A luta dos diferentes para serem respeitados como iguais 

Está em cartaz o filme Colegas, que tem como protagonistas três artistas portadores de Síndrome de Down.

Por Marcos Aurélio Ruy* 

. - Divulgação

Nestes tempos em que a Câmara dos Deputados escolhe um troglodita racista, homofóbico, sexista para presidir a Comissão de Direitos Humanos, que falta de respeito! O deputado pastor evangélico Marco Feliciano, do Partido Social Cristão foi escolhido porque deram essa comissão de mão beijada ao pequeno PSC, sem nenhum critério de avaliação da importância da comissão para o desenvolvimento das lutas pelo aprimoramento da democracia no país. A sociedade civil organizada, porém, começa a se mexer para reverter esse quadro.

Ao mesmo tempo em que se assiste a cobertura canhestra e nefasta que a mídia comercial faz da morte do líder venezuelano Hugo Chávez. Com indisfarçável satisfação, os apresentadores dos principais telejornais da tevê noticiavam a morte com alegria desmedida e os analistas mostram um quadro desmentido pelas próprias imagens. Falam de uma Venezuela dividida e à beira do caos, enquanto o que se vê são milhões de venezuelanos comovidos e convictos de se continuar no rumo escolhido nos últimos anos. Pobre mídia rica.

Todo esse preâmbulo para falar do filme Colegas, dirigido por Marcelo Galvão, que surpreende pela tenacidade em mostrar a importância da tolerância entre as pessoas. A película mostra na telona como é importante temas como solidariedade, generosidade, amizade, respeito. Um verdadeiro conto de fadas em que a fada madrinha é um jardineiro da escola dos portadores da síndrome e também narrador da obra, o ator Lima Barreto (brilhante).

As dificuldades que o diretor diz ter encontrado para a realização da obra são as costumeiras pra qualquer filme, apesar dos três protagonistas serem portadores de Síndrome de Down. E por isso se ressentiu de certa falta de atenção necessária para a gravação das cenas, mas o próprio filme dá resposta, quando o agente Souza (Deto Montenegro) afirma que são três crianças sobre os perseguidos pela, para proteger os perseguidos da brutalidade policial.

Além de tratar da questão do tratamento que deve ser dado aos deficientes no país, Colegas tem um andamento que mostra da possibilidade de conscientização das pessoas quando policiais brutais que afirma terem sempre cuidado de “desaparecer” com as pessoas, agora passam a trabalhar no departamento dos desaparecidos e com o transcorrer se afinam com essa nova tarefa e defendem os procurados.

Conto de fadas

A comédia em tom de conto de fadas apresenta duas histórias paralelas que se interligam. A visão dos protagonistas, baseada em histórias do cinema e a realidade com escola, policiais e uma mídia venal, que noticiam fatos com o mesmo “sorriso” nos lábios, sejam acontecimentos trágicos ou não. Além do exagero que essa mídia faz para conquistar audiências.

Inúmeras referências são percebidas no transcorrer da película. A começar por Stalone (Ariel Goldenberg), que recebeu esse nome porque o pai era fã incondicional de Rambo (ninguém tem culpa do nome que recebe). Mas essa referência se dá em termos irônicos somente. Thelma & Louise (1991), de Ridley Scott, é referência maior e Colegas mostra os três viajando de carro me direção ao sul do país e posteriormente Buenos Aires.

A comédia ganha vida quando Stalone e os amigos Aninha (Rita Pokk) e Marcio (Breno Viola) resolvem sair em busca de seus sonhos. No mundo dos três bastava seguir em gente. Pelo caminho encontram fantasias de um circo e as vestem para consubstanciar seus sonhos. Mesmo que para isso tenham que assaltar os locais por onde passam para alimentar-se, para mostrar que a vida é feita de sonhos, mas também de necessidades, em que a busca da felicidade se dá na intersecção dessas duas facetas da vida.

Outras influências sentidas na obra escolhida como melhor filme do Festival de Gramado do ano passado é Sociedade dos poetas mortos (1989), de Peter Weir, quando Stalone diz “viva o dia” e pegam o carro do jardineiro da instituição emprestado para a empreitada de buscar seus sonhos. Também há uma entonação próxima ao filme italiano Meus Caros amigos (1975), de Mario Mocinelli (1915-2010), na vontade de mostrar que a vida é regida também pelos sonhos.

Talvez a maior semelhança encontre-se em outro conto de fadas o hollywoodiano O pequeno Stuart Little (1999), de Rob Minkoff, onde se ressalta a diferença que torna cada indivíduo um ser único, mas que por isso mesmo igual ao outro em seus caracteres humanos. Os dois filmes mostram que o importante da vida é cuidar do outro, ajudar a melhorar a vida das pessoas sem subterfúgios.

Mas uma obra que inspirou ao menos o ator Ariel Goldenberg é I am Sam, traduzido como Uma lição de amor, no qual Sam Dawnson (Sean Penn, de forma brilhante) interpreta um deficiente mental que tem uma filha Lucy Diamond (Dakota Fanning, então com 7 anos), a menina tem esse nome devido à música dos Beatles Lucy in the ski with diamonds. Sem a presença da mãe da menina, Sam luta pela filha, tirada de seu convívio pela justiça. Goldenberg tenta trazer Sean Penn ao Brasil para assistir Colegas.

Colegas trata de tudo isso. Um filme bem dirigido, com roteiro bem elaborado, montagem perfeita, fotografia belíssima para mostrar que o Brasil mudou muito nos últimos dez anos, mas que precisa avançar. Avançar para uma sociedade que se preocupe com o outro, que olhe o diferente com respeito e saiba que somos todos iguais até na diferença. Iguais em direitos e únicos enquanto seres humanos.

O filme mostra ainda que valer a pena lutar pela vida mesmo com todas as adversidades e como na música de Raul Seixas Tente Outra vez: “tente!/Levante sua mão sedenta/E recomece a andar/
Não pense/Que a cabeça aguenta/Se você parar”. Sempre há uma chance de tentar novamente.

Para saber quais são os sonhos dos protagonistas da película, somente assistindo o filme.

Trailer do filme

*Marcos Aurélio Ruy é colaborador do Vermelho