Uruguaios pedem fim da impunidade por crimes da ditadura
Milhares de uruguaios, entre eles o escritor Eduardo Galeano, protestaram nesta segunda-feira (25) contra a "indignidade" da Justiça e exigiram novamente o fim da impunidade pelos crimes da ditadura. A manifestação acontece depois que a Suprema Corte de Justiça (SCJ) declarou inconstitucional uma norma que evitava a prescrição dos crimes daquela época.
Publicado 26/02/2013 15:54
Já o cantor uruguaio Daniel Viglietti denunciou que a SCJ deu “um tipo de golpe de Estado jurídico” que pretende liquidar os processos contra os criminosos da ditadura (1973 – 1985). Viglietti afirmou que a SCJ busca impedir que sejam julgados os “que torturaram, assassinaram e sequestraram”.
“Se, por um lado, o estado escavou a terra para encontrar os corpos, é preciso continuar escavando a sociedade para encontrar os responsáveis por tudo isso”, afirmou o cantor e compositor de 73 anos de idade à Prensa Latina.
Os manifestantes, convocados pelo partido governista Frente Ampla, pela PIT-CNT, maior central operária do país, e várias organizações de defesa dos direitos humanos, se concentraram na Praça Cagancha, junto à sede da SCJ, e ali permaneceram por quase uma hora para mostrar seu repúdio às recentes decisões do tribunal.
Sem megafones, alto-falantes, discursos e sem cantar palavras de ordem de nenhum tipo, os concentrados se limitaram a dialogar entre si e trocar opiniões sobre a melhor forma de reverter os passos dados pela mais alta instância judicial do país. Apenas no final do ato, a multidão explodiu em aplausos e entoou o hino uruguaio antes de dispersar-se.
Entre os presentes estavam dirigentes políticos e sociais como a senadora Lucía Topolansky, esposa do presidente José Mujica, e o escritor Eduardo Galeano. "Eu aprendi há muitos anos que a vida consiste em escolher entre indignos e indignados, e eu estou sempre com os indignados. Me parece que foi indigna esta Suprema Corte, que pratica a injustiça, e que, além de praticá-la, proíbe a memória e castiga a dignidade", disse Galeano.
Para o vice-presidente da coalizão governista Frente Ampla, Juan Castillho, a decisão foi “uma barbaridade”. “O recado que está sendo dado às vítimas e a suas famílias é aterrorizante”, lamentou o político. O partido do presidente José Mujica emitiu um comunicado na segunda-feira (25) afirmando que “a maioria da SCJ é responsável pela manutenção da impunidade”. O PVP, outro partido que integra a Frente Ampla, afirmou que irá denunciar a SCJ à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A decisão
Na sexta-feira (22), a SCJ declarou inconstitucional uma norma criada para evitar a prescrição dos crimes cometidos pela ditadura (1973-1985), o que habilita a possibilidade de arquivar essas causas e permitir assim a impunidade desses delitos.
Essa decisão foi a última de uma série de medidas do tribunal contrárias à orientação política do governo, como a supressão de um imposto que taxava as grandes extensões agrárias para combater o acúmulo de terras ou a mudança a uma corte civil da juíza Mariana Mota, destacada em sua perseguição dos crimes da ditadura.
Segundo Oscar Urtasun, da associação de Mães e Parentes de Detidos Desaparecidos, o protesto foi uma demonstração da "bronca pelo rumo da Justiça uruguaia". "É preciso vir pressionar. Bateremos portas no exterior se for preciso. O Supremo não pode ser tão supremo, essa é uma atitude teológica que já não cabe", comentou o ativista.
Opiniões
Gerardo Rey, secretário político da FA, apontou que a mobilização procura "manter a exigência permanente" contra a impunidade e ao mesmo tempo abrir canais para encontrar "caminhos institucionais jurídicos para que se faça justiça". "Estamos analisando os passos técnicos e faremos um plano político. Temos a vontade permanente de conseguir justiça e isso deve nos encorajar", acrescentou.
No lado oposto, a oposição em bloco, inclusive os ex-presidentes Julio María Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000), Luis Alberto Lacalle (1990-1995) e Jorge Batlle (2000-2005), rejeitou a mobilização e a considerou uma mostra de "atitude antidemocrática" que pode arrastar o país "a tempos de confronto que não devem repetir-se".
Rosana Gavazzo, advogada dos militares uruguaios que ganharam o recurso de inconstitucionalidade e filha de um repressor condenado a 25 anos de prisão por sua participação no Plano Condor, também considerou "muito grave" esta mobilização e acusou o FA de "não respeitar a separação de poderes".
Com Efe e Prensa Latina
*Matéria alterada às 16h20 para acréscimo de informações