Publicado 18/02/2013 10:02 | Editado 04/03/2020 16:47
Em 2007, o então governador do Maranhão, Jackson Lago instaurou uma política sociocultural que ficou conhecida pelo termo 'maranhensidade'.
Profundamente influenciada pelas tradições culturais da capital, São Luís, o termo maranhensidade acabou sendo contaminado por uma perspectiva de percepção do estado a partir da lógica cultural ludovicense e, talvez por isso, a ideia se perdeu no meio do caminho.
Mas, se há uma aura de maranhensidade no espírito do sujeito nascido nas terras timbiras, ela está entranhada nos sinuosos códigos da subjetividade contemporânea do maranhense.
Há tempos fico impressionada com a perda de uma dimensão de cordialidade e afetuosidade que aprendi serem marcas do maranhense.
A hospitalidade e o jeito afável, mais do que teorias mistificadoras do comportamento, foram comprovados na prática da convivência com os meus conterrâneos, e, embora a violência e a barbárie estejam no DNA da luta pela sobrevivência desde os tempos provinciais no Maranhão, o maranhense sempre foi, acima de tudo, um cordial.
Mas, tenho percebido que a amabilidade maranhense tem sido preocupantemente substituída por uma espécie de embrutecimento apático e tenho cá comigo que isso tem muito a ver com o aprofundamento de uma lógica sociopolítica que teima em perpetuar-se no Maranhão, esvaziando de sentido instituições e indivíduos.
É fácil perceber. No cotidiano maranhense, as pessoas andam olhando para baixo, ignorando umas as outras. Nos lugares antes compartilhados, o outro agora parece um incômodo e não uma possibilidade de trocar experiências. A gentileza no bem tratar mesmo a desconhecidos soa aos olhos e ouvidos maranhenses com tamanha estranheza que o mais comum é achar que gestos assim só podem vir de alguém que seja de outro lugar.
Em o 'Grande Ditador', filme de Charles Chaplin, que critica a ascensão dos regimes totalitários na Europa, há uma cena clássica na qual o personagem de Chaplin discursa para a multidão. Ao criticar o fascismo ele diz: 'O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos (…). Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido'.
O trecho é significativo para o caso maranhense porque ao que parece, uma parte da 'inteligência' do estado, principalmente aquela ligada às classes médias urbanas, sucumbiu a uma lógica de ceticismo que leva a perda da dimensão afetiva. Essa 'inteligência cética' parece se apoderar de todos os setores da sociedade, criando uma espécie de cultura da indiferença. Sentimento mais do que apropriado à manutenção do status quo desejável pelo tirano.
A lógica do ceticismo que embrutece muitas mentes maranhenses, não é nem de longe efeito do processo de urbanização das cidades contemporâneas. E na verdade é um subproduto de décadas de um projeto sociopolítico equivocado que para perpetuar-se, disseminou a indiferença e o esvaziamento de um sentimento de coletividade.
Onde há tirania, rapidamente os homens perdem a capacidade de relacionarem-se entre si civilizadamente.
O que é a tirania, se não a destruição do espaço público em nome de interesses privados? E o que é o Maranhão contemporâneo se não o lugar onde interesses privados de grupos sobrepõem-se ao interesse público?
Mas, outra maranhensidade é possível. Acredito nisso, sobretudo porque o embrutecimento não resiste a abertura de fronteiras.
E é preciso abrir as fronteiras mentais aos novos paradigmas insurgentes. Numa sociedade cuja globalização uma hora ou outra deixará marcas indeléveis, nós maranhenses podemos optar pelo reordenamento de uma vida que pode ser 'de liberdade e beleza', de reencontro com uma cultura de valores onde o outro volte a ser percebido com afeto.
Antes, porém, é preciso extirpar a tirania, mãe do embrutecimento.
Fonte: Jornal Pequeno