Pepe Escobar: Será que Obama quer mesmo acertar-se com o Irã?
Almaty, Cazaquistão, estará no olho do furacão na 3ª-feira próxima, quando o grupo P5+1 – os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China, mais a Alemanha – reúnem-se novamente com uma delegação iraniana para discutir o programa nuclear do Irã.
Por Pepe Escobar, na Al-Jazira
Publicado 24/02/2013 19:05
O noticiário informa que todas as 16 agências de inteligência dos EUA sabem que Teerã não está trabalhando na produção de arma atômica. Em negociação real, haveria sobre a mesa proposta crível dos EUA. Não há. Isso sugere que o que Washington realmente quer é manter – e super turbinar – seu duro pacote de sanções.
Revisemos o mecanismo dessa ‘'negociação'’. Há apenas algumas semanas, dia 6/2, uma nova leva de sanções impostas pelos EUA apertaram o parafuso do que se conhece até agora como negócio de “ouro por gás”.
Ankara vem pagando o gás que importa de Teerã em liras turcas; o Irã então usava o dinheiro – mantido no Halkbank turco – para comprar ouro. As sanções agora impostas limitam duramente o que o Irã passa a ser autorizado a comprar com suas liras turcas: só comida, remédios e produtos industriais.
Em sequência imediata, a imprensa-empresa ocidental pôs-se a repetir que o Irã foi “congelado do lado de fora do sistema bancário global”. De fato, não há absolutamente qualquer garantia de que as recentes sanções funcionem.
O ouro permanece como parte do quadro. Um banco turco até pode ser ameaçado com o exílio, fora do sistema bancário que o ocidente controla. Mas os bancos russos – e chineses – encontrarão meio cuidadoso de escapar a essa restrição e preencher o vazio. Quanto ao Irã, o país tem décadas de experiência em viver sob sanções mortais – e adaptar-se à realidade.
A Turquia continuará a ter de importar gás natural do Irã – 40% do que consome; o Irã é seu principal fornecedor. O outro grande fornecedor é a Rússia; nem com todo o comportamento errático do Primeiro-Ministro Erdogan da Turquia, Ancara algum dia cometerá o suicídio estratégico de pôr-se em situação em que passe a depender de qualquer outro fornecedor de energia.
Portanto, o único a perder, no atual cenário, será a Turquia. Por quê? Porque Washington decidiu que assim seja.
Considere-se, agora, o que Washington tem a oferecer a Teerã: suspenderemos as sanções contra o negócio gás-por-ouro, se vocês fecharem completamente a usina subterrânea Fordow de enriquecimento de urânio. Não por acaso, Fordow é e sempre será a instalação mais difícil de destruir dentre as instalações iranianas, no caso de alguém tentar pôr em ação a tal ameaça perene (“todas as opções estão sobre a mesa”) de EUA/Israel atacarem o Irã.
Também em sequência imediata, na 2ª-feira o Ministro de Relações Exteriores do Irã, através do porta-voz Ramin Mehmanparast, foi diretamente ao ponto: “Eles têm repetido ultimamente que “fechem Fordow, parem o enriquecimento [de urânio], e permitiremos que comprem ouro”… Querem tirar direitos de um país soberano, em troca de “autorizar” que o país compre ouro”.
Teerã também observou, corretamente, que Washington não oferece o fim das sanções da ONU; nem das sanções unilaterais impostas por EUA e União Europeia; nem o fim do que, em resumo, é guerra econômica contra o Irã – um dos temas chaves que discuti detalhadamente em entrevista ao jovem jornalista iraniano Kourosh Ziabari.
Em seguida, a iraquização
Tentar proibir que o Irã negocie “gás-por-ouro” é, para todas as finalidades práticas, tentativa para reviver a horrenda política do “petróleo-por-comida” posta em prática no Iraque até a invasão/ocupação pelos EUA, em 2003.
Mas, apesar de um bloqueio comercial ocidental de fato, a liderança em Teerã continuará sempre conectada aos mercados asiáticos – com o incentivo extra, do ponto de vista de vastas porções do mundo em desenvolvimento, de continuar a avançar cada vez mais profundamente e mais rapidamente na direção de abandonar o petrodólar.
Consideremos agora a liderança em Teerã. São os mesmos que combateram durante oito amargos anos na guerra Irã-Iraque nos anos 1980s. Politicamente, a guerra os constituiu. Tendem a favorecer a “opção japonesa”, ou “período de latência”, em termos nucleares – adquirir a tecnologia e o know-how para construir uma arma atômica rapidamente, como último recurso de contenção. De fato, 30 nações – além do Japão – seguem idêntica opção.
No sábado passado, em Tabriz, o Supremo Líder do Irã, aiatolá Khamenei, repetiu:
Disse também que “se o Irã decidisse possuir armas atômicas, nenhuma potência nos impediria de tê-las”. Com isso, Khamenei estava, de fato, elaborando sobre a “opção japonesa”: ainda que o Irã não tenha bombas atômicas e não esteja trabalhando para construir armas atômicas, o país mantém abertas todas as opções, para o caso de ser encurralado e depender de uma bomba atômica como arma de dissuasão.
Parece que as potências, quaisquer delas, não captaram a mensagem em Washington, nem em Paris ou Londres. A arrogância ocidental, como mostram os registros, é sem limites. Assumindo que saberiam algo que só eles saberiam, “especialistas” e diplomatas ocidentais, os suspeitos de sempre, andam apostando que pacote ainda mais duro de sanções forçará o Irã a abaixar a crista.
Que bando de perfeitas inutilidades! Metam-se num avião. Desembarquem em Teerã. Conversem com os iranianos. Tentem aprender alguma coisa que se aproveite.
Fizessem isso, aprenderiam que, para os iranianos, grande potência tem de estar na vanguarda mais avançada da ciência – hoje, a tecnologia nuclear. Rápida revisão da mídia e da blogosfera iranianas mostra que todos, dos ultra conservadores aos reformistas, todos, concordam em que o Irã tem direito à tecnologia nuclear, como signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP).
O Irã precisa de energia nuclear para gerar eletricidade, porque importa muito óleo refinado. No momento, o Irã pode estar vendendo menos petróleo, por causa das sanções. Mas isso, por outro lado, faz subir o preço global do petróleo (e nesse caso, os perdedores são, mais uma vez, os europeus); e o petróleo iraniano fica preservado para o futuro – quando os preços estarão ainda muito mais altos.
Washington, por sua vez, tende a agir como cego que guia cegos. É como se nenhum “analista” se desse o trabalho de estudar os últimos 150 anos da história do Irã – mas não, claro, na versão de Argo, candidato ao Oscar, que nada ensina que preste; a questão tema é a luta anti-imperial.
Os britânicos não se cansam de dar ultimatos ao Irã. À maneira persa, quem se submete trai a nação; quem se recusa a submeter-se é herói, mesmo que perca a guerra, como Mossadegh em 1953.
O drama nuclear em curso é replay/remix do drama da nacionalização do petróleo de 1951-1953, quando o Irã também padeceu muito para ganhar a autossuficiência e passar a controlar seus próprios recursos naturais. Washington/Londres, daquela vez, não se limitaram aos muitos ultimatos: também promoveram um golpe infame.
O Xá foi derrubado no início de 1979. Desnecessário dizer que, desde então, o ocidente vive a ameaçar o Irã, sem parar.
Fim da “opção japonesa”?
Otimistas profissionais talvez digam que se deveriam suspender todos os julgamentos – pelo menos por algum tempo – quanto às intenções do governo Obama 2.0 relacionadas ao Irã.
Mesmo assim, vale relembrar que durante os dois mandatos do Presidente Khatami, reformista, Washington jamais apresentou qualquer proposta séria ao Irã – a obsessão por mudança, do governo Obama, parecia ter sido absolutamente suspensa, para tudo que tivesse a ver com o fim das sanções; ou com permitir que a Europa investisse livremente no Irã (o que beneficiaria a Europa). Esses movimentos, jamais feitos, teriam operado maravilhas para ajudar o movimento reformista no Irã.
O que se vê hoje é o retorno a um dos pontos mais baixos dessa história, quando até o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon faz declarações gravemente daninhas: “Não devemos dar muito mais tempo aos iranianos e não podemos perder tempo (…) Já vimos o que aconteceu na Coréia do Norte”.
Agora, é como se a própria ONU – não algum George “Eixo do Mal” Bush – já clamasse por guerra contra o Irã, servindo-se, como pretexto, de inexistentes armas de destruição em massa.
Esse tipo de pronunciamento sabota as conversações em Almaty, já antes de acontecerem. Ou, então, Ban Ki-moon está complementando o salário que a ONU lhe paga, com servicinhos de tempo parcial prestados a Bibi Netanyahu: reduz o tempo da ação diplomática e ajuda Israel a convencer Washington a bombardear o Irã.
Bruxelas pode até repetir que o Irã perdeu espantosos $46 bilhões em petróleo não vendido desde as sanções turbinadas do ano passado – com o rial perdendo 40% do valor. A população iraniana pode ter sido quem mais perdeu. Mas a liderança em Teerã está mais firme que nunca. Hoje, mais claramente do que jamais antes, Teerã não encontra qualquer oposição sempre que culpa o ocidente pelos sofrimentos dos iranianos.
Trabalhar na direção de reais negociações entre EUA e Irã implicaria nenhuma mudança de regime; o Irã reconhecido como potência no sudoeste da Ásia; nada de mais sanções; nada de impedir que outros países invistam no Irã; e aceitar as garantias que o Irã tem dado, de que seu programa nuclear é exclusivamente civil.
Assim se pavimentaria o caminho para que o Irã se firmasse como maior e mais dinâmica economia no Oriente Médio e sudoeste da Ásia.
Nada sugere que estejamos andando nesse rumo. Em livro a ser lançado em breve, Vali Nasr, deão da Escola John Hopkins de Estudos Avançados e Internacionais – e, o que é crucialmente importante, ex conselheiro do governo Obama – admite que a famosa “trilha de duas mãos” [orig. dual track], de sanções combinadas com diplomacia, “não teve, sequer, duas mãos. Foi trilha de mão única, só de sanções, sem diplomacia alguma, só pressão e pressão (…). Aparente engajamento, usado para acobertar uma campanha de coerção, de sabotagem, pressão econômica e ciberguerra”.
Ecos que chegam de Teerã sugerem que, para o Supremo Líder, toda a conversa, fortemente promovida na mídia ocidental, sobre o governo Obama 2.0 estar interessado em conversações diretas com Teerã, é uma armadilha. Para Khamenei, Almaty só indicaria alguma intenção séria, se Washington levantasse todo o pacote de sanções; bem mais que autorizar gás-por-óleo, em troca do fechamento de Fordow.
Obama poderia fazer… alguma coisa – ainda que, para isso, tivesse de passar por cima do cadáver coletivo de, virtualmente, todo o Congresso, gente para a qual o Irã seria pior que mal absoluto.
Preparando-se para uma grande barganha em futuro não muito distante, Obama poderia, por exemplo, liberar os fundos iranianos congelados desde a crise dos reféns em 1979 (não, não: o heróico Argo nada diz sobre isso); poderia liberar a venda de peças de reposição para a frota de Boeings iranianos; poderia mandar o Departamento do Tesouro e o Departamento de Estado isentarem de impostos empresas ocidentais que queiram comerciar com o Irã.
Mas, de fato, o que se vê é que as táticas do governo Obama 2.0 não passam de extensão da política exterior da era Bush-Cheney: ameaças, diversionismo, “linhas vermelhas” que sempre mudam de lugar, “todas as opções” sempre sobre a mesa; e sanções, sanções e mais sanções.
Não surpreende que Almaty esteja cercada de expectativas muito, muito baixas. E, seja como for, nada será decidido, de substancial, antes das eleições presidenciais no Irã, em junho. Mas se o P5+1 não se compenetrar – se não conseguirem começar a atuar como adultos – pode acontecer, mais cedo ou mais tarde, que Teerã sinta-se fortemente tentada a desistir da “opção japonesa”. Porque sim.
Fonte: Redecastorphoto. Traduzido pelo coletivo de tradutores Vila Vudu