Farc: A verdade e a mentira sobre uma guerrilha heróica
As negociações de Havana estão desde o início armadilhadas. Mas tal não impede que o balanço atual seja muito positivo. O interesse que os diálogos de Havana e o prólogo de Oslo suscitaram permitiu que a voz da guerrilha chegasse a milhões de pessoas em dezenas de países.
Por Miguel Urbano Rodrigues, no Resistir.info
Publicado 13/02/2013 19:35
Em conferências de imprensa, em entrevistas e artigos, dirigentes como os comandantes Ivan Marquez, Rodrigo Granda, Jesus Santrich e outros projetaram a imagem real das Farc e da sua organização revolucionária, incompatível com a perversa caricatura que delas exportam Santos e os seus generais.
É inocultável hoje que o governo de Juan Manuel Santos não está interessado em que as conversações de paz de Havana atinjam o objetivo do acordo esboçado em Oslo com o patrocínio da Noruega e de Cuba.
Esforça-se, pelo contrário, para impedir que elas conduzam ao fim do conflito e à paz desejada pelo povo colombiano.
O chefe da delegação de Bogotá, Humberto de la Calle, levanta repetidamente pretextos para ameaçar com o fim das conversações, impedindo que a discussão dos itens da agenda avance.
A captura, supostamente pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exercito Popular, de dois polícias no Departamento del Valle foi o último desses pretextos.
Cabe lembrar que a organização revolucionária declarou unilateralmente em 20 de novembro do ano passado uma trégua durante a qual suspendeu todas as operações ofensivas. Santos optou por um gesto similar? Não. A sua resposta foi uma intensificação da guerra pelo aparelho militar do governo — hoje com 500 mil homens —, o maior e melhor armado da América Latina. Toneladas de bombas foram lançadas desde então sobre os acampamentos guerrilheiros.
Perante a situação criada, as Farc, transcorridos os dois meses da trégua, retomaram o combate interrompido.
O governo, com o apoio da imprensa, acusou-as imediatamente de comprometerem o bom andamento das conversações de paz. Para confundir a opinião pública, no país e no exterior, o Exercito e o ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzon, recorrem a uma linguagem dupla.
Quando o Exército prende guerrilheiros, os militares e a imprensa informam que foram "capturados em combate". Mas quando elementos das forças armadas oficiais são aprisionados pela guerrilha, o governo, a TV e os jornais afirmam que "militares e polícias foram "sequestrados covardemente pelos narcoterroristas (ou bandoleiros e assassinos) das Farc."
Humberto de la Calle, despejando insultos sobre as Farc, inverte os papéis, responsabiliza-as pela estagnação das conversações de paz e diz que elas "estão enganadas se acreditam que com este tipo de ações vão obrigar o governo a um cessar-fogo bilateral".
Desmontando a mentira e a hipocrisia oficial, as Farc colocaram os pontos nos ii num breve comunicado em que esclareceram:
"As Farc-EP se comprometeram a não empreender novas ações de carácter econômico. Embora a vigência da lei 002, que se refere ao nosso financiamento, seja mantida, reservamo-nos o direito a capturar como prisioneiros de guerra os membros da força pública que se rendem em combate. O seu nome é prisioneiros de guerra, e este fenômeno ocorre em qualquer conflito mundial".
Numa entrevista publicada pelo diário.info em 30 de Janeiro último, o escritor Carlos Lozano, diretor do semanário Voz, órgão do Partido Comunista Colombiano, denuncia a má-fé dos representes do Governo nas conversações de Havana e a campanha que apresenta a Colômbia como um país democrático.
As eleições "à colombiana" — esclarece — realizam-se "sob as condições e vantagens da oligarquia dominante. Por isso temem as reformas, não aceitam modificar as regras da política porque são as suas regras".
Neste contexto, é transparente que o governo de Bogotá faça tudo para impedir que o processo de paz avance. O presidente Juan Manuel Santos, numa pirueta algo inesperada, aceitou iniciar conversações de paz, sob a pressão popular, porque está trabalhando para a sua reeleição, problemática, aliás. Foi uma jogada política.
A oligarquia, o exército e Washington estão empenhados no prosseguimento da guerra. Dirigindo-se recentemente aos seus generais, usou uma linguagem agressiva, esclarecedora do seu pensamento: "todos sabem que têm de triplicar o número de ações até terminarmos esta guerra pelas boas ou pelas más".
O comandante Ivan Marquez, chefe da delegação das Farc, arrancou a máscara de Juan Manuel Santos numa coletiva de imprensa, em Havana, no dia 1 Fevereiro.
Lembrou que o governo recusou todas as sugestões apresentadas pelas Farc para dinamizar a agenda no espírito do acordo de Oslo.
Respondeu com um não rotundo às seguintes propostas:
– a realização em território colombiano das conversações para a paz.
– a inclusão do comandante Simon Trinidad como membro da delegação das Farc.
– discussão de um cessar-fogo bilateral com a participação do ministro da Defesa e do general Alejandro Navas, comandante-chefe das FA.
– A "regularização" da guerra, ou seja, a sua humanização.
– a participação da cidadania nas conversações para a paz.
– prioridade para o debate amplo e profundo da questão agrária com a presença do ministro da Agricultura.
– a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Temos a imagem do governo, da oligarquia e das Forças Armadas nos não de Santos.
Balanço positivo
Seria, portanto, uma ilusão romântica crer que o desfecho do processo de paz de Havana será um acordo que abra a porta ao fim do conflito.
O governo de Bogotá, em período pré-eleitoral, tenta ganhar tempo e atenuar a combatividade das massas simulando uma abertura ao diálogo. A história não se repete da mesma forma. Mas tudo indica que, em data ainda imprevisível, imitará o ex-presidente Pastraña quando este rompeu em Fevereiro de 2002 as negociações com as Farc em El Caguan e invadiu a zona desmilitarizada.
A transparência do plano de Juan Manuel Santos torna pertinente a pergunta formulada por muitos dos que acompanham os diálogos de Havana, incluindo gente solidária com o combate das Farc. Valeu a pena iniciar estas negociações armadilhadas?
É minha convicção que o balanço é muito positivo.
O interesse suscitado pelas conversações de Havana e o prólogo de Oslo permitiram que a voz da guerrilha chegasse a milhões de pessoas em dezenas de países. Em coletivas de imprensa, em entrevistas e artigos, dirigentes como os comandantes Ivan Marquez, Rodrigo Granda, Jesus Santrich e outros projetaram a imagem real das Farc e da sua organização revolucionária, incompatível com a perversa caricatura que delas exportam Santos e os seus generais.
Tive a oportunidade de conhecer alguns desses combatentes farianos. E reafirmo o que deles escrevi: poucas vezes encontrei revolucionários marxistas mais autênticos, mais firmes, mais preparados ideologicamente para a exposição e defesa dos objetivos, estratégia e tática da sua organização que se assume como partido.
As Farc apelaram agora mais uma vez à União Europeia para que retire o seu nome da lista de organizações terroristas, indesculpável erro cometido por pressão de Washington e do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez.
Culpado de terrorismo de estado, inventor do paramilitarismo e cúmplice do narcotráfico foi o governo no fascista de Uribe.
Como português sinto amargura e vergonha por Juan Manuel Santos ter sido recebido em Lisboa com honras especiais e elogiado como chefe de um estado democrático.
Veja o especial do Vermelho sobre os Diálogos de Paz aqui