Sai da Frente que o caipira chegou para ficar

 “Mazzaropi: o adorável caipira, 100 anos de alegria”, esse é o nome do samba enredo da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi, que ontem foi a penúltima das sete escolas a desfilar em São Paulo. O homenageado da vez é Amácio Mazzaropi, pelo seu centenário.

Mazzaropi

 O comediante deixou como legado 32 filmes, que registra um período importante da história: a industrialização, um processo que atraiu para os centros urbanos migrantes e imigrantes. Camponeses que iam à busca das promessas do mundo moderno.

Já na infância, Mazzaropi despertava interesse pela literatura, aos dez anos decorou um capítulo inteiro de Lira Teatral, um livro de José Vieira, que traz um compilado de estórias da cultura caipira. Ainda na adolescência se integra ao circo La Paz e faz turnês em cidades pequenas entre São Paulo e Rio de Janeiro. Embora seus pais não aprovassem a ideia de terem um filho artista, o menino era persistente. Depois de ter atuado em várias companhias, não só seguiu seu tino pela arte, como convenceu o pai a vender o botequim para montar uma companhia de teatro independente: a Troupe Mazzaropi.

Enfrentando desafios, viajando pelo Brasil afora, não demorou muito para que seu nome ficasse conhecido, tão logo ele ingressou no rádio, em 1946, num programa intitulado Rancho Alegre, da Rádio Costa e Lima. A resposta foi imediata, na mesma semana recebeu duas mil cartas de seus fãs. Naturalmente, quando a TV chegou ao Brasil,trazidos pelo lendário Assis Chateaubriand, em 1950, vários artistas que eram do rádio migraram para a TV, pois tinham experiência com o público, Mazzaropi foi um deles.

Foi assim que Abílio Pereira de Almeida, uns dos diretores da Companhia de Cinema da Vera Cruz, ficou conhecendo Mazzaropi. Ele estava à procura de um ator para ser estrela de seu filme, Sai da Frente (1952), quando o viu na televisão não hesitou.

O filme foi sucesso em bilheteria, isso fez com que em seguida Abílio dirigisse mais dois filmes, tendo como ator principal Mazzaropi. Após a derrocada da Vera Cruz, Mazzaropi atuou em filmes por outras companhias de cinema, até se convencer que tinha que ter uma própria, pois como artista, estava em evidência e deveria aproveitar o momento. Assim surgiu a Produções Amácio Mazzaropi – P. A. M -Filmes.

Em 1958 começa a rodar seu primeiro longa, Chover de Praça (1959), no qual o personagem conserva o traço caipira do primeiro filme Sai da Frente (1952). Porém, é no segundo filme, Jeca Tatu (1960), que ele marcaria para sempre esse gênero. Inspirado na obra de Monteiro Lobato, Jeca Tatuzinho (1924), Mazzaropi interpreta um pequeno agricultor, que é explorado pelo dono do Armazém, onde compra fiado. Esse estilo marca a fase rural da sua filmografia, na qual o contexto sempre é o campo e o figurino dos personagens é bem típico do ambiente rural: lenço no pescoço e botinas nos pés.

A fase urbana mostra o homem que sai do campo e indo morar na cidade, em busca de condições melhores, se depara com conflitos dos novos meios de produção, que dispensa a força manual de trabalho e, por conseguinte exclui o camponês do novo processo de produção. Mas esse homem não se dá por vencido, desvenda os novos códigos de sobrevivência, inventa modos diferentes e é protagonista na construção da cidade que avança.

Apesar da elite paulistana da época tecer duras críticas à filmografia de Mazzaropi, não compreendendo o gosto do público pelos seus filmes, costumavam dizer que a eles faltavam a chance de contatos com obras mais elevadas, a contragosto deles, as salas que rodavam as películas se mantiveram sempre lotadas, um pouco mais que duas décadas.

A crítica foi uma força contrária a despeito do sucesso que Mazzaropi alcançou, com um cinema marcadamente subdesenvolvido. A fidelidade do público era uma afronta à elite que não compreendia como ele soube ultrapassar o tempo com seu caipira rústico frente à cidade moderna que eles queriam ser. Para isso omitiam o estado de subdesenvolvimento com tudo que ele representava: o caipira, mas que no fundo é essência, não só do gênero dos filmes de Mazzaropi, mas do Brasil como um todo.

Mazzaropi é lembrado como o eterno Jeca Tatu, atualmente sua obra é vista pelos intelectuais com um olhar mais cauteloso, pois ela espelha o Brasil que temos que amar, com a rica cultua caipira, vinda em pau de arara, dizendo “sai da frente”, que viemos para ficar. A grande São Paulo, um reduto de migrantes e imigrantes, que muitas vezes foi homenageada por Mazzaropi em filmes como Meu Japão Brasileiro (1965), O Puritano da Rua Augusta (1966), Portugal Minha Saudade (1974).

Hoje ele é o homenageado da vez, a ele que a escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi presta reconhecimento ao seu talento e contribuição ao cinema nacional, que tanto acreditou, com vinte e uma alas figurando os filmes. É impossível negar o Mazzaropi, é impossível negar o caipira, pois como escreveu o intelectual e crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes “ele atinge o fundo arcaico de cada um de nós.” Se a elite de antes queria omitir essa cultura hoje ela é enredo de carnaval.

“Sai da frente, a alegria vai passar
É Mazzaropi, artista popular
Nos palcos da vida, te faço sorrir
Aplauso, lá vem Tucuruvi!

Hoje tem gargalhada, tem sim senhor!
Vou cair na folia
Minha fantasia é feita de amor
Pela arte, quis o destino
Corre nas veias um dom divino
No picadeiro, foi aprendiz
O teu sorriso me faz feliz
Quando a cortina se abriu
O maior dos caipiras surgiu
Do interior paulista pra todo meu Brasil

A carrocinha levou o gato da Madame
Vendedor de linguiça não vende salame
O Jeca Tatu não é puritano… HA! HA! HA!
Ele é corintiano

Está no ar “pro cêis” escutar (laiá, laiá)
Nas ondas do rádio, piadas, canções
Da tela da TV eu fiz espelho pra gente se ver
No Rancho Alegre encontro com você (vem me ver)
No cinema nacional, entro em cena de novo
Sucesso, tá na boca do povo!
Atrás de um sonho eu vou
O final feliz encontrar
A estrela do meu carnaval (lá do céu)
É a força que vai me guiar”

Por Fabiana Lima