Thomas de Toledo: Marx e o internacionalismo de seu tempo
Durante toda sua vida militante, Marx foi um internacionalista. Seu projeto era reunir o proletariado em um grande partido internacional para derrubar a ordem burguesa e instalar um novo poder político. Tal projeto foi explicitado no Manifesto do Partido Comunista de 1848, que é uma convocação para a união desse proletariado crescente, de todos os países.
Por Thomas de Toledo*, para o Portal Vermelho
Publicado 14/03/2013 08:45
O próprio Manifesto fora escrito em inglês, francês, alemão, italiano, flamengo e dinamarquês, na sua primeira edição.
O embrião desse partido internacional fora a Liga dos Justos de 1836, que alguns anos depois ficou conhecida como Liga dos Comunistas. Em 1848, nas palavras de Marx e Engels, o fantasma do comunismo rondava a Europa, e já era hora de os comunistas exporem ao mundo seus objetivos.
A Europa desse tempo vivia o impulso da industrialização, e progressivamente a sociedade burguesa moldava o capitalismo à sua imagem e semelhança. Era um tempo nunca dantes visto de vigorosa expansão do comércio internacional através de ferrovias e da grande navegação oceânica. Crescia a comunicação e as relações entre os países, e ao mesmo tempo em que a burguesia esbanjava-se como a classe dos novos ricos, entrava em seu ocaso a nobreza decadente. Nesses avanços, o proletariado poderia aproveitar para tornar sua luta uma única causa internacional.
Marx identificava o proletariado como a classe mais avançada para tomar o poder e superar a hegemonia burguesa em formação. Entendia que a história da sociedade era a história da luta de classes nas sucessivas mudanças de modos de produção. Via no próprio caráter de classe do proletariado, o poderoso potencial transformador que inspiraria a luta contra a exploração do trabalho. No seu entendimento, o proletariado tinha uma missão para toda a humanidade, de liderar a superação da sociedade capitalista que, ao mesmo tempo em que era modernizadora, fundamentava sua riqueza na exploração do homem pelo homem. A nova sociedade incorporaria os avanços burgueses em relação às formações pré-capitalistas, mas apontaria para uma formação social mais avançada na qual se aboliriam todas as formas de exploração de um ser humano por outro. O nome deste objetivo era comunismo.
O contexto em que Marx viveu foi de radicalidade da luta de classes e de antagonismos cada vez mais visíveis entre burgueses e proletários. Enquanto a burguesia desfrutava de um luxo jamais visto, o proletariado era super-explorado em jornadas de trabalho insanas, sem quaisquer direitos. Este modo de produção se espalhava rapidamente pelos países mais desenvolvidos da Europa, que passavam a integrar seus mercados em torno de suas burguesias nacionais, concorrendo com as de outros países em busca por matérias-primas e de mercados para seus produtos.
Apesar de para Marx e Engels a luta do proletariado contra a burguesia ser travada primeiramente no país, eles entendiam que haveria de se fazer valer os interesses comuns do proletariado, independente da nacionalidade. No próprio Manifesto Comunista, diziam que proletariado não tinha pátria, referindo-se à ascendente dominância da concepção burguesa de nação. Identificavam que as demarcações e antagonismos entre os povos desapareciam cada vez mais, à medida que se expandiam os comércios e a produção industrial uniformizava-se. Acreditavam que o fim da exploração do homem pelo homem levaria ao fim da exploração de uma nação por outra. Assim, quando os antagonismos de classes no interior das nações desaparecessem, desapareceria a hostilidade entre as nações.
Marx buscou uma coerência de seu trabalho intelectual com sua militância política, não apenas engajando-se nas lutas políticas de seu tempo, mas liderando-as, formulando suas estratégias e táticas, e atuando em todas as frentes que lhe eram possíveis. Isto lhe rendeu diversos asilos políticos em sua vida, fazendo com que conhecesse distintas realidades dos países onde vivia.
Com o fim da Liga dos Comunistas em 1852, Marx se empenhou na criação da Associação Internacional dos Trabalhados (AIT) em 1864, também conhecida como I Internacional. Na AIT, Marx diferenciou-se das posições de anarquistas como Bakunin e Proudhon, ao defender um período de transição ao comunismo, que passaria a ser conhecido como socialismo ou “ditadura do proletariado”. Após a comuna de Paris em 1871, na qual o proletariado tomou pela primeira vez “o céu de assalto”, o caminho para uma revolução ficava cada vez mais compreensível em seus acertos e erros. No contexto da criação do Partido Social Democrata da Alemanha em 1875, Marx amadureceu tais concepções teóricas da transição, na Crítica ao Programa de Gotha. Devido a uma conjuntura política delicada, em 1876 a AIT foi extinta, mas seu legado viria a ser retomado em 1889 com a criação da II Internacional.
Marx faleceu em 14 de março de 1883, portanto há 130 anos. Não chegou a ver nenhuma revolução socialista inspirada em seus ideais em vida, mas no Século 20, uma revolução liderada por Lênin viria a triunfar. A derrota dessa experiência fez com que o Século 21 iniciasse sob a hegemonia dos ideais burgueses.
Em um contexto de globalização neoliberal, no momento histórico do imperialismo como etapa superior do capitalismo, a luta nacional emerge mais uma vez ao lado da internacional. A resistência à dominação de uma nação por uma potência imperialista ganha cada vez mais relevância e está plenamente associada à luta pelo fim da exploração do homem pelo homem. Portanto, não há contradição entre internacionalismo e defesa da soberania e autodeterminação dos povos. Ao contrário, são lutas complementares rumo ao mesmo objetivo.
Assim, a articulação internacional é não apenas seguir uma tradição iniciada pelos comunistas do tempo de Marx e Engels, mas acima de tudo construir a luta concreta que exige o tempo histórico da globalização neoliberal, sob a égide do imperialismo estadunidense. Seja em encontros de partidos revolucionários e operários, nos movimentos sindicais, estudantis e de mulheres, em fóruns sociais mundiais ou na solidariedade aos povos e luta pela paz, o internacionalismo está presente. Mas para honrar os séculos de lutas manchados pelo sangue vermelho do trabalhador, que seja lembrado o lema que Marx iniciou, que hoje é continuado, e que pode ser resumido por: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.
* Thomas de Toledo é secretário geral do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz)