Direitos do Carnaval e o direito ao Carnaval
Foliões reocupam espaços públicos com diversidade de ritmos e algumas polêmicas.
Por Alexandre Bazzan e Gilberto de Breyne, para a Caros Amigos
Publicado 12/02/2013 14:58
A festa de Carnaval de São Luiz do Paraitinga (SP), famosa por suas marchinhas, foi centro de polêmica quando um panfleto de uma fabricante de cerveja vazou na internet afirmando que a cidade receberia DJs e bandas de funk. A Skol tentava criar um megaevento na cidade conhecida historicamente por blocos de rua tradicionais.
A prefeitura negou dizendo que o patrocínio seria apenas de exposição da marca. De fato, existe um decreto municipal que proíbe outros ritmos durante a festa popular na cidade. O quarto artigo do decreto 08/2013 diz que "A veiculação sonora dentro da área demarcada para o 'Carnaval 2013' ficará sob a responsabilidade do Departamento de Cultura e de Turismo dos contratados pela Prefeitura Municipal, sendo restrita às Marchinhas Carnavalescas de São Luiz do Paraitinga".
Diversidade
São Paulo tem uma diversidade maior de ritmos para atender os diversos gostos da megalópole, como o reggae, cover dos Novos Baianos e até Beatles em hit de marchinha. Ainda assim debate-se sobre a série de fatores que fazem dos blocos de rua paulistanos uma manifestação aparentemente permitida ou tolerada. Mas o que vale no Carnaval? E porque uma distinção tão grande de comportamento da sociedade civil e do poder público nessa época? A dificuldade de ocupação de espaços em uma cidade que privilegia o automóvel é evidente, mas a festa popular muda um pouco isso.
"A gente passou por alguns administradores, alguns prefeitos, muito reacionários", diz Daniel Lara Espíndola, do Bloco do Zé Presidente, que já tem 3 anos de desfile de rua. Essas gestões eram muito rigorosas com a utilização do espaço público para qualquer manifestação cultural.
Ocupação do Espaço Público
Daniel lembrou que "por esses motivos, de acreditar que ia ser difícil a ocupação, que ia ser difícil a autorização da subprefeitura, sabe, eu acabava não fazendo, aí um dia eu falei 'vou fazer sem autorização nenhuma'. É óbvio que deu zica né."
Foi assim que começou, aos trancos e barrancos, o projeto Zé na Praça, que acontece todo primeiro domingo do mês com vários tipos de interferências culturais, sendo malabares, poesia, música, entre outras. O organizador foi notificado de que não poderia fazer o evento ali, em uma praça que estava abandonada até o Zé Presidente e a ONG Aprendiz das Letras conseguirem autorização para usar o local. A autorização só veio com a ajuda da ONG idealizada por Gilberto Dimenstein que, até então, tinha quase que monopólio para intervenções culturais no local.
Raul Neto, publicitário e um dos idealizadores do bloco de pré-Carnaval "Casa comigo", afirma: "Sempre me incomodou um Carnaval-SLParaitinga-Skolpouco quando diziam que em São Paulo as pessoas são mais frias. Acho que não dá pra generalizar, de repente são mais focadas no trabalho, têm outras prioridades. Paulista não usa tanto o espaço público quanto o carioca, aqui você sai de dentro de um lugar pra ir pra dentro de outro."
O bloco criado entre amigos ganhou corpo e reuniu mais pessoas do que o esperado. A organização, entretanto, não deixou a desejar e, apesar de não contar com autorização oficial, conseguiu colocar banheiros químicos e recolheu o resíduo que fica ao final de toda festa por conta própria. Mesmo sem o aval da prefeitura, aconteceu algo impensável até pouco tempo, "a polícia chegou muito mais pra ajudar do que pra pedir pra parar; eles e o CET chegaram pra orientar os carros de que estava tendo um bloco ali", explicou Raul. A mesma coisa aconteceu no bloco do Zé Presidente. "Nós não tivemos nenhum problema com polícia, com CET, apesar de não existir um documento oficial de apoio da prefeitura", afirmou Daniel.
Mudança Política
Juca Ferreira, novo secretário de Cultura de São Paulo, em audiência pública no Centro Cultural São Paulo prometeu um Carnaval de rua forte para o ano que vem: "Em 2014, São Paulo vai ter Carnaval com blocos de rua pra ninguém botar defeito". A solução definitiva para festa deve demorar ainda, mas Juca observou que a forma repressiva como artistas de rua e demais manifestações abertas vinham sendo tratadas pelas últimas gestões municipais não deve se repetir. Daniel ressaltou que a prefeitura ainda não teve "tempo hábil pra apresentar um documento oficial pra gente ocupar as ruas, mas eles falaram que estão de acordo, que a manifestação tem que ter mesmo e apoiaram não oficialmente, mas apoiaram, então nós não tivemos problema com nenhum órgão de fiscalização, nem subprefeitura, nem com CET, nem com rapa, nem de nada desse tipo".
O promotor do evento que ainda é proprietário da casa noturna de mesmo nome (Zé Presidente) e do Bar da Maria, disse que em outras gestões sofreu multas em seu estabelecimento por cliente beber cerveja na área de fumantes sem ser previamente notificado.
Ritmos
Raul e Daniel concordam na questão dos ritmos, acreditam que o Carnaval é uma manifestação popular e deve ser feita, assim como tantas outras. O ritmo nem sempre importa, mas sim a cultura, a alegria, a suscetibilidade a ações de cidadania que estão sendo tratadas. Já dizia Adoniran Barbosa: "Eu gosto dos meninos desse tal de ié ié ié, porque com eles canta a voz do povo".
Talvez, por seu tamanho, a cidade de São Paulo consiga abarcar tantos estilos atendendo a tantos anseios da vasta população. A dificuldade na ocupação do espaço público tem sido tônica, mas a experiência do Carnaval pode ser levada para os outros 361 dias do ano, só assim o cidadão poderá tomar praças e ruas para se expressar.
Fonte: Caros Amigos
Será que unir pessoas pela cultura pode ser, de alguma maneira, nocivo à sociedade?