Crônica falando em Che – As três vezes que vi Che

Quando eu estive na China, em 1963, me encontrei com alguns líderes políticos. Fiz essa viagem com uma delegação de dez jornalistas latino-americanos, sendo oito brasileiros e dois peruanos. Foi após um Congresso Internacional de Jornalistas, acontecido em Baden bei Viene, na Áustria, e para onde foram alguns pernambucanos, entre eles Luiz Beltrão, Leocádio Morais, a mulher de Beltrão, o então presidente da AIP (que não consigo me lembrar o nome), e outros.

Por Celso Marconi

Che

Abdias Moura era o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco e eu era o tesoureiro. Após o Congresso, que era comandado pelos socialistas, houve convites por parte de alguns países, sendo os mais importantes os da URSS e da China. Para que o jornalista visitasse o país. Leocádio queria por que queria ir para a China e fez tudo para isso. Mas como eu era da base do Partido tive prioridade e Mesplé, que era do Rio de Janeiro, e coordenava tudo, me confirmou como um dos convidados dos chineses.

Celso Marconi

Na época não era tão fácil as viagens internacionais. Tanto que o avião em que a gente viajou do Recife para a Europa fez escala em Dakar, na África; em Madrid, na Espanha. E para então chegar a Viena! Eu tinha uma caderneta em que fazia anotações (não sei mais onde anda) e Leocádio, para brincar comigo, escreveu, como se fosse eu: “Vi em Dakar uns negrinhos falando francês”. Também quando seguimos com os chineses fizemos um longo percurso. Primeiro fomos para Roma, de avião. Da capital italiana seguimos para Praga, de trem, numa longa e excitante viagem. Em Praga, então capital da Tchecoslováquia, permanecemos oito dias, esperando que houvesse avião para a China.

Ficamos um mês completo na China. Era novembro de 1963. E coincidiu que no mesmo período “Che” Guevara chegou para uma visita ao país. E foi assim que vi três vezes o hoje mito para a humanidade. Primeiro fomos ao aeroporto de Pequim para recepcioná-lo. Ficamos ao longo de uma espécie de fila aguardando que o avião que trazia Guevara pousasse. Inclusive tenho uma foto, tirada por mim, do seu desembarque, ainda na escada do avião. Ernesto veio e cumprimentou um a um os que o estavam esperando. Acho que demorei muito apertando sua mão, todo empolgado. Depois houve uma recepção na Associação de Amizade Latino-americana / Chinesa, quando os latino-americanos que se encontravam em Pequim o homenagearam. E os brasileiros, o nosso grupo, subiu no palco para cantar um samba. Numa hora todo mundo parou para olhar para mim que estava cantando totalmente fora de tom. Morto de vergonha continuei cantando mas bem baixinho. E a terceira vez que vi o “Che” foi na grande recepção, com a participação de mais ou menos cinco mil pessoas, no Palácio do Governo, oferecida por Mao Tse Tung. O salão de banquetes é formado por mesas onde ficam dez ou doze pessoas. E o grande momento foi quando o presidente Mao, o primeiro-ministro Chou en Lai e o ministro da economia de Cuba, Ernesto Guevara, saíram de mesa em mesa, cumprimentando todos os participantes.

Nós éramos uns dos primeiros brasileiros a visitar a China após a revolução comunista. Por isso fomos recebidos com a mesma regalia que era prestada a chefes de Estado. Foi na mesma época em que Jango e Francisco Julião estavam por lá e nos encontramos. Então eu ainda trabalhava no Diário de Pernambuco (antes de ir para a Última Hora NE) e quando eu voltei o Dr. Aníbal (como nós o chamávamos) colocou em sua coluna: “o magricela Celso Marconi foi à China como quem vai a Água Fria e já volta”.

Essa estória das vezes que vi o “Che” não é inédita. Eu a contei certa vez, em 1967, quando o Comandante foi morto na Bolívia, em 9 de outubro desse ano. Eu trabalhava no Jornal do Commércio, era editor do caderno de variedades (não me recordo se então já se chamava Caderno C), e Vladimir Calheiros era o editor geral. Ainda havia dúvidas sobre se Che havia sido morto ou não. E por isso mesmo a cobertura durou três dias. Então não havia muitos repórteres para fazer o caderno e eu mesmo tinha, quase todo dia, de fazer uma reportagem para a primeira página. Vladimir sabia da minha estória e achou que poderia ser a capa. Como tinha ligações com o comando do 4º Exército telefonou para lá e consultou sobre a possibilidade da publicação. Aberto o caminho escrevi o texto, As Três Vezes que vi o “Che”, que foi lido pelo então editor internacional do JC, Paulo Fernando Craveiro, e que disse: “Você se conteve o máximo mas no final sentimos que existe nas entrelinhas um “Que viva o Che”. O texto foi ilustrado por fotos antigas de Guevara.

Na verdade eu nunca vi essa matéria publicada. E isso porque acontecia quase todo dia. Eu fazia uma capa para o Caderno à tarde e quando chegava 21/22 horas Vladimir fazia outra. Tirava a minha e colocava a dele como 2º clichê. Assim a minha matéria que sempre tinha mais interesse para o Recife ia para o chamado Interior e a feita por Vladimir circulava com os jornais do Grande Recife, como 2º Clichê. Eu argumentava com ele, mas não tinha jeito. “Enquanto eu for editor geral é assim”, dizia. E assim também foi no dia 10 de outubro de 1967. Minha matéria circulou em João Pessoa (Eurico Reis que morava lá me disse que viu), no Rio de Janeiro (alguns números), em Garanhuns e outras cidades. Mas nem na redação, internamente, circulou.

Segundo eu soube (e foi contado na edição de 80 anos do JC) o então contínuo (e depois diagramador, meu amigo) Pelé (José Inácio da Silva) viu umas fotos de “um homem parecido com Jesus” chegando à redação, e disse isso quando se encontrou com Vladimir no bar próximo ao jornal, acho que já mais de meia-noite. Ele imediatamente voltou e fez nova página, com as novas fotos de Che, morto pela polícia boliviana. E fez outro texto também, como uma espécie de legenda.

Então o que eu quero é o seguinte. Encontrar alguém que tenha um jornal daquela época. E me permita tirar uma cópia. Porque Eurico Reis, que me disse que leu, não tem. E isso para que meu nome (vaidade!) fique ligado ao Che na cobertura feita no JC do Recife. Cobertura que foi elogiada inclusive no Rio, quando se fez referência à matéria local (que era a minha). Quando se falou nessa cobertura (não sei se foi Fernando Menezes ou Jodeval Duarte que fez a pesquisa) nada se disse da minha reportagem. E eu não quero ser esquecido assim. Pelo menos na história do Jornal do Commércio, onde trabalhei de 1966 até 1989.

Olinda, 28 de fevereiro de 2010

Fonte Blog de celsomarconi