Rússia segue empenhada por solução pacífica para a Síria
A Rússia deu grande e importante passo para consertar as pontes com a Liga Árabe, com a assinatura de um Plano de Ação para o Fórum Russo-Árabe (FRA), realizada em Moscou no dia 20 de fevereiro.
Por M.K. Bhadrakumar*
Publicado 27/02/2013 12:26
O FRA tinha sido deixado à espera, enquanto as relações da Rússia com a Arábia Saudita e o Catar desmontaram-se, com o advento do conflito na Síria e as inúmeras incertezas que surgiram no Oriente Médio trazidas pela "Primavera Árabe".
O Plano de Ação afirma que não há contradições fundamentais entre a Rússia e o mundo árabe, no que tenha a ver com as questões nucleares do conflito entre árabes e israelenses e do problema palestino, ou quanto ao estabelecimento, no Oriente Médio, de zona sem armas nucleares e de “cooperação internacional na esfera da energia nuclear pacífica.”
Clara indicação de que o conflito na Síria caminha para negociações políticas, e de que a Rússia espera desempenhar papel decisivo no processo, é que a primeira reunião do FRA tenha acontecido em Moscou, na semana passada. A declaração conjunta distribuída depois da reunião destaca um alto grau de convergência no que tenha a ver com a situação síria.
Os dois lados rejeitaram intervenção estrangeira e reafirmam seu respeito à soberania, independência, integridade territorial e unidade da Síria; mais importante que isso, já tocaram em modalidades de “transição” para a Síria.
Sugeriram que se deve iniciar um processo político, depois de imediato cessar-fogo, o que levará “a formar um corpo de governo de transição com plenos poderes executivos para atravessar o período de transição e transferir o poder em prazo a ser acordado.” Claro: “todos os sírios” devem participar no processo político.
Interessante, a declaração conjunta cita o Comunicado de Genebra, de junho de 2012, como base fundamental do processo de paz. (A Rússia argumentou, consistentemente, que o regime sírio deve também participar do processo de paz.)
O ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov disse, depois da reunião do Fórum Rússia-Árabes, que Moscou deseja hospedar um diálogo entre os próprios sírios.
As coisas parecem estar começando a melhorar. O Ministério de Relações Exteriores em Moscou já parece arriscar-se a anunciar boas novas: “Ouvimos que há sinais de movimentação rumo a um diálogo entre o governo sírio e a oposição.”
Além do mais, o MRE da Rússia tuitou as seguintes observações, atribuídas a Lavrov: ”Nós [a Rússia] fizemos belo trabalho para convencer a liderança síria a cooperar com a liga árabe, à base desse iniciativa”. E em seguida: “A Rússia apoiou a ideia de enviar observadores da Liga Árabe à Síria”. E outra vez, interessante: “Importante é que a prontidão para o diálogo manifestada pela oposição síria foi respondida com igual prontidão pelo governo.”
Lavrov ‘convocou’ fortemente o regime sírio, na presença do secretário-geral da Liga Árabe Nabil al-Arabi (que estava em Moscou para a reunião do FRA: “A necessidade de iniciar um diálogo torna-se cada dia mais clara. Nenhum dos dois lados pode permitir-se apostar em solução militar, que é caminho para lugar algum, uma via para a autodestruição.”
Significativamente, o Ministro de Relações Exteriores do Egito Mohamed Kamel Amr participou da reunião do Fórum Rússia-Árabes. É a segunda visita de Amr a Moscou, nos últimos dois meses. O Egito deve assumir agora a presidência rotativa da Liga Árabe.
As atenções mudam para Roma, onde nesta quinta-feira (28) se reunirão os países que clamam por ‘mudança de regime’ na Síria – EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Catar, Arábia Saudita, Turquia, etc. Será a primeira vez em que se verá o novo secretário de Estado dos EUA John Kerry em ação oficial, na questão síria.
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Com as pombas da paz ansiando por abrir asas e decolar rumo aos céus de Moscou, o encontro em Roma terá de haver-se com a adequação ou não de insistir em bater os tambores de guerra. Ações dos EUA para armar os rebeldes sírios parecem hoje ainda mais improváveis.
Isso posto, e apesar de retiradas táticas, a estratégia dos EUA não mudou fundamentalmente. A prioridade imediata será trabalhar para formar um governo de transição na Síria que não seja “antiocidente” e que Washington espera conseguir influenciar.
Ao mesmo tempo, os EUA esperam que as forças do governo sírio e os radicais islamistas continuem a enfraquecer-se mutuamente, e que, a cada dia enfraqueçam-se mais. Do ponto de vista dos EUA, a era pós-Bashar al-Assad já pode começar, apesar de o espectro da al-Qaeda instilar dúvidas sobre qualquer apressamento na dinâmica em campo.
O coração da questão é que a crise síria já modificou o equilíbrio estratégico regional. A ruptura nos laços entre o Hamás e Damasco, o surgimento de tensões sectárias entre xiitas e sunitas, o isolamento do Irã no mundo árabe – são condições que já mostraram inabalável potencial para “gerenciar” a crise síria num largo espectro, com vistas a calibrar outras questões regionais, como a questão nuclear do Irã, o problema palestino, a intransigência dos israelenses, etc.
Mais uma vez, em escala mais ampla, o conflito sírio já ofereceu o álibi para que os EUA instalem seu sistema de mísseis de defesa na Turquia, embora, de fato, o objetivo real seja outro; como se lê no jornal do Departamento de Defesa dos EUA, 20/2/2013, “Patriots’ Main Mission in Turkey: Protect NATO Radar [Principal objetivo da missão dos Patriotas na Turquia: proteger o radar da OTAN].
O embaixador M. K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da India. Exerceu funções na extinta União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Kuwait e Turquia.
Fonte: Rediff