia ainda voltar ao país e lutar pela redemocratização do país.

Operação Condor

Doze ex-presos políticos gaúchos, Suzana Lisboa, mulher do desaparecido Luiz Eurico Tejera Lisboa, e Lilian Celiberti, presa em Porto Alegre por agentes uruguaios num plano da Operação Condor deram seus relatos à CNV na audiência. Nos depoimentos, revelaram torturas físicas e psicológicas sofridas nos porões da repressão gaúchos e de outros estados do país por onde passaram e emocionaram o público, que lotou o auditório.

Entre os relatos, o ex-governador Olívio Dutra contou a repressão sofrida pelos bancários, o ex-prefeito Raul Pont, a prisão sofrida por militar no movimento estudantil. O advogado Carlos Araújo, mesmo não muito bem de saúde, fez questão de comparecer. Ele pediu que a ligação entre alguns empresários e o financiamento da repressão sejam investigados. Suzana Lisboa entregou à CNV uma lista com os nomes de mortos e desaparecidos gaúchos.

Um depoimento que emocionou o público foi o de Antonio Lucas de Oliveira. Professor de História, ele foi preso diante de seus alunos em uma escola de Viamão. Ele conta que sofreu privação do sono. Colocaram um capuz preto na minha cabeça. "Um capuz com cheiro de suor de outros que viveram aquele sofrimento", disse. Em outro dia, ouviu os gritos de um preso sendo torturado, apesar de os torturadores aplicarem os golpes com o rádio a todo volume: "Foi uma sensação estranha, os gritos de um companheiro sofrendo tortura, sob o som do hino nacional tocando muito alto", disse.

Entre outras informações sobre como foi compreendendo aos poucos a dimensão da Operação Condor, Lilian Celiberti se emocionou ao lembrar da mãe e de uma funcionária do Dops do Rio Grande do Sul que morreu misteriosamente às vésperas de um depoimento à Justiça, que daria em 1982. No bloco da Operação Condor, a CNV divulgou a lista dos nomes dos brasileiros mortos no exterior que devem ter sido vítimas da Condor e que a Comissão pretende investigar.

Documentos e Lei de Anistia

Os relatos foram precedidos pelas falas do coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, do governador Tarso Genro e da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário e pelo coordenador da Comissão Estadual da Verdade, Carlos Guazelli. Rosa Cardoso fez uma apresentação sobre os andamentos dos trabalhos da CNV e a divisão de sua pesquisa em grupos de trabalho.

Segundo Paulo Sérgio Pinheiro, a Comissão da Verdade já tem definidos os acervos que investigará e sabe onde obter as informações necessárias ao relatório final. "Sabemos onde estão os documentos e temos certeza que será diferente após o relatório, que o relatório terá consequências".

Tarso Genro voltou a defender que a interpretação da Lei de Anistia dada pelo Supremo Tribunal Federal é equivocada e que o Estado não poderia auto-anistiar os agentes que cometeram crimes de lesa-humanidade. Maria do Rosário destacou que é necessária uma política para sítios de memória. Na audiência, a CNV e a Comissão Estadual da Verdade firmaram termo de cooperação.

Informações do Portal da CNV