EUA: Soldado admite ter informado WikiLeaks por "debate público"
O soldado estadunidense Bradley Manning reconheceu ser a fonte do maior vazamento de segredos de Estado na história dos EUA. Manning repassou informações oficiais secretas ao site Wikileaks e declarou que sua motivação foi a favor da transparência oficial com a intenção de detonar um debate público sobre a política externa e militar de seu país.
Publicado 07/03/2013 11:27
O soldado compareceu, sexta-feira (1º), diante da juíza militar encarregada do processo judicial, a coronel Denise Lind, no tribunal militar localizado no forte Meade, nos arredores de Washington.
As audiências preliminares avaliam o eventual encaminhamento de Manning ao conselho de guerra; o soldado, de 25 anos, por meio de seu advogado David Coombs, se declarou culpado em 10 das 22 acusações feitas contra ele, relacionadas com o manejo de informação classificada sem autorização, mas negou culpa em acusações maiores como ajudar o inimigo.
Essas acusações maiores podem implicar uma pena de prisão perpétua, segundo o código militar, se os promotores decidirem levá-las adiante.
Manning admitiu ter tido acesso e manejado informação classificada de maneira não autorizada, incluindo vídeos de missões militares (entre eles o de um helicóptero que fez disparo contra civis) no Iraque e Afeganistão, interrogatórios de presos em Guantánamo, informes de incidentes militares e outros arquivos. O massivo vazamento inclui cerca de 250 milhões telegramas diplomáticos, entre os quais estavam os relacionados ao México que foram compartilhados pelo Wikileaks com o jornal mexicano La Jornada.
Mais tarde, e pela primeira vez no processo em razão do qual Manning já acumula mais de mil mias em prisão militar sem um julgamento, grande parte desse tempo em condições qualificadas como de trato cruel, desumano e degradante pelo relator especial sobre tortura da Organização das Nações Unidas, o soldado teve oportunidade de expressar as razões e motivações de seus atos que sacudiram o mundo militar e diplomático (a segunda vez na qual lhe foi permitido falar publicamente desde que ele foi detido).
Ao ler um documento de 35 páginas que redigiu, Manning, em uniforme militar, lembrou como ingressou no exército, seu trabalho como analista militar no Iraque, e como chegou à decisão de que era importante que alguns documentos aos quais tinha acesso fossem conhecidos pelo público.
“Eu acreditava que se o público, em especial o estadunidense, pudesse ver isso [os documentos e vídeos], poderia despertar um debate doméstico sobre o papel dos militares e da política externa em geral”, sobretudo em torno das guerras no Iraque e Afeganistão. Ele afirmou que os cidadãos estadunidenses tinham o direito de conhecer os custos reais da guerra.
Além disso, assinalou que as centenas de milhares de documentos sobre incidentes militares nas zonas de guerra demonstravam falhas na estratégia bélica. Destacou que os militares estadunidenses estavam obcecados em capturar ou matar objetivos humanos apontados em listas sem se importar com as consequências dessas operações sobre a população civil no Iraque e no Afeganistão.
O soldado insistiu que agiu para promover a transparência e para divulgar publicamente atos como os gravados em um vídeo de um ataque de helicóptero em Bagdá que mostrava o assassinato de civis, incluindo crianças e jornalistas da agência Reuters. Ao se referir aos registros de incidentes de guerra, comentou que estes são alguns dos documentos mais importantes de nossos tempos, revelando os custos reais das guerras.
Afirmou ainda que pensou longamente sobre o que estava divulgando e excluiu documentos que considerava que poderiam prejudicar seu país, concluindo que os telegramas diplomáticos não continham informações altamente sigilosas e que só poderiam ser vergonhosos para o governo estadunidense. Ele disse, além disso, que ao divulgar o que estava acontecendo nestas guerras para a opinião pública, fez algo que lhe deixou com a consciência tranquila.
Manning contou como primeiro tentou entregar os documentos que havia baixado digitalmente a vários jornais no início de 2010, incluindo o New York Times e o Washington Post, mas não recebeu resposta ou eles mostraram pouco interesse. Assim, decidiu enviá-los ao site Wikileaks. No entanto, destacou que “ninguém associado a WLO (referindo-se à organização de Wikileaks) me pressionou para o envio de mais informação. Eu assumo plena responsabilidade”. Ele admitiu que continuou enviando mais documentos desde seu computador no Iraque e que iniciou um diálogo em um chat virtual com alguém que supunha ser de alto nível do Wikileaks, possivelmente Julian Assange.
Ao aceitar a culpa nas dez acusações menores – cada uma com uma condenação possível de dois anos (ou seja, 20 no total) – Manning reconheceu perante a juíza Lind que não haverá possibilidade de sair desse processo sem alguma pena carcerária. O julgamento militar, no qual a juíza Lind será a única autoridade judicial (não haverá jurados), com acordo de Manning, está programado para iniciar no dia 3 de junho.
O comando militar dos EUA o acusou dos crimes mais graves no código militar, como ajudar o inimigo e várias violações da Lei de Espionagem, lei de 1917 que até a chegada de Barack Obama à Casa Branca quase nunca havia sido utilizada. Mas isso implicaria ter que comprovar que a informação que vazou era de interesse da defesa nacional e poderia ter sido usada para provocar danos aos Estados Unidos.
As palavras de Manning foram reproduzidas por vários meios de comunicação e pela Rede de Apoio a Bradley Manning, que observaram a sessão ao vivo por vídeo, em uma sala do tribunal já que, por enquanto, a juíza não permite gravar (nem áudio nem vídeo) os acontecimentos, nem disponibiliza uma transcrição pública. No entanto, o processo não é secreto.
Para mais informações sobre este caso e outros relacionados ao Wikileaks, ver Wikileaks no La Jornada. Toda a coleção de reportagens e notas sobre os documentos oficiais vazados para Wikileaks e relacionados ao México está disponível no livro “México em Wikileaks, Wikileaks no La Jornada”.
Com Carta Maior e La Jornada