Grécia: partido de esquerda elabora ampla agenda política 

Yiannis Bournous, membro do Comitê Central do Syriza, traça um quadro atual da situação interna no país e da mobilização do seu partido para alcançar a viragem política. 

Primeira Conferência Nacional do partido grego Syriza - Syriza

Em dezembro, a primeira Conferência Nacional do Syriza (originalmente uma coligação de esquerda e, desde maio de 2012, um partido), deu um passo importante para unificar as forças que compunham o movimento. Syriza foi formalmente lançada em 2004, mas suas raízes estão no Espaço de Diálogo para a Unidade e Ação Comum da Esquerda, que tinha na agenda preocupações como a Guerra de Kosovo, as privatizações na Grécia, direitos civis e sociais, entre outros, no final da década de 1990.

Depois da escassa vitória da Nova Democracia, em 17 de junho de 2012, e da formação pela Nova Democracia, o PASOK, e pela Esquerda Democrática, do chamado governo de "troika interna", e apesar das promessas pré-eleitorais de uma "renegociação" do Memorando (linhas gerais delinhadas pelo Banco Central Europeu, pelo Parlamento Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional, a "tróika"), e do acordo de empréstimo para a Grécia, na realidade as políticas ultra-austeritárias continuam e foram na verdade reforçadas.

Em 7 de novembro, a coligação tripartite do governo conseguiu aprovar no Parlamento o terceiro Memorando por uma escassa maioria de 153 votos (a maioria absoluta é de 151/300) e apesar da forte mobilização popular.

Este "sucesso" não é isento de custos políticos, uma vez que os três partidos que formam a coligação perderam um número significativo de deputados nos seus recém-eleitos grupos parlamentares: a Nova Democracia elegeu 129 deputados e tem hoje 125; o PASOK elegeu 33 deputados e hoje o seu grupo parlamentar conta apenas com 24; e até o menor integrante da coligação, a Esquerda Democrática, elegeu inicialmente 17 deputados mas perdeu três nestes primeiros meses pós-eleitorais. Isto significa que a ampla maioria com que o governo começou (179 em 300 deputados) já diminuiu significativamente (desceu para 163 em 300 deputados) no espaço de apenas alguns meses.

Claro que isto não significa que todos os deputados que abandonaram os três partidos do governo, e se tornaram independentes, são hoje contra o Memorando ou tomam posições anti-austeridade. Mas sem dúvida indica que esta coligação governamental pode ser frágil e sofrer perdas, se e quando a resistência e pressão populares tornarem-se constantes.

Depois da aprovação do terceiro Memorando, o governo tenta mudar a agenda política, com vista a, por um lado, levar a cabo os compromissos do memorando para uma austeridade barbárica, e por outro preservar a coesão interna da maioria governamental.

Os pontos-chave para esta estratégia política são:

a) O perfil "regra de ferro" na aplicação das novas medidas de austeridade. O governo parece determinado a prosseguir com este plano, apesar da vasta maioria da sociedade grega sufocar com as novas reduções dos salários e pensões, dos aumentos de impostos, colapso dos serviços sociais e do aumento de impostos na energia (neste inverno, centenas de milhares de casas não têm acesso a qualquer tipo de aquecimento!).

A troika interna viola procedimentos parlamentares ao introduzir continuamente novas medidas através dos chamados "Atos de Conteúdo Legislativo" que não precisam ser submetidos ao voto no parlamento.

Ao mesmo tempo, o governo ataca qualquer grupo social que se "atreva" a resistir, valendo-se de uma repressão extrema, distorcendo e difamando através dos meios de comunicação, ao mesmo tempo que rejeita qualquer espécie de diálogo e negociação. As últimas vítimas foram os trabalhadores dos transportes públicos (metrô, ônibus) e trabalhadores dos portos, cujas greves foram consideradas ilegais pelo tribunal depois de este ter sido fortemente pressionado pelo governo. Em ambos os casos, os trabalhadores foram forçados a regressar ao trabalho, com base numa lei especial, que foi originalmente concebida para situações de guerra.

b) O conservar da aliança com a velha oligarquia grega, os banqueiros e os donos dos meios de comunicação social, através de "presentes" especiais como isenção de impostos e empréstimos. O Mega Channel, o maior canal de TV privado que lidera quase todas as campanhas de difamação contra o Syriza, e propriedade de homens de negócios donos de bancos e empresas de construção, recebeu recentemente um empréstimo de 98 milhões de euros, apesar de estar já sobre-endividado.

c) O desenvolvimento duma "guerra civil" como estratégia de tensão, com a desculpa da luta contra a delinquência e a violência terrorista (houve, recentemente uma estranha escalada de ações terroristas, com explosões de bombas e com tiros dirigidos a alvos estatais). O governo tem provocado a violência por exemplo, ao ter organizado, recentemente, um plano de ações policiais violentas com o intuito de evacuar, em Atenas e noutras cidades, espaços sociais ocupados.

Mais tarde, quatro anarquistas (com idades entre 20 e 23) foram brutalmente torturados após serem detidos por assalto a um banco. Sem qualquer outra prova, a polícia grega estabeleceu de imediato uma relação entre eles e o grupo terrorista "Conspiração das Células de Fogo" e publicaram as suas fotos, em que as feridas nos rosto (resultados da tortura) foram claramente tratadas em Photoshop, para que se pareçam mais suaves.

Um fator determinante nesta atmosfera de tensão tem sido a retórica extremista e a atividade dos neo-nazis da "Aurora Dourada", que constantemente arrasta o governo para uma agenda de extrema-direita, exigindo "lei e ordem" contra a "anarquia do SYRIZA". Isto enquanto, ao mesmo tempo, os seus membros intensificam os seus mortíferos ataques diários contra imigrantes, ativistas de esquerda, homessexuais, etc (em 17 de janeiro, um imigrante paquistanês foi esfaqueado até a morte, a sangue frio, quando se dirigia de bicicleta para o trabalho, num calmo bairro de classe média de Atenas. Os dois assassinos eram membros da Aurora Dourada).

d) A cobertura das importantes responsabilidades políticas e legais dos aliados governamentais em escândalos de corrupção e evasão fiscal. O exemplo máximo é o caso da "Lista Lagarde: foi recentemente revelado que em 2010, durante o governo do senhor Papandreu, a senhora Christine Lagarde, do FMI, entregou ao governo grego uma lista com o nome de mais de 2000 cidadãos gregos que transferiram dinheiro para o banco HSBC, na Suíça, e poderia eventualmente tratar-se de evasão fiscal. O governo do PASOK, e o governo seguinte do senhor Papademos e do senhor Samaras, escolheram esconder a lista, até ao momento que foi publicada por uma jornalista progressista.

O antigo ministro das Finanças do PASOK, George Papaconstantinou, está agora sendo investigado por uma comissão parlamentar especial, enquanto Venizelos, o presidente do PASOK e também um antigo ministro das Finanças e que manteve a lista no seu gabinete, foi resgatado pela maioria no governo, que recusou uma proposta do Syriza para que também fosse investigado o seu envolvimento no escândalo.

e) A elaboração de uma operação de "propaganda negra", orquestrada por um centro de comunicação especial, que espalha mentiras e distorce declarações e ações públicas, em especial dos deputados e membros do Syriza.

f) O aparecimento do senhor Samaras como líder devoto que conseguiu estabilizar a economia e conduz o país com firmeza. O primeiro ministro está constantemente ausente das atividades parlamentares e dirige-se aos cidadãos apenas através de declarações feitas para a televisão, sem perguntas e respostas ou defrontando qualquer oponente político. Ao mesmo tempo, a liderança do PASOK e da Esquerda Democrática estão completamente de acordo com a estratégia da Nova Democracia. De vez em quando escolhem vir a público com pequenos desacordos em questões secundárias, por razões que dizem meramente respeito à coesão interna dos seus partidos.

Compromissos internos

Apesar das declarações otimistas do governo, dos banqueiros e dos meios de comunicação, a sociedade grega e a economia estão perante um beco sem saída. A recessão aumenta, a produção diminuiu, os serviços do Estado, escolas e hospitais são incapazes de funcionar, o desemprego continua a subir, pequenas e médias empresas fecham, salários e pensões descem constantemente, enquanto são aplicados mais e mais novos impostos. Os novos impostos são incapazes de fazer aumentar as receitas do Estado uma vez que a grande maioria dos contribuintes já não têm capacidade de pagar.

Esta realidade é a grande inimiga do governo. Ao mesmo tempo, a ineficácia das medidas respeitantes aos objetivos anunciados (aumento e insustentabilidade da dívida pública, falta de fundos, etc) desencadeia a necessidade de novas medidas horizontais que humilham o povo e extinguem a soberania popular. O governo tenta absorver e desorientar a indignação social, fazer com que a sociedade "se habitue" à pobreza, à falta de direitos e à submissão.

A "troika interna" já violou todas os seus compromissos pré-eleitorais e programa e, ao mesmo tempo, continua a violar a Constituição grega e as regras do parlamento, por forma a ser consistente com os seus planos desastrosos. Assim, nós consideramos que lhes falta legitimidade democrática e, por essa razão, o Syriza já exigiu novas eleições.

Mas, ao mesmo tempo, e uma vez que ainda gozam de maioria parlamentar, nós sabemos muito bem que o futuro deste governo e a realização de novas eleições só poderá ser possível em resultado de bons ou maus resultados em sondagens de opinião.

A questão de levar este governo a cair encontrará resposta na capacidade da larga maioria da sociedade grega para se mobilizar, reforçar a sua resistência e aumentar a pressão social, para forçar este governo a convocar novas eleições.

O Syriza compromete-se a empenhar todas as suas forças para o rejuvenescimento do movimento de resistência popular e para derrotar a troika interna. Afinal, o partido é um projeto político que foi construído através da convergência de forças de esquerda em movimentos sociais. Em especial durante a crise, os nossos militantes foram protagonistas em quase todos os movimentos, local ou nacional, politicamente temáticos ou centrais.

Solidariedade e política comunitárias

Os nossos membros juntaram-se ao movimento das praças em 2011 e reforçaram as assembleias populares, central e localmente, sem empenharem as bandeiras do partido mas expressando coletivamente as nossas ideias e propostas, e elevando a confiança dos cidadãos que se juntaram aos movimentos de resistência, alguns pela primeira vez nas suas vidas.

Hoje focamo-nos na construção de redes de solidariedade em cada cidade e em cada bairro, através das quais a nossa intenção não é a de substituir a obrigação do Estado em garantir o acesso aos serviços sociais básicos e bens comuns para todos os cidadãos, mas para na prática passar a mensagem que os problemas coletivos (como a pobreza, o desemprego, a fome) não podem ser resolvidos com soluções individuais. Este projeto está crescendo gradualmente e adquiriu recentemente uma plataforma nacional de coordenação, intitulada "Solidariedade para Todos", e que hoje se torna também ativa numa escala internacional.

Ao mesmo tempo, estamos tentando aumentar a pressão sobre os sindicatos e as autoridades locais, para que se mobilizem contra os cortes extremos e a destruição dos serviços sociais. Isto nem sempre é fácil devido ao atual equilíbrio de poder, por exemplo, nas duas confederações sindicais (setor público e privado), o que torna difícil aumentar a sua capacidade de mobilização, por falta de vontade política e hesitação, são as suas lideranças sociais-democratas. Sob constante pressão dos sindicatos de esquerda, o Comitê Executivo da GSEE, a confederação sindical do setor privado, anunciou uma nova greve geral de 24 horas para o próximo dia 20 de fevereiro.

Esta organização do conflito social e o desafio à ideologia e política dominante, ao nível nacional, não é suficiente. Por esta razão, o Syriza está intensificando a sua presença na Europa e internacionalmente, para melhor comunicar o seu projecto alternativo para a Grécia e para o continente.

Projeção externa e visitas políticas

Nos últimos dois meses, o presidente do partido, Alexis Tsipras, liderou as primeiras delegações do Syriza ao Brasil (onde se encontrou com a presidenta Dilma Roussef) e à Argentina (onde se encontrou com o vice-presidente do governo e falou com a presidenta Cristina Fernández Kirchener), depois foi à Alemanha (onde se encontrou com o ministro das Finanças Wolfgang Schauble), e finalmente aos Estados Unidos, onde se encontrou com a direção do FMI e também falou em importantes universidades e institutos em Washington e Nova Iorque.

A causa e propósito comum destas viagens foi mostrar ao mundo que realmente existe uma estratégia alternativa e atrevermo-nos a desafiar a ortodoxia neoliberal mesmo no seu campo. Tsipras espalhou a mensagem do falhanço e das consequências sociais extremas que resultam da estratégia do Memorando, e exigiu a abolição de grande parte da dívida grega e um programa público de investimentos para o desenvolvimento, como parte da solução europeia para a crise da dívida.

No Brasil e na Argentina, apesar da existência de diferenças com a realidade europeia, ficou a conhecer no terreno políticas públicas para o emprego, educação, habitação, etc. Por último, mas não menos importante, na reunião com o senhor Schauble, Tsipras declarou que o Memorando já está morto e tornou-se também o primeiro líder político grego a levantar a questão das Compensações de Guerra para a Grécia, a obrigação legal que a Alemanha nunca cumpriu depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Em conjunto com a organização de resistências dentro e fora do país, o Syriza está também em processo de "urgente maturação", que foi desencadeada pela escolha política de 1,6 milhões de gregos de levarem um partido de esquerda ao lugar de maior partido da oposição, pela primeira vez desde 1958, mas também pela emergência social de cumprir o dever sem precedentes de criar o primeiro governo de unidade popular na história da Grécia.

O Syriza começou em 2004 enquanto aliança eleitoral de cinco partidos e organizações e, ao conseguir ultrapassar várias turbulências e dificuldades internas, conseguiu evoluir para uma aliança política com 18 participantes.

Mas isto não é suficiente. Hoje, o Syriza USF, enquanto experiência política evolutiva, testa-se a dois níveis: na transformação bem sucedida da nossa aliança política num partido de esquerda unido, aberto, democrático, radical e multi-tendência e, ao mesmo tempo, aprofundando o nosso programa político concreto, que será a base para uma política de governo amanhã no governo de unidade popular.

Conferência Nacional e agenda política

Na primeira Conferência Nacional do partido (que teve lugar de 30 de novembro a 2 de dezembro de 2012) foi dado um passo importante para o processo de unificação do nosso projeto.

O processo preparatório para a nossa Conferência Nacional incluiu a campanha para a filiação de membros, que trouxe resultados muito satisfatórios, uma vez que conseguimos ultrapassar os 30 mil membros, o que significa que quase triplicamos o nosso número de membros em menos de seis meses.

O nosso "partido híbrido" conta agora com 439 Organizações Locais (280 geográficas e 59 em setores laborais) e 60 Comitês Regionais por todo o país. Além disso, nos últimos seis meses o Syriza adquiriu 24 diferentes Departamentos temáticos, que se centram e aprofundam a análise sobre as várias temáticas políticas do partido.

Apesar de vários problemas que quase sempre surgem nestes processos, a impressão geral é a de que a Conferência foi um sucesso sem precedentes, que conseguiu lidar eficazmente com a maior parte das dificuldades internas e possibilitou a 3 mil delegados, pela primeira vez na nossa curta história, a eleição dos seus corpos, eleitos democraticamente. Hoje, o Syriza tem o seu primeiro Comitê Central (317 membros), que já elegeu o seu Secretariado Coordenador (35 membros)

Último, mas de todo menos importante, a Conferência Nacional votou um documento importante, a Declaração Política, que reafirma a nossa dedicação a políticas radicais de esquerda, quer nas nossas propostas imediatas quer nos nossos projetos estratégicos, assim como a nossa perspectiva de governo, o fim dos Memorandos de austeridade, a anulação de grande parte da nossa dívida nacional, a nacionalização dos bancos, a reconstrução produtiva do nosso país, a luta pela refundação da Europa e o socialismo como objetivo estratégico, com liberdade e democracia.

Uma grande tarefa que agora temos pela frente é a conclusão deste processo de transição através da realização do nosso Congresso de (re)fundação em 2013.

A nossa eficácia em apresentar respostas convincentes para a crise humanitária sem precedentes, e no reforço das várias resistências sociais emergentes, será o fator determinante o progresso das coisas na Grécia nos próximos meses.

Com Esquerda.net