Globo Filmes adestra público, diz diretor de "O Som ao Redor"

O diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, de "O Som ao Redor", disse que o sistema Globo Filmes "faz mal à ideia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto".

Som ao Redor

A declaração foi dada numa carta aberta em resposta ao diretor-executivo da Globo Filmes, Cadu Rodrigues, que "desafiou" Mendonça a fazer um filme de sucesso comercial.

O embate começou com a declaração de Cadu à Folha de S. Paulo, publicada no domingo (17) de que se o vizinho "lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana".

"Desafio o cineasta Kleber Mendonça Filho a produzir e dirigir um filme e fazer 200 mil espectadores com todo o apoio da Globo Filmes! Se fizer, nada do nosso trabalho será cobrado do filme dele. Se não fizer os 200 mil, assume publicamente que, como diretor, ele talvez seja um bom crítico", respondeu Cadu Rodrigues, diretor-executivo da Globo Filmes, em uma lista de e-mails de cineastas, na quarta (20).

"O diretor diz que 'se o vizinho dele filmar o churrasco e tiver Globo Filmes faz 200 mil espectadores no 1º final de semana', desmerecendo nosso esforço e trabalho em cada filme", afirmou Rodrigues, ainda na lista. "É uma arrogância sem limites, pois Daniel Filho, Guel, Bruno Barreto, Vicente Amorim, o Lirio [Ferreira], fizeram filmes conosco que não atingiram estes números." Ao final, concluiu: "Ah, e se ele não tiver coragem de aceitar o desafio que mande o vizinho do churrasco!"

Leia abaixo a íntegra da tréplica de Mendonça, publicada na página do Facebook dedicada ao filme:

Estava em trânsito o dia inteiro, cheguei em Istambul onde O Som ao Redor será exibido nos próximos dias. O Facebook e a imprensa fervilham com nosso embate.

Preciso lhe agradecer pelo desafio, mas sua proposta associa a não obtenção de uma meta comercial (200 mil espectadores) como prova irrefutável de que eu não seria um cineasta.

Isso não me parece correto, pois o valor de um filme, ou de um artista, não deveria residir única e exclusivamente nos número$. Sobre ser crítico ou cineasta, atuei como ambos e meu discurso permanece o mesmo, e sempre foi colocado publicamente, e não apenas em mesas de bar: o sistema Globo Filmes faz mal à ideia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto.

Devolvo eu um outro desafio: Que a Globo Filmes, com todo o seu alcance e poder de comunicação, com a competência dos que a fazem, invista em pelo menos três projetos por ano que tenham a pretensão de ir além, projetos que não sumam do radar da cultura depois de três ou quatro meses cumprindo a meta de atrair alguns milhões de espectadores que não sabem nem exatamente o porquê de terem ido ver aquilo.

Esse desafio visa a descoberta de novos nomes que estão disponíveis, nomes jovens e não tão jovens que fariam belos filmes brasileiros que pudessem ser bem visto$, se o interesse de descoberta existisse de membro tão forte da cadeia midiática nesse país, e cujos produtos comerciais também trabalham com incentivos públicos que realizadores autorais utilizam.

Não precisa me incluir nessas novas descobertas, gosto do meu estilo de fazer cinema. Ainda estou no meio de um grande desafio com O Som ao Redor, 9 cópias 35mm, mais algumas salas em digital, chegando aos 80 mil espectadores em 8 semanas, e com distribuição comercial em sete outros países. A maior publicidade de O Som ao Redor é o próprio filme.

Para finalizar, esses embates são importantes, fazemos cinemas diferentes, em geografias diferentes. Obrigado, tudo de bom.

Kleber

Fonte: Folha online