Os pessimistas do mercado, o PIB e o desenvolvimento

O PIB de 2012 pode chegar a 1,64% diz o Banco Central, bem acima do pibinho de 1% alardeado pelos “pessimistas”. O debate se acentua e os trabalhadores precisam estar atentos a ele.

Por José Carlos Ruy

Titanic

No momento em que o Banco Central divulga seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) com a previsão de que crescimento do PIB em 2012 pode ter sido maior do que o extremo (e interessado) pessimismo do final do ano, chegando a 1,64% (falava-se em 1% ou menos), surgem também sinais do aquecimento do debate que opõe os partidários do desenvolvimento econômico aos que defendem o monetarismo ultrapassado dos neoliberais. O índice de 1,64% resulta de um cálculo das atividades econômicas sem ajustes sazonais; com esses reajustes, pode ter sido menor, de 1,35%.

Mesmo assim, o índice anunciado merece considerações que relativizam o pessimismo dos analistas a respeito do PIB. Ele registra um aumento considerável. Cada 0,1% do PIB (referente ao valor de 2011, que foi de 4,143 trilhões de reais) significa 4,143 bilhões de riqueza nova criada.

A diferença pode ser do tamanho de meia Bolívia

Assim, apenas a diferença entre o pibinho de 1% dos pessimistas e o pib um pouco maior, de 1,64%, pode vir a ser de 26,7 bilhões de reais (ou 13,4 bilhões de dólares). Não é pouco. Comparado com alguns países sul americanos importantes, este valor corresponde a meia Bolívia (PIB de 24,6 bilhões de dólares em 2011) ou dois terços do Paraguai (PIB de 21,2 bilhões de dólares em 2011).

A diferença entre o pibinho de 1% e a possibilidade de chegar a 1,64% corresponde, também, à metade de tudo o que os moradores das favelas brasileiras consomem por ano – cerca de R$ 56 bilhões, segundo levantamento divulgado nesta quarta-feira (20) pelo instituto Data Popular e pela Central Única de Favelas (Cufa). Esta pode ser também uma indicação do papel desempenhado pelo fortalecimento do mercado interno como fator do crescimento econômico.

O desempenho do PIB em 2012 – um ano que foi ruim ao combinar os efeitos do aprofundamento da crise econômica nos países ricos com os reflexos tardios das medidas de contenção tomadas pelo governo brasileiro no primeiro semestre de 2011 – revela mais uma vez que a economia brasileira, embora não tenha ficado imune aos efeitos perversos da crise mundial, conseguiu defender-se melhor daquelas ameaças e mantém uma reação que se traduz no crescimento, mesmo moderado.

A comparação com o desempenho da Índia e da China, por exemplo, mostra que o país pode crescer mais. Mas, quando cotejada com o medíocre desempenho da União Europeia, que anda para trás, e mesmo dos EUA, onde as dificuldades se acumulam, a economia brasileira expõe uma saudável capacidade de resposta que resulta das medidas tomadas pelo governo para defender nossa produção e fomentar o crescimento econômico.

Cálculo econômico e interesses especulativos

Este é um momento em que o debate se acentua e, nele, as posições vão ficando claras. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou nesta quarta-feira (20) o Indicador de Clima Econômico, que é calculado com base em entrevistas com 138 economistas com apoio em parceria com o instituto alemão Ifo, sediado em Munique. No Brasil, entre outubro de 2012 e janeiro de 2013, ele teve uma discreta queda, de 6,1 para 5,9 pontos, refletindo recuo nos dois índices que formam o Indicador de Clima Econômico: o de expectativas, de 7,3 para 7,2 pontos, e o da situação atual, de 4,9 para 4,6 pontos.

Variações deste tipo resultam de cálculos econométricos cuja aparência técnica esconde opções ideológicas e práticas dos especialistas envolvidos. O próprio termo "expectativas" usado para denominar um dos indicadores desse cálculo denota que ele engloba forte dose de subjetividade, composta por uma combinação de interesse e busca do lucro com a convicção de que a economia caminha a favor ou contra a expectativa de ganhos.

Os “pessimistas” neoliberais são contra o desenvolvimento

De maneira mais invisível, o debate apareceu, nesta quarta-feira (20), na Folha de S. Paulo, nos artigos em que os economistas Delfim Netto e Alexandre Schwartsman apresentaram avaliações divergentes sobre a situação da economia.

Schwartsman é um homem do “mercado” – isto é, dos bancos. Monetarista, neoliberal, fez parte da diretoria do Banco Central entre 2003 e 2006 (sob Henrique Meirelles). Depois foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro Real (2006-2008) e do Grupo Santander Brasil (2008-2011), entre outras atividades ligadas ao sistema financeiro.

Ele é um crítico frequente da política econômica em vigor. Em seu artigo de hoje – intitulado Nem o bê-a-bá – ele se refere ao que considera má reputação na condução da política econômica pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enfatizando uma ameaça inflacionária presente, ele acusa o ministério da Fazenda e o Banco Central de enfrentá-la com instrumentos errados, e critica o uso do câmbio para controlar a inflação. Condena o esforço do governo para manter a oscilação do valor do dólar ao redor de 2,00 reais e propõe o remédio preferido do receituário conservador, neoliberal e antidesenvolvimentista: o aumento dos juros. O argumento é o de sempre: juros mais altos ajudam a conter o consumo e, com isso, a segurar a inflação. Ele deve ser aplicado, diz, junto com a liberdade cambial que deixe o valor da moeda estrangeira oscilar ao sabor dos humores do mercado. “Isso nada mais é”, enfatiza, “do que o bê-á-bá da gestão de política monetária numa economia aberta a fluxos de capital”.

O fundamento dessa linha de argumentação é o dogma neoliberal que condena como imperdoável a intervenção do governo na economia para fomentar o crescimento econômico. Conservadores como Schwartsman têm verdadeira alergia ao uso de instrumentos de política econômica como a fixação do valor das moedas estrangeiras (o câmbio); de bancos oficiais (como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica ou o BNDES) para forçar a queda dos juros; ou de tarifas administradas (como combustíveis, energia, tarifas de transporte coletivo, por exemplo). Segundo o dogma, o Estado e o governo devem ficar longe disso, deixando tudo ao sabor do mercado – isto é, dos humores do grande capital do qual economistas como ele são servidores e porta-vozes.

O evidente exagero do pessimismo

Delfim Netto também é um conservador. Foi um dos expoentes da economia durante a ditadura militar de 1964, tendo sido ministro da Fazenda sob Médici (1969 a 1974); sob Figueiredo, foi ministro da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979-1985). Mas, sendo um conservador, sempre foi um partidário do desenvolvimento e do crescimento econômico, mais ligado à burguesia industrial paulista do que ao setor financeiro. Depois da reeleição de Lula, em 2006, tornou-se um frequente interlocutor do presidente e hoje tem manifestado opiniões favoráveis à presidenta Dilma Rousseff e às linhas gerais da condução da política econômica pelo ministro Guido Mantega.

No artigo publicado nesta quarta-feira – intitulado apenas Pessimistas – ele diz com veemência que há um "evidente exagero" no pessimismo, que ignora os "avanços importantes" alcançados (entre eles “o claro progresso social que está gestando uma classe média” mais exigente). Ao mesmo tempo ele pensa que o famoso tripé da política econômica implantado sob Fernando Henrique Cardoso (superávit primário, modelo de meta de inflação e câmbio flutuante) continua em vigor.

Entre os avanços ele alinha a redução dos juros; o equacionamento dos preços de insumos básicos, como a energia. E cita também alguns temas preferidos dos conservadores, como a aprovação do sistema previdenciário do funcionalismo público e o controle do aumento de salários no serviço público por três anos.

Ele salienta também uma mudança que considera favorável ao desenvolvimento: “a melhora do entendimento entre o poder incumbente e o setor privado, que deve levar o empresário a introjetar o fato de que a política econômica é amigável e objetiva o aumento da competição e da produtividade”, podendo “levar a um PIB entre 3% e 4% em 2013”.

É o Titanic da especulação que pode estar afundando

Acompanhar este debate é fundamental para os trabalhadores. A década de governos progressistas completada este ano (os governos Lula e Dilma) representou uma mudança de fundo para o país e para os brasileiros; seu símbolo são os mais de 40 milhões que foram tirados da pobreza. O país reencontrou o caminho do desenvolvimento, do emprego, da distribuição de renda, recuperou e fortaleceu sua soberania nacional.

São ganhos inegáveis – mas há ainda muito a caminhar. Eles precisam ser consolidados e avançar. O Brasil continua, por exemplo, sendo um dos campeões na desigualdade social, realidade que precisa ser ultrapassada.

O caminho para os avanços só pode ser aquele que, entre as imposições da especulação financeira e os desafios do desenvolvimento, não vacile em enfrentar os privilégios de classe do grande capital. E use os instrumentos de Estado e de governo para promover o bem estar e a riqueza de todos os brasileiros.

Quando se referem ao país como um navio que está afundando, os “pessimistas” deixam de dizer que este Titanic é aquele do mundo de privilégios, prerrogativas e ganhos fáceis em que sempre viveram. A nave que os brasileiros estão construindo é outra; ela precisa ter lugares para todos.