EUA: O estado dos drones
Durante o seu discurso “Estado da União”, na terça-feira (12), o presidente dos EUA Barack Obama disse: “Não precisamos enviar dezenas de milhares dos nossos filhos e filhas para fora, ou ocupar outras nações; precisamos ajudar países como Iêmen, Líbia e Somália a garantir sua própria segurança e de aliados que se engajem na luta anti-terrorista, como no Mali.”
Por Lisa Hajjar
Publicado 14/02/2013 15:18
“E, quando necessário, através de uma série de capacidades, continuaremos a tomar ações diretas contra esses terroristas que representam a maior ameaça contra os americanos”, continuou.
Embora a palavra “drones” [aviões não tripulados] não tenha sido mencionada no discurso, ela está claramente sugerida no termo “ação direta”. O significado é claro: para proteger a segurança nacional dos EUA, podemos e continuaremos lutando em guerras, mas podemos fazê-lo sem ter que arriscar as vidas de “dezenas de milhares de nossos filhos e filhas.”
O que distingue os drones de outras tecnologias assassinas empregadas nas guerras é que eles não são tripulados por homens. Para os proponentes da condução da guerra dessa forma, isso é a maior vantagem. Os defensores também dizem que os drones são altamente precisos, armas eficientes capazes de acertarem alvos exatos e nada mais. Esse slogan é altamente popular nos corredores do poder, em Washingon, e manifesta a afirmação questionável de que as baixas civis são raras.
Se os drones oferecem vantagens claras em relação a outros tipos de armas, é uma vantagem que se compara ao combatente que se disfarça de forma traiçoeira para abordar e matar seu alvo despercebido, ou ao atirador de elite, que mata à distância. Essa forma desleal, no contexto da guerra, é um crime de guerra porque a vantagem que o combatente ganha ao atacar sorrateiramente e disfarçado é ilegal, assim como atirar à distância, sem ser percebido, desde “fora da batalha”. Distância e camuflagem dão níveis de proteção ao atirador que seus inimigos não têm.
Estar presente ou próximo à batalha, ou até sobrevoando com aeronaves tripuladas sobre alvos, arriscando-se a ser abatido, são os tipos de “desvantagens” que as tecnologias letais não-tripuladas eliminam.
O jeito real com que os drones estão sendo usados é como se fossem uma inovação tecnológica à prática do assassinato seletivo. Isso requer que se pregunte: O assassinato seletivo é “guerra”? Se for, que tipo de guerra é esta?
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Assassinato seletivo e iminência
O assassinato seletivo é distinto de um “assassinato”, de acordo com seus defensores, porque o contexto em que a morte é provocada é uma guerra, e na guerra os Estados podem matar seus inimigos dentro ou fora do campo de batalha. O primeiro a dar essa justificativa foi Israel, numa política oficial de novembro de 2000, e os EUA vieram em seguida, em 2002.
Assim, defensores da prática argumentam que não há nada mais imoral ou ilegal sobre assassinatos seletivos que outros tipos de mortes derivadas da guerra, desde que o assassinato cumpra com as regras da proporcionalidade, distinção, e assim por diante.
Mesmo que fosse aceitável o argumento, porque a morte ocorre no contexto da guerra, o assassinato seletivo ainda é distinto de matar o inimigo em batalha, pois os alvos são atacados em períodos e lugares onde não estão diretamente envolvidos em conflito armado (matar pessoas em batalhas ou durante perseguições não é, por definição, “assassinato seletivo”).
Aqueles que defendem a legalidade do assassinato seletivo baseiam seu argumento no conceito de iminência, especialmente de que pessoas designadas para morrer desta forma representam uma ameaça iminente, perigosa e violenta, e que matá-las é a única forma disponível de evitar tal ameaça. Assim, dizem os defensores da prática, a legitimidade dos assassinatos seletivos é equivalente a matar os inimigos durante hostilidades diretas.
Se o alvo realmente representa algum tipo de ameaça iminente é uma questão fatual e de inteligência, informações acuradas. Mas aceitar que assassinato seletivo é apenas outra forma de conduzir a guerra requer aceitar a expansão e consequente distorção do conceito de “hostilidades”. A distorção advém do que distingue assassinato seletivo de guerra convencional: assassinato furtivo ou clandestino, sem riscos, assim como a ausência ou negação de regras elementares do conflito armado, tais como imunidade por estar fora de combate ou a possibilidade de o indivíduo entregar-se.
O assassinato seletivo é uma tática de pequena escala, para atacar indivíduos. Mas a sua lógica é a da guerra total, que também ficou latente no discurso de Obama sobre o “Estado da União”; a guerra vai (ou pode, ou deveria) durar enquanto terroristas representem ameaça à nação. Não há menção a um fim para a guerra dos drones, mesmo que o fim às tropas no terreno seja um dos temas em ascensão no discurso. Em tal guerra total, entregar-se, negociar ou um armistício são literalmente inconcebíveis.
Lisa Hajjar é autora do livro "Tortura: Uma Sociologia da Violência e dos Direitos Humanos" (Torture: A Sociology of Violence and Human Rights, ainda sem tradução para o português).
Fonte: Al-Jazeera
Tradução da Redação do Vermelho